Capítulo único

2 0 0
                                    

Pelo que os meninos tinham memória, sempre moraram naquela casa que mais parecia estar abandonada com a sua avó, a simpática dona Wilma. Tinham recém completado a idade de sete anos cada um (eram gêmeos e os seus pais haviam morrido alguns dias após o seu nascimento, vítimas de um acidente de carro).
Michael Orson e Carl Orson sempre gostaram daquela casa, pois havia muito espaço para que pudessem brincar e não havia nenhum perigo por perto, pois a estrada passava há mais de duzentos metros da casa. Assim a avó deles não se preocupava quando eles saíam para brincar, pois sabia que não iriam encontrar ninguém. Já que ela não gostava que eles fizessem amizade nenhuma.
Ao longo dos dias que iam se passando, os dois meninos sempre arrumavam algo para fazer. Brincar de bola, esconde, correr pelo gramado fofo. Mas algo estava faltando àquelas crianças. Eles estavam sentindo a falta de alguém da idade deles para que pudessem compartilhar a sua infância.
Mas, sempre quando a sua avó era questionada sobre o assunto, ela dizia que não deveriam se misturar com outras crianças, pois eles somente iriam aprender coisas que não prestavam.
Mesmo sabendo disso, os dois iam quase todos os dias à frente de sua casa e esperavam que algum menino de sua idade passasse, para que eles pudessem conversar – sem a dona Wilma soubesse, é claro –.
A época era Dezembro e as férias de aula acabavam de ter começado. Assim seria muito difícil que alguém passasse, pois o lugar era bem retirado e não havia nenhuma casa pelas redondezas.
Sabendo que seria muito ruim deles encontrarem alguém, resolveram deixar que o período terminasse e, assim que aulas começassem, poderiam encontrar alguém. E agora, que já tinham a idade suficiente, também poderiam adentrar no ano letivo.
Ao questionarem a velha mulher sobre o assunto, receberam uma resposta que os deixaram muito tristes. Ela lhes disse que a única coisa que aprenderiam na escola, seria a responder mal a sua avó e que as matérias básicas, ela poderia mesmo ensinar-lhes.
Por mais de uma semana, os dois ficaram trancados em seus quartos, dizendo que não sairiam nunca mais de lá se ela não os deixasse estudar, pois agora que chegaram à idade, gostariam de conhecer mais pessoas. Mas ela não mudava de ideia e mantinha a sua atitude, demonstrando que os dois não conseguiriam o que queriam tão fácil assim.
Os meses continuaram a se passar e as aulas começaram, pois eles viam que, sempre ao final da tarde, passava um menino aparentando ter a idade deles pela estrada na frente de sua casa.
Os dois, que estavam de castigo, pois queriam a todo custo entrar na escola, somente viam o menino passando com a sua mochila aparentando ter uma tonelada, pela estrada sem nada poderem fazer. A vontade de conversar com o rapaz era enorme, mas sabiam que seria muito difícil de sua avó deixar. Por isso, resolveram deixar a idéia da aula de lado, para ver se ela deixava-os sair do quarto, assim podendo ir falar com o menino.
Ficaram mais quietos e esqueceram de vez o assunto, fazendo com que a sua avó os deixasse sair do quarto. Mas, apesar disso, eles ainda não podiam sair para brincar.
Todos os dias, no mesmo horário, o menino passava pela estrada, carregando a sua mochila.
De longe, não conseguiam ver muito bem o rosto dele, mas parecia ser um menino feliz, que gostava do que fazia e por isso, andava levemente, como se tivesse vindo de um lugar muito bom. E era esse mesmo lugar que os dois sonhavam em ir, mas agora teriam de esquecer por enquanto.
Começaram então, a levar uma amizade com o menino, de longe, sem ao menos nem saber o seu nome, de onde veio ou onde mora. Quando ele passava pela estrada, os dois, num tom baixo para que sua avó não escutasse, conversavam com o menino como que se eles fossem amigos há muito tempo.
– Como está indo a escola? – perguntou certa feita Michael.
Após certo tempo de silêncio, os dois comentavam a resposta que cada um imaginava de um tipo. Mas como eles eram muito parecidos, quase sempre os comentários eram iguais.
O assunto mais "discutido" era sobre as aulas e quando que elas começariam para os irmãos, pois o menino gostaria muito de estudar junto deles.

Quase pelo mês de agosto, quando as férias de meio de ano já haviam terminado, foi que a avó ao ver que eles já não tocavam mais no assunto de aula e também os dois já não ficava mais na janela para o menino passar, os deixou saírem novamente, para que pudessem aproveitar um pouco o pátio grande da casa, que sempre parecia estar intocável.
Sem mais delongas, saíram e começaram a correr pela grama que estava mais fofa ainda e as brincadeiras não se cessaram até a hora em que avistaram novamente aquele menino e tudo veio à tona novamente.
Aproveitando que a dona Wilma estava em seus afazeres, correram em direção à estrada e acenando, gritavam para chamar a atenção do menino que já estava quase sumindo na curva.
Após alguns metros, observaram que o ele parou e, olhando para trás, ficou a procurar algo que parecia não ver. Assim, acelerou o passo mais ainda e segurou a mochila para que não pulasse em suas costas, sumiu rapidamente das vistas deles, que tiveram de voltar.
À noite, quase não dormiram, pensando somente em como poderiam falar no outro dia, para que o menino não saísse tão assustado.
De várias maneiras tentaram chamar a sua atenção, mas sempre quando se aproximavam dele, corria feito um louco. Diversas vezes, podiam ouvi-lo gritar, como que se tivesse avistado algo de sobrenatural. Pensaram que ele poderia estar assustado, devido ao cemitério que se localizava à beira da estrada, bem na divisa do terreno deles.
Um dia, viram que ele saía do cemitério, parecendo mais assustado ainda do que de comum. Daquele dia em diante, ficaram sem vê-lo por mais de dois meses.
Durante todo esse período, os dois também ficaram em casa, pois a sua avó havia descoberto que eles queriam ir ao cemitério, para ver o que havia lá de tão terrível assim.
– Mas vó. Deixa-nos ir lá. Faz mais de cinco anos que ninguém mais visita o cemitério. Somente deve ter túmulos velhos lá.
– Por isso mesmo. Capaz de vocês cair dentro de algum e ter de ficar lá para sempre.
Eles sempre ficavam arrepiados quando ela lhes dizia isso. Pois pensar em ser enterrado vivo era uma coisa que não lhes agradava.

Mais um mês se passou e finalmente o menino retornava a ir para a aula.
Assim, sem contar tempo, eles arrumaram um jeito de escapar da avó e, antes que o rapaz percebesse, eles conseguiram alcançá-lo e falar com ele.
– Oi. Meu nome é Michael Orson e esse é o meu irmão Carl Orson.
Com um olhar meio paralisado, o menino se afastou um pouco dos dois, fitando-os de cima em baixo.
– Eu sabia que eram vocês – falou como que se tivesse descoberto algo muito importante.
– E quem somos nós? – retrucou Michael.
Sem saber muito ao certo o que falar, ele apresentou-se dizendo que a mãe dele havia falado sobre os dois meninos que moravam no casarão.
Ficaram falando por mais algum tempo, até que ouviram a avó deles chamar.
– Temos de ir. Tchau.
Então, foram para casa mais feliz, pois haviam feito a primeira amizade deles.
Durante alguns meses, os três sempre se encontravam após as aulas do menino, para conversar sobre o que ele aprendia e sobre como que eram os outros meninos da mesma idade. Ao ouvir todos aqueles relatos, os dois ficavam cada vez com mais vontade de freqüentar a sala de aula. Sempre quando eram questionados por ele do motivo de não estarem estudando, respondiam que a sua avó não achava certo eles irem para a escola, pois não aprenderiam nada. Assim, ela os ensinava do seu modo.
A amizade deles estava indo muito bem, até o dia em que a avó deles descobriu e resolveu colocá-los de castigo novamente. Dessa vez ela disse que eles não sairiam de lá até que as aulas acabassem. Assim os dois garotos ficaram muito tristes, pois sabiam que seria difícil arrumar alguma amizade no tempo das férias. Pois o menino disse que passaria as férias na casa dos tios em uma cidade muito longe dali.
Todos os dias, eles pensavam em algum jeito de conseguirem escapar da vigilante e astuta Dona Wilma. Mas como sempre, nunca conseguiam, pois ela estava de olho neles, como que se corressem algum risco de vida saindo do quarto.
Como sabiam que aquele dia seria o último das aulas, resolveram que de qualquer maneira sairiam para pelo menos se despedirem de seu amigo, antes que ele partisse para as férias. Quando a hora do término das aulas se aproximou, um dos gêmeos chamou sua vó e disse que precisava ir ao banheiro. Ao abrir a porta, os dois saíram rapidamente sem que ela conseguisse alcançá-los. Mas também nem fez menção de que iria atrás.
Ofegantes e apreensivos esperaram alguns minutos até que viram o menino aparecer na curva. Mas ele, diferente das outras vezes, ao ver eles, adentrou na rua do cemitério. Os meninos que estavam ansiosos para falarem com ele, foram atrás sem contar tempo.
Ao entrarem no cemitério, viram ao longe, que o menino estava sentado em um dos jazigos, onde se podia ver que várias pessoas estavam enterradas nele. Foram se aproximando, e começaram a ver que se tratava de uma família inteira que lá estava enterrada. Como a vó deles já os havia ensinado a ler um pouco, eles com um pouco de dificuldade leram as palavras "Mesmo na Eternidade, Seremos uma Família Unida e Feliz".
Isso os deixou um pouco triste, pois achavam se tratar da família do pequeno novo amigo.
Quando o menino se levantou do lugar onde estava, daí sim, os gêmeos puderam ler os nomes das pessoas que ali estavam enterradas:

Wilma C. Orson *1940 + 2002
Valéria Orson * 1962 + 2002
Bruce C. Orson * 1958 + 2002
Michael Orson * 1997 + 2002
Carl Orson * 1997 + 2002

Quando se viraram, seu amigo havia sumido...

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jun 06, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Longo caminho Onde histórias criam vida. Descubra agora