Prólogo - A origem da União dos Estados

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Há 15 anos, o sol não nasce para todos. Apenas para uma pequena parte da população que teve a sorte de ser nascida e criada no que antes era chamado de Primeiro Mundo. Hoje, a União dos Estados é tudo o que restou do mundo pré-guerra. Alstarea é o único local no qual a vida continua como se nada houvesse acontecido. Os outros, envolvidos em uma guerra que provavelmente não lhes pertencia, tiveram seu ambiente e habitantes completa ou parcialmente destruídos.

Agosto de 2017: decerto que pela internet havia previsões apocalípticas do resultado de uma possível guerra entre Estados Unidos e a Coréia do Norte, mas o que aconteceu de verdade não foi apenas um embate: foi, deveras, o início do fim dos tempos.

Alguns meses antes, Marcel Miller, um jovem físico de apenas 28 anos que era aclamado como o novo Einstein, desenvolveu em parceria com a MIT uma máquina que poderia reverter o rumo de muitas vidas: um polarizador magnético de alta extensão. Segundo sua teoria, a máquina possuía força o suficiente para alterar a polaridade de territórios e objetos, de forma a criar um escudo tão potente quanto não se poderia transpassar. Quando o bombardeio estourou, dois meses depois, a Máquina de Miller - como fora chamada - foi acionada e provou o seu efeito: as bombas trocadas entre ambos os países e seus aliados passaram a causar o esperado: destruição plena de todos os locais à volta, exceto aqueles próximos o bastante da região hoje rebatizada como Alstarea.

O efeito das bombas destruiu completamente os países da Europa, Ásia e Oceania, nos quais se constata, até hoje, impossibilidade de sobrevivência. As temperaturas chegam a alcançar 90° e a água nada mais é do que ácido sulfúrico. Nos países da África, os efeitos do ricocheteio da bomba causaram aridez, a criação de uma espessa nuvem de gases químicos e escassez de água potável, o que significa que pouquíssimas aldeias estão sendo formadas agora, 15 anos depois, com os sobreviventes destes locais. Todo o tipo de progresso humano foi regredido e até mesmo as fontes de energia elétrica foram esgotadas: voltou-se à Idade Média.

Contudo, para americanos do Norte ou do Sul, a situação foi um pouco mais confusa. Houve destruição em larga escala nas regiões polares, contudo as áreas enquadradas entre os trópicos observaram diferentes resultados: Alstarea, protegido pela Máquina de Miller, permaneceu intacta. Por consequência, o estado de Blaudwin, com a cobertura extensa da Máquina, mal sofreu alterações. No entanto, o campo magnético extenso do invento apresentava falhas: apenas alguns estados que se encontravam na mesma linha vertical sofreram danos mais brandos que o resto do mundo.

Assim, a União dos Estados resume-se hoje a seis estados que se organizam de forma hierárquica: Alstarea, sede do Governo; Blaudwin; Norgaard; Sparia; Ksenx e Aurópolis.

A localidade não determinou apenas a sobrevivência: ela basicamente determinou a nova ordem social da única parte ainda desenvolvida do planeta. Os habitantes de Alstarea passaram a ocupar o topo da sociedade da União: a Classe A. Mesmo os menos abastados anteriormente ao Dia X ascenderam na escala social e vivem múltiplas vezes melhor do que os cidadãos enquadrados nas outras classes.

Todo cidadão não habitante do Estado de Alstarea estaria automaticamente enquadrado na Classe B, C ou D. Na Classe B estavam os cidadãos de Blaudwin e Norgaard, os estados com menos danos ao patrimônio. Possuem cortes salariais, trabalhando para permanecer com 50% de seu produto interno, devendo a outra metade à Sede do Estado. No entanto, ainda possuíam fornecimento de água e luz, desde que pudessem pagar por ele. Os que não podiam, viviam com menos.

As classes não funcionavam como as classes sociais reconhecidas por Marx: iam muito além disso. Assemelhavam-se às castas do Islamismo e determinavam um estado muito mais político que socioeconômico. Uma pessoa de uma classe jamais poderia - legalmente - se relacionar intimamente com pessoas da classe inferior, sob pena de julgamento pela Sede. A Classe C abarca todos os outros estados, à exceção de Aurópolis. Nos estados de Classe C, trabalha-se pelo direito à uma cota 50% menor de energia, água e comida do que a população estava acostumada antes do Dia X.

Anteriormente uma das mais importantes metrópoles do mundo, Aurópolis agora é o único estado de Classe D. Como tal, o pagamento por todos os seus produtos é apenas uma cota de 20% do valor anterior de consumo em água, energia e comida. Apesar de sua infraestrutura ter continuado quase intacta, as águas que os rodeiam são contaminadas e o céu permanentemente encoberto devido a gases atóxicos, porém persistentes. Tudo isso porque, três dias após os ocorridos do Dia X, um auropolita resolveu por bem assassinar o inventor da Máquina de Miller, juntamente à sua família. O Estado de Alstarea - que até então não se configurava como a Sede - respondeu prontamente, condenando-o após julgamento e fadando todo um estado ao status de Classe D. Após isso, Alstarea comunicou aos outros estados a sutil ameaça de que entravam todos sob seu comando ou uma nova guerra iniciar-se-ia.

Após o acatamento forçoso, todos os estados tiveram suas universidades fechadas. Exércitos foram postos na rua para manter a nova ordem: os estados de Classe C e D devem obedecer a um toque de recolher que se inicia às 10 da noite. Apenas alguns trabalhadores, identificados por chips, podem sair de casa após esse horário, a fim de realizar atividades laborais.

O novo Presidente aderiu de imediato ao regime fascista: havia segregação de Classes claramente definidas, mas também de raças e sociais. Estabeleceu-se um regime de Eugenia, em que o objetivo era perpetuação de traços arianos: os cabelos loiros, os olhos claros, o padrão facial de trejeitos finos e o corpo alto e esguio. Assim, a elite de Alstarea era composta por uma sociedade sem diversidade, brancos, loiros e de olhos verdes ou azuis. A Sede não tolerava uniões homoafetivas ou interraciais, e qualquer não-heteronormativo que se assumisse corria o risco de ser detido e levado a julgamento. A carga horária escolar fora diminuída em todos os estados que não a Sede e as duas únicas universidades passaram a ser Universidade Geral de Alstarea e a ACA, Academia de Ciências de Alstarea.

Até mesmo os cursos das universidades foram diminutos: permaneceram os cursos de Engenharia, Astronomia, Matemática, Química, Física, Arquitetura, Geologia, Medicina e Direito. Por lógica, o Governo achou melhor suspender as humanidades e limitar seu ensino em especializações ministradas por funcionários do próprio governo. O plano - segundo diversos professores antes de serem levados a julgamento - era alienar, de forma a propagar aquela política durante centenas de anos.

Sem esperanças de melhora, os cidadãos apenas podiam seguir suas vidas normalmente, com a falsa ilusão de que num futuro em que tudo se estabilizasse as coisas voltassem a ser como antes.

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