Enquanto a Neve Caiu

Primeira Ocorrência

Eu nunca me esqueci de como as coisas aconteceram. Certas ocasiões merecem ser lembradas, pois certos eventos devem estar perpetuados nas memórias daqueles que presenciaram.
Meu nome é Katherine... Kat se preferir. E esse é o relato que deixo para aqueles que desejarem conhecer o que eu conheci.

Começou no início do inverno. Acredito que foi o ano com o inverno mais frio que já presenciei. A neve começou a cair bem antes do início da estação e a cidade se tornou logo um pálido museu de idênticas peças de concreto. Todas as casas eram idênticas, com exceção de algumas peculiaridades que cada morador fazia questão de deixar transparecer da sua personalidade para sua moradia.
No meu caso, minha casa era a mais simples de todas. Eu morava sozinha e isso já fazia três anos. Meus pais moravam na capital. "Nada para será melhor que Londres para nós" eles diziam, mas eu sabia que no fundo, eles não gostavam mesmo de ficar longe da praticidade que tinham lá. A cidadezinha em que vivo não poderia oferecer nada disso.
Foi nesse inverno solitário e branco que tudo começou, quando eu saí de casa atrasada para o trabalho... Eu não poderia imaginar o que me esperava ao atravessar a terceira rua... Acho que ninguém poderia.

Passei disparada pela calçada desviando de toda e qualquer pessoa no caminho, odiava me atrasar para qualquer coisa, principalmente trabalho. Quando cheguei naquela esquina, tudo foi muito mais rápido do que eu poderia imaginar.
Meu corpo travou automaticamente ao ouvir os sons de pneus derrapando na neve da rua... Depois a batida. Dois carros colidiram. Um que vinha mais lento foi pego pelo desgovernado rodopiando em cheio. Eles bateram de frente um com o outro, e após o som da colisão, longos minutos silenciosos se seguiram até eu ouvir choros... Alguém estava vivo.

Muitas pessoas estavam em volta observando, eu inclusa. Outros poucos se adiantavam a tentar se aproximar dos veículos.
A emergência não demorou a chegar, depois os bombeiros e então a polícia. Eu não pude ficar alí por muito tempo, então logo me adiantei até a cafeteria aonde trabalhava a algumas quadras dali.

Já no meio do expediente e da correria do trabalho que tanto me animava, eu havia esquecido completamente do ocorrido, até em um pequeno momento perto da máquina de capuccinos, Hannah comentar em voz baixa comigo:
— Você viu o acidente aqui perto? Santo Deus, foi horrível.
– Na verdade, eu vi tudo. Vi quando aconteceu.
O olhar dela foi de espanto e curiosidade, uma mistura comum em Hannah. Começamos a trabalhar juntas na cafeteria e tínhamos quase a mesma idade, mas ela mantinha a curiosidade de quando entramos ainda garotas.
— Kat... Caramba. Você viu a cena... Meu Deus... Você tá bem?
— Sim... — Respondi meio sem jeito— Não foi tão feio. Eu tive que sair bem rápido de lá inclusive, ou chegaria mais atrasada do que você.
— Não foi tão feio? Dá pra ver que você saiu de lá correndo mesmo.
— Como assim? — Perguntei desconfiada.
— O cara que girou o carro estava bêbado. Acertou em cheio o outro carro, mas não aconteceu nada com ele. A mulher do outro carro estava levando a filha na escolinha. Morreu na hora...
Ela mal terminou de dizer, e logo estava com um descafeinado na mão, e rapidamente me deixou sozinha pra levá-lo até uma das mesas.
Eu vi alguém morrer... Eu vi alguém morrer.