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"Talvez a morte tenha mais segredos para nos revelar que a vida." Gustave Flaubert.

§

Acordei aflita. Tinha certeza que eu havia tido um pesadelo, ou no mínimo algum sonho esquisito durante a noite, mas por mais que tentasse não conseguia me lembrar.

A cortina do quarto balançou, trazendo uma brisa fria. Só então percebi que havia dormido com a janela aberta. Levantei prontamente para fechá-la antes que o quarto ficasse mais gelado do que já estava, mas estranhei ao tropeçar em um par de botas jogadas ao pé da cama.

Eu não me lembrava de tê-las colocado ali.

Mal eu sabia que aquele seria o mais comum dos acontecimentos daquela manhã.

Tudo começou no dia vinte e dois de dezembro.

Poucos minutos depois do acontecimento, a maioria dos moradores das redondezas da ponte Rustle já se encontravam no local. Bastava se aproximar um pouco do beirada para vê-la: o corpo de Lisa estava parcialmente afundado no lago e havia uma grande mancha de sangue na altura de sua nuca.

O gelo partiu com o impacto da queda, mas não o suficiente para que ela afundasse totalmente.

Não demorou muito até que os moradores de Whisper Hills espalhassem o ocorrido. O burburinho das pessoas ao fundo quase era suprimido pelo choro de desespero da mãe de Lisa, apoiada no parapeito da ponte.

Ouvi dizer que o Sr. Austen estava de viagem, então a Sra. Austen teve que passar por tudo aquilo sozinha. Não haviam mais parentes na cidade.

A mãe de Lisa não havia parado de chorar desde que percebeu sua filha jogada no lago. Ela ainda chorava quando os bombeiros chegaram para retirar o corpo do lago, e perdurou mesmo após Lisa ser enterrada, no cemitério principal da cidado.

Na última vez que a vi, o rosto da Sra. Auten estava quase irreconhecível:  inchado, com olheiras profundas e uma expressão triste e cansada.

Todos do colégio foram ao enterro. Ninguém diria que haviam tantas pessoas ali presentes dado o silêncio.  Os burburinhos somente começaram após o enterro. Era inevitável perguntar porque uma garota bonita como Lisa, que tinha um belo namorado e andava sempre sorrindo, teria motivos para acabar com a própria vida.

Apenas três dias depois, o dia vinte e cinco de dezembro perdeu toda a magia de Natal que deveria ter. Tia Lilian fez o possível para que o dia fosse o menos ruim. Logo de manhã, a árvore de Natal no canto da nossa sala de estar já estava com alguns presentes embaixo. Embora eu não conseguisse ficar animada, sentei no carpete, ao lado da árvore, para abrir os presentes que tinham meu nome escrito. Em um deles, havia um cachecol cor de vinho. Em outro, um gift card de uma loja de doces que eu amava perto de casa – confesso que esse me deixou bastante feliz. E, por último, havia uma pequena caixinha com um colar com pingente de sol dentro, esse foi o que eu mais gostei.

Apesar de tia Lilian não saber cozinhar muito bem, ela havia comprado um peru para assar e passou a manhã cozinhando e fazendo os tradicionais biscoitos de gengibre em forma de boneco. Eu a ajudei com os biscoitos, e no fim ficaram com uma aparência legal.

— Está pronto! — Tia Lily sorriu, colocando a travessa de alumínio com o peru sobre a mesa. Parecia dourado pra mim. Okay, estava bem passado, na verdade.

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⏰ Última atualização: Apr 14 ⏰

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