Certa noite enquanto me distraía entre um aplicativo e outro no celular, percebi que estava sendo observado. Sozinho em casa, relaxado e usando fones de ouvido, vislumbrei o mundo escuro após a janela aberta, os olhos direcionados a mim não estavam lá fora, constatei, mas logo ali ao lado daquela janela, na parede.
O pequeno ser de quatro patas dividia sua atenção entre mim e sua vítima, que pairava sobre sua cabeça, pousando vez ou outra ao seu redor, sempre a uma distância segura para um voo de emergência. Me dei conta de que a osga já estava ali havia alguns minutos, cercando o inseto em um jogo de paciência que parei para admirar.
Era fascinante perceber o quanto aquele animal insignificante conseguia atingir um estado tão sublime de eutimia mesmo em uma situação que, apenas de olhar, já me irritava.
— Insignificante é tu, filho de uma égua. — Uma voz não humana ressoou em minha cabeça, cobrindo o som da música alta nos fones. Removi o acessório das orelhas e olhei ao redor. Sim, eu estava sozinho, mas podia jurar que havia escutado aquela frase.
— E ouviu mesmo, infeliz. Fui eu quem falou. — Àquela altura já começava a duvidar de minha sanidade, ainda assim olhei para a osga na parede. Ela continuava sua jornada em noventa graus, perseguindo o inseto que sempre escapava de suas investidas. Era uma caçada estúpida de ser presenciada, tanto que eu já cogitava intervir e matar o inseto com o chinelo para dar a ele. Como aquele animal poderia se comunicar comigo?
— Me comunicando, ora. E não ouse levantar a bunda dessa rede, esse é o meu negócio e é o que faço melhor. Aliás, para de narrar essa história no passado, tu tá vendo ela acontecer na tua frente, imbecil.
Eu odiava a palavra imbecil. Por um instante até me senti afetado pelas palavras ácidas da lagartixa de queixo empinado, mas eu era o ser superior da situação, precisava agir de acordo.
— Ser superior, é? Se tu consegue dormir melhor acreditando nisso, vá em frente, acredite. Mas aposto que morre de inveja de mim e minha força wan der Wall, hein? Sobe aqui na parede, mané.
A lagartixa parava para me observar enquanto falava. Não abria a boca, nem nada parecido, mas estava em minha cabeça de alguma forma, ao mesmo tempo que também estava naquela parede, perseguindo aquele maldito inseto irritante que não se permitia ser capturado. Foi quando uma outra osga apareceu descendo do teto pela parede, atraída pelo mesmo inseto.
As duas se cumprimentaram ao se encontrarem, talvez fechando um acordo. Começaram a caçar juntas e logo ficou claro que a recém chegada era bem mais esperta. Resolvi torcer para que ela abocanhasse o inseto e fugisse deixando aquele maldito réptil com fome.
— Tu guarda rancor rápido demais — gargalhou para mim. — Não, eu não gargalhei para ti, gargalhei de ti. Seja justo com o leitor.
Babaca.
— Tu que é babaca. Eu só tô tentando arranjar minha janta aqui.
Ah, é? Então porque estava me encarando enquanto eu estava em paz?
— Nós dois sabemos que tu me encarou primeiro, e que tu também inventou um início mentiroso pra essa narrativa.
Eu precisava de algo mais poético pra começar, você não entende.
— Entendo sim.
Não, você não entende. Você é só um animalzinho sem consciência.
— Posso dizer o mesmo de ti. Senhor eu, eu, eu. Tu realmente pensa que o mundo gira em torno de ti, não é? Pois bem: ser escritor não te dá o direito de ditar todas as regras de uma narrativa, quer ver só? — Sem reação para a petulância de meu interlocutor não convencional, presenciei calado o momento em que meu mundo perdeu o sentido.
— O humano babaca permanece olhando pra mim enquanto aguardo que o Geraldo desista de disputar a mariposa de asas brancas comigo. Ele logo vai embora, então levo mais alguns minutos até que enfim consigo uma boa oportunidade. Em uma investida final, agarro a mariposa nos dentes e exibo minha vitória ao escritor frustrado à minha frente. Leva um instante até que o inseto esteja morto, quando acontece, termino de mastigar e engolir. Sob o olhar patético do humano, subo para o teto e divido a história com o Geraldo — o pobrezinho não sabe como falar com homens, muito menos como os colocar em seu devido lugar.
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Esta crônica foi escrita em uma hora, elaborada em duas, em comemoração a este dia três que marca meus quatro anos no wattpad.
Obrigado por ler.
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Abraços e até a próxima!
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LAGARTIXA
Short StoryA interação entre dois animais inteligentes e um humano. Quem é que manda, afinal? _________ Copyright © 2018 Wander Castro. Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta crônica, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui...