The beast

43 4 7
                                    

Toda a atmosfera sufocada e apertada do trem onde muitos judeus estavam me deixava em pânico, o ambiente escuro e desajustado para inúmeras pessoas era assustador, todo o barulho de choro e de pessoas tentando acalmar umas às outras me deixa desnorteada. Procurei fixar meu olhar nas frestas de luz que passava através das paredes do trem em movimento, sentir minhas pernas dormentes e enfraquecidas com todo o aperto e as horas de viagem era algo atormentador.

Quando por fim chegamos ao local, as portas de abriram, fazendo-me fechar os olhos de forma automática com a incomodação que a luz me causava. Vi alguns soldados nazistas puxarem as pessoas dos vagões e logo seria minha vez, algumas mulheres choravam por terem sido separadas de seus maridos e filhos, eu não sabia exatamente o que sentir. Havia um misto de emoções indecifráveis dentro de mim, acabei de perder meus únicos bens preciosos: meu pai e minha mãe. Os porcos nazistas invadiram nossa casa e arrancaram de mim qualquer resquício de liberdade em ser judia que ainda existia, e em minha família. Éramos perseguidos diariamente, a biblioteca da família havia sido fechada por leis alemãs, muitos nazistas destruíram o local de trabalho da minha família com insultos aos judeus.

Enfim chegou minha vez de descer do vagão de trem, um soldado nazista me olhou com desdém e fez questão de me empurrar de cima do vagão -obviamente eu teria capacidade de descer sozinha- sua expressão séria e monstruosa era intimidadora, mas eu só consegui soltar um leve gemido com a dor das pedras em meus joelhos, mordi meu lábio inferior na intenção de cessar a dor e decidi levantar-me para não demonstrar fraqueza aos porcos. Levantei e endireitei minha postura, tratei logo de me encaixar na enorme fileira de mulheres que havia ali, penso no quanto sofrimento cada uma carrega, penso no tamanho da dor que há em seus corações, franzi minhas sobrancelhas e acabei por segurar as lágrimas que ousavam em encher meus olhos.

Um soldado com sua farda e uma faixa com o símbolo do nazismo em seu braço se aproximou de um pequeno grupo de mulheres mais a frente, analisou cada uma delas -como se fossem verdadeiros animais prestes a serem mortos- e em seguida ordenou algumas palavras inaudíveis para outro soldado que o acompanhava. Parei de observá-los quando tratei de observar o símbolo dos judeus em meus braços, sinto um extremo orgulho dessa estrela pela qual somos identificados, meu povo é forte e valente, meu povo sofre de cabeça erguida e sinto orgulho por ser judia, por fazer parte das pessoas que mais enfrentam dificuldades na Alemanha.

Meus pensamentos foram interrompidos quando um soldado se aproximou do grupo de mulheres que eu estava, fixei meus olhos no soldado com sua postura ereta na tentativa de entender o porquê de tanto mal que causava em nossas vidas, na tentativa de entender o que aconteceria com cada uma de nós. O homem de estatura alta e forte levantou sua mão e saudou Hitler, senti nojo da cena e senti meu estômago revirar-se com as palavras proferidas daquele porco imundo.

-Heil Hitler! Sou o comandante Klaus Schulz, meu dever neste campo de concentração é fazer com que não desobedeçam nossas regras. -O comandante andou através da fileira de mulheres e parou próximo a mim, sua voz era como trovões em dias chuvosos.- As regras são claras, irão trabalhar durante o dia e suas refeições serão pela manhã e durante a noite, terão horário para dormir e nossos guardas irão vigiar cada dormitório atrás de alguém que desafie as regras, e claro, se isso ocorrer, irão sofrer consequências.

O comandante abriu um sorriso diabólico em seus lábios o que me fez tremer, um arrepio percorreu meu corpo ao imaginar as consequências. Fui surpreendida quando seus olhos azuis pousaram sobre os meus, seu tom de desdém foi desfeito e resolvi que não iria ceder quanto ao olhar, posso estar sendo humilhada de todas as maneiras possíveis, mas sempre estarei de cabeça erguida.

As mulheres que estavam em minha fila seguiram caminho para dentro do campo de concentração, suas pernas andavam por obrigação- assim como as minhas- e suas costas estavam caídas e vencidas pelo cansaço físico e psicológico. Andamos até dentro do campo, ao contrário do que era exposto nos jornais, no campo não havia gramado, não havia pessoas se divertindo, não havia fartura de comida e nem crianças brincando ao redor. Tudo que é possível perceber é alguns alojamentos, fechados com certeza, um galpão enorme com chaminés, as fumaças que saíam de lá era continha um odor horroroso.

Fomos encaminhadas até um dos galpões que havia no campo e uma mulher de estatura média, com a farda dos alemães se aproximou de nós.

-Aqui irão tomar o melhor banho de suas vidas, imundas. -A mulher abriu um sorriso de desdém e era possível notar a presença da ironia em suas palavras há quilômetros de distância.- Eu sou a general responsável pelo banho de judias como vocês, quero que cada uma tire suas roupas e as deixem penduradas nesses ferros. -Ela apontou para alguns ferros nas paredes, sua postura era rígida e intimidadora.

Cada uma das mulheres tiraram as roupas e eu não conseguia ao menos me mover, havia soldados observando cada uma de nós, meu corpo nunca havia sido visto por homem algum, senti minhas pernas tremerem e meu corpo travar ao notar o sorriso malicioso em cada soldado.

-Ei, você! O que está esperando, idiota? Tire logo suas roupas. -A general ordenou se aproximando de mim, a observei e senti meu corpo gelar, um resquício de ódio surgiu dentro de mim ao vê-la avançar sobre mim, suas mãos pesadas e firmes tomaram meus pulsos de forma violenta.- Tire logo suas roupas, verme. -Seus gritos eram agudos e por um impulso a empurrei, fazendo com que seu corpo se afastasse do meu.

-O que é que está havendo aqui? -Uma voz grossa e firme invadiu o ambiente, desviei meu olhar das mulheres a minha frente que choravam silenciosamente para o dono de tal voz, senti um frio na espinha ao perceber de quem se tratava, o comandante estava nos olhando de forma indecifrável.

-Essa judia está desobedecendo as regras, senhor. -Sua postura mudou com a presença do comandante Klaus e sua aparência agora era completamente séria.- Ela não quer tomar banho e se recusa à tirar suas roupas.

Aquilo não era verdade, eu não disse nada, meu corpo estava totalmente travado e incapaz de tomar qualquer atitude, refletindo sobre meus impulsos cheguei a conclusão de que estava em apuros, principalmente após meus olhos encontrarem com os do comandante. Seus olhos exalavam deboche e raiva, ele deu pequenos passos até mim de forma lenta e as batidas do meu coração estavam aceleradas, era como se cada gotícula de suor que houvesse em meu corpo exalasse medo e ódio.

-Leve as outras para dentro e logo a levarei junto, essa aqui necessita de um tratamento especial. -Seu sorriso foi diabólico surgiu em seus lábios carnudos e avermelhados, levei meu olhar desesperado em direção às outras do meu grupo e engoli em seco, agora de fato, estava em apuros.

As mulheres caminharam enfileiradas em direção à porta que havia no final do cômodo, as perdi do meu campo de visão e em seguida todos os soldados entraram pela mesma porta, fechei meus olhos por alguns segundos na tentativa de ignorar a presença intimidadora do comandante.

-Tire suas roupas ou eu mesmo as tirarei. -Suas palavras foram ditas em um tom imperativo e eu apenas respirei fundo.

Não queria apanhar, meu corpo estava cansado o suficiente para brigas e discussões, me sentia incapaz de proferir qualquer palavra ou de tentar escapas novamente desse momento horrível. Então, apenas levei minhas mãos aos botões do meu vestido, abri um de cada vez de forma lenta, na tentativa de prolongar o momento, em seguida deixei com que o tecido azul escorregasse por meu corpo até o chão, direcionei meus olhos ao comandante por alguns segundos e percebi que seus olhos estavam fixos em meu corpo.

-Agora tire as peças íntimas, judia. -Seu tom de voz era, novamente, indecifrável.

Engoli em seco e tremi ao pensar no que poderia acontecer, fechei meus olhos e tomei coragem para, finalmente, acabar com aquilo. Tirei o tecido fino que cobria meus seios e os senti rígidos com o ar gélido de Berlim. Deslizei minhas mãos até minha calcinha e segurei com meus dedos as laterais da mesma, tirei o pano e a deixei cair no chão.

Finalmente encontrei forças para encarar o comandante e confesso que não gostei nada do olhar que lançava para mim. Em seus olhos parecia haver chamas e o comandante apenas molhou seus lábios ao passar sua língua sobre eles.

-Agora vá. Não desobedeça mais. Dessa vez escapou, espero que não haja próxima vez. -Sua voz também era firme e autoritária, o observei por mais alguns instantes e senti uma ponta de felicidade ao perceber que meu plano de escapar de tudo havia dado certo.
Mal sabia eu que o inferno tinha apenas começado, e o pior, eu tinha acordado uma fera desesperada por algo que sou incapaz de calcular.

The NarcissistOnde histórias criam vida. Descubra agora