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Eu não sei o que as pessoas pensam sobre isso, a vida, eu digo. Sei apenas o que normalmente as pessoas falam sobre ela, que ela é curta, que devemos aproveitar enquanto podemos. Ou que é apenas um pouco de tempo que passamos na terra. Alguns falam que é a nossa passagem para a vida eterna, que vamos encontrar a paz ou seja lá o que nos espera depois que morremos. Talvez seja como Platão dizia, não que eu queira soar poetica, filósofa ou algum desses clichês da vida. Mas, talvez, o que nós vivemos aqui seja realmente isso. Platão dizia que este nosso mundo é apenas uma cópia, cheia de defeitos, do mundo perfeito, ou mundo das ideias, como preferir. Ele dizia que nos estamos aqui apenas de passagem, nosso corpo, ele é apenas um recipiente para a alma, que, ao morrer, nossa alma será liberta para o mundo perfeito. É legal, sabe? Bem filósofo. Gosto de pensar que isso é real. O que me incomoda é o "apenas", é sempre isso? É sempre "apenas" isso? Não deveria haver algo mais, quer dizer, nos passamos tudo isso para nada? Tem sempre que haver algum propósito, ou eu que estou frustrada e pensando ser inútil nesse mundo? Eu não sei, são essas coisas estranhas que ficam se passando pela minha cabeça, coisas que me preocupam, me ocupam, o bastante para ouvir o que estou ouvindo agora.

-  Jane, entrei para Juliard - Patrick olhava para mim, mas eu não olhava para ele, bem, eu tentava, mas eu não conseguia ver o que estava vendo agora. Não conseguia ver o seu "atual eu", ele não era... bom, não era o Patrick que eu conheci na primavera.

- O que? Eu não consigo entender, eu pensei que iamos para Busan juntos...

- Você pode ir, pode fazer seu curso de fotografia lá, ainda estarei te apoiando.

- É, do outro lado do mundo, Patrick - falei sem sequer esconder minha irritação - Quando você ia me contar sobre Juliard? Por que se inscreveu nela, para começo de história?

- Eu... Jane, eu não sei como te dizer isso...

- Fala - tentei segurar a mão dele, mas ele a afastou.

- Eu estou indo para Juliard com a Stephanie.

- Quem é Stephanie? - perguntei, quase seca. Patrick baixou o olhar e eu entendi, só não queria - A líder de torcida? Essa Stephanie?

- Stephanie é... Stephanie é com quem eu estou agora - me levante subitamente da cadeira da cafeteria, fazendo com que a cadeira caísse no chão e todos olhassem.

- Jane, vamos conversar... - ele se levantou também, peguei minha bolsa.

- Eu não tenho nada para conversar com você - falei baixo, mas alto o suficiente para ele ouvir.

Levantei a cadeira que havia derrubado e comecei a andar para ir embora, Patrick me alcançou e parou na minha frente.

- Ao menos me deixa explicar ou diga alguma coisa.

- Dizer o que? "Parabéns por ter cumprido sua função como jogador do time de futebol namorando a líder de torcida"?

- Me desculpa - sua expressão parecia esperançosa, ele esperava algo de mim. O que eu queria fazer? Eu queria ir embora, era tudo o que eu queria naquele momento.

Então eu fiquei inexpressiva e disse, antes de ir embora:

- Parabéns...

Joguei minha bolsa na cama e fui ate a cozinha pegar o pote de sorvete para ver se o gelado consegue congelar qualquer tipo de coisa boa que eu pensasse sobre Patrick e quebrar em milhões de pedacinhos. Sentei no sofá e não me dei ao trabalho de colocar o sorvete em uma tigela, comi no pote enquanto vagava pelos canais a procura de algo me distraisse ou me desse ideia do que fazer.

Eu não queria chorar. Bom, eu queria, mas meu orgulho é muito grande para permitir.  Não sei. Planejei uma vida inteira com uma pessoa. Sério. Tudinho. Iríamos para a faculdade, um apartamento só nosso, dias de filme. Depois se formar, trabalhar, casar e ter no máximo dois filhos.

Pois é, eu tinha tudo planejado, e queria que desse certo. Mas não, agora ele vai ficar aos beijos com a Stephanie, líder de torcida, corpinho lindo, uniforme de líder de torcida, mesmo não sendo dia de treinar ou apresentar alguma coisa, mas ela parece gostar de mostrar como aquele uniforme fica bem até mesmo nela. Gentil, e com todo aquele ar dela que parece sair até flores. Sim, foi por ela que eu fui trocada, obrigada pelo consolo.

Mas o que é Stephanie comparada a mim? Jane, fotógrafa da escola, uso constante de roupas pretas e jaquetas jeans, respirando música indie, café e editores de foto, cabelo liso demais, não segura nem um cacho, magra e sem noção nenhuma de moda, pessoas preferem morrer a ficar perto de mim, com exceção de Scarlet e Kevin. Essa sou eu.

Estava arrumando minhas coisas no armário, notando a imensa bagunça que estava, pois eu tinha livros demais ali. Olho de relance para o lado e Patrick vinha na minha direção, parecia pronto para falar alguma coisa, até Stephanie o prender contra o armário com o seu sorriso encantador e eles conversarem como o casal mais feliz da escola. Por alguns raios de razão, resolvi fotografar aquilo, ninguém poderia me julgar, eu posso dizer que era para o anuário e pronto. Parei quando vi eles se beijarem e quis vomitar.

- Secando o namorado? - Scarlet aparece, impedindo que eu veja os dois do outro lado.

- Que namorado? - ela olhou para trás e apontou discretamente para eles.

- Aquele que está quase lambendo a cara da Stephanie Jones.

- Você quer dizer ex então - Ela riu.

- Quero dizer babaca - peguei meus livros, fechei o armário e começamos a andar para a sala - Fala sério, vocês mal terminaram e ele já estava assim com a Stephanie, é como estar no ônibus, sentado e você levanta e a pessoa mal espera você sair para sentar no seu lugar.

- Ótima analogia.

- Só estou falando todas as bobagens que tenho para falar antes de você ir embora - alguém aparece entre nós duas e se apoia na gente.

- Ela não vai morrer, Scarlet - Kevin falou - A propósito, grande desrespeito da sua parte ir para o outro lado do mundo enquanto alguns de nós vai para Nova York, ou Boston, algo assim.

- Gostei do curso de fotografia de lá, pensei que fossem me apoiar.

- Ah claro, apoiamos - eles disseram em uníssono, como se aquilo fosse piada.

- Vou sentir falta de Seattle.

- Então não vá para tão longe - Scarlet sacudiu meus ombros.

- Eu tenho que ir para a aula.

- Amanhã é o nosso último dia de aula e o baile, sem contar que depois de amanhã você vai embora, precisamos fazer alguma coisa! - Kevin falou.

- Você quer fazer alguma coisa ou isso é uma desculpa para conseguir ficar com algum menino inocente de suas impurezas na minha despedida?

- Talvez eu faça os dois - nos rimos.

Pensar que estarei do outro lado do mundo, longe da minha família e dos meus amigos, é estranho, como se borboletas começassem a voar sempre que penso, isso só me dá mais vontade de partir.

"Just one picture" + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora