P r ó l o g o.
Na madrugada do dia vinte e dois de dezembro, tive um pesadelo.
Embora eu estivesse percorrendo o caminho que fazia todos os dias na volta do colégio, alguma coisa parecia diferente. Não visualmente. A paisagem estava igual: a velha ponte Rustle, larga, extensa e bem ornamentada, feita de cimento e com grandes pilares de aço tingidos de azul escuro. A paleta de cores combinava bem com o inverno. Ao olhar para o todo, não se via muito além de cinza, branco e azul.
Para além da ponte, o céu coberto por nuvens aos poucos se misturava com o tom de branco do lago congelado sob a ponte coberta de neve. As árvores ao redor também estavam brancas por conta da neve e, ao fundo, havia um monte quase completamente coberto pelas nuvens.
Embora tudo no cenário estivesse aparentemente normal, eu ainda tinha a sensação de que alguma coisa estava prestes a dar errado. Eu sabia que algo não iria acabar bem. Mas o quê?
Encarei os meus pés antes de pisar na ponte e só então percebi que estavam cobertos por um par de botas que há anos eu havia esquecido no meu guarda roupas. Na verdade, eu nem sequer me lembrava de tê-las colocado. Eu não me lembrava nem mesmo de ter ido à escola naquela manhã.
Tive um péssimo pressentimento assim que pisei na ponte Rustle.
O frio era tanto que transpassava as várias camadas de roupa que eu estava usando.
Consegui andar até o meio da ponte antes de parar para admirar mais um pouco a paisagem. Algo me chamou atenção em um ponto específico do lago, logo abaixo de onde eu estava. Não parecia muito diferente de todo o resto, a não ser por não estar coberto de neve. Dava para ver claramente o azul, bonito, frio e profundo do lago congelado. Como se alguém tivesse pairado exatamente naquele ponto e limpado a camada de neve dali.
De repente me senti especialmente triste.
Pensei ter ouvido um barulho vindo de trás de mim, mas quando me virei dei de cara com a metade da ponte vazia. Uma brisa fria soprou e, longe dali, um pássaro saiu gralhando de dentro de das árvores, fazendo farfalhar as folhas.
A tristeza em mim aumentou. De um momento para o outro eu não estava apenas triste, mas com medo.
Virei as costas para o lado, mas quando tentei dar um passo na direção de saída da ponte, os meus pés simplesmente permaneceram colados no chão. Eu estava paralisada. Os meus braços e pescoço já não se moviam mais.
Eu só podia estar sonhando.
Fechei os olhos e desejei acordar em casa, na minha cama quentinha. Aquilo tudo estava bizarro demais. Eu não me lembrava de como havia ido parar ali. Por que raios eu não consigo me mover?
Prendi a respiração. Havia alguém atrás de mim. Os meus pés permaneceram paralisados e não consegui mover a cabeça, mas meu coração estava disparado. Estava cada vez mais próximo, até que senti uma breve respiração à altura do meu ouvido. Consegui mover os olhos para ver quando a pessoa encostou no meu antebraço. Estava usando uma luva preta.
Por um minuto, eu não estava com medo, apenas confusa. Como se toda a angústia que eu estava sentindo até aquele momento estivesse se esvaindo, até que, num súbito, o meu peito se apertou.
Um grito estridente reverberou pela ponto, seguido de um forte barulho de gelo se quebrando. Quando me dei conta, eu já não estava paralisada e me virei para ver o que havia acontecido. Não havia ninguém além de mim ali, nem nada caído no gelo. O lago estava intacto. Novamente, um pressentimento ruim tomou conta de mim.
Dessa vez não tive certeza de que algo ruim estava prestes a acontecer, mas que já havia acontecido.
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Além das Colinas
RomansaApós o suposto suicídio de Lisa Austen, as coisas na cidade de Whisper Hills começam a ficar estranhas, especialmente para Maya. Como se não fosse o suficiente, Ethan aparece com todo os seus mistérios e segredos para fazê-la perder de vez a sanidad...