Meu corpo estava exausto pelo dia longo de trabalho, havia calos em minhas mãos e a fome estava em um nível extremo. Descobri que o campo onde estávamos é pior do que as aparências, o único banho que tomamos foi ontem, assim que chegamos. Só nos deram um pão velho durante a manhã, o sustento era pouco para um longo dia de trabalho, sei que minha vida aqui no campo é um fio prestes a rasgar e que todas as coisas que acontecem são para nos explorar e nos fazer sofrer, os trabalhos são em vão e só nos fazem cansar, ponderei a ideia de que nos querem ver morrer de sede, fome cansaço ou de hipotermia causado pelo frio da noite. Acabei descobrindo que as mulheres mais velhas e incapazes de fazer todo o trabalho duro eram mandadas para um dos galpões do local, eu não tive a oportunidade de saber o que acontecia com elas ali, eu imaginava não ser algo bom, os porcos nazistas jamais enviaria judias para um local de repouso. Trabalhamos o dia inteiro, carregamos coisas pesadas, trabalhamos em máquinas e até queimamos algumas roupas. Perdi meu olhar na cama à minha frente, a mulher estava tremendo com o frio que fazia em Berlim, seu rosto parecia aflito e angustiante, desviei meu olhar da mulher e fixei meus olhos em outra mulher, sentada em uma das camas ao meu lado direito, a loira chorava silenciosamente na expectativa de sua dor ser cessada, molhei meus lábios secos pela necessidade de hidratação do corpo e pelo frio, engoli em seco e resolvi deitar no fino colchão da minha cama, sentia os ferros em minhas costas e, por um instante, senti meu fôlego faltar.
Me sinto sufocada por todo aquele clima pesado, sinto a necessidade de liberdade e de uma família ao meu lado, sinto constantemente a forte vontade de fugir, de correr por algum campo em um lugar ensolarado, o ambiente de guerra é tão frustrante. Queria ter um par de asas e voar para longe da Alemanha, agradeceria se fosse uma praia deserta, uma vez vi o desenho de uma praia em um livro que li, parece ser acolhedor, parece ser tudo, menos o clima frio e de tensão da Alemanha. Meu corpo vibra por liberdade e sinto o fôlego faltar pela milésima vez, como se meus pulmões estivessem sendo esmagados e como se não houvesse oxigênio suficiente para todas àquelas pessoas, por impulso, levantei da cama e corri até fora do alojamento, minha roupa listrada era folgada mas me deixava mais sufocada ainda, corri até atrás do alojamento e observei através do escuro os arames e toda a ‘’proteção’’ que me separava da liberdade, respirei profundamente diversas vezes e apoiei minhas costas na parede, fechei meus olhos enquanto tentava acalmar minha respiração. Era difícil respirar com todo aquele frio, podia sentir meu nariz seco e sangrando a qualquer momento, cogitei a alternativa de fugir através dos arames e dos soldados com suas armas pesadas.
-O que está fazendo aqui, judia? -Aquela mesma voz torturante que me fazia agonizar agora estava próxima de mim, abri meus olhos com o susto que tomei e tentei evitar a tremedeira insistente que se apoderou de minhas mãos, pela fome e frio.
Virei meu rosto em sua direção e o observei de perto através da penumbra que havia ali, senti que não poderia mais segurar minhas lágrimas quando pensei no que iria acontecer comigo.
-Eu estava com falta de ar, senhor. -Minha voz era um pouco trêmula, respirei fundo e limpei minhas lágrimas, não queria dar esse gosto para ele, torcia para que ele nem sequer tivesse notado que derramei lágrimas em sua frente.
-Sabe que já passou do horário, não sabe? -Sua voz soou rude e intimidadora, sua postura não era a formal que havia visto outro dia. O comandante Klaus se aproximou um pouco mais, sua expressão era séria e parecia lastimar algo.
-Sim, senhor. Me perdoe, senti que fosse morrer sufocada. -Desviei meus olhos dele ao perceber tamanha proximidade, levei meus olhos para o céu e tentei me acalmar perante o soldado nazista.
-Pensou que fosse morrer? -Klaus soltou um riso irônico e parou em minha frente, sua mão destra veio em direção ao meu pescoço e seus dedos se apertaram contra minha pele. Fixei meus olhos nos dele na tentativa de intimidá-lo. Havia perdido totalmente a noção do perigo, ódio e sobretudo, a rivalidade que havia ali.
-Sim, senhor Klaus. -Mordi meu lábio inferior na tentativa de controlar minha respiração, novamente, que já estava falha pela pressão que seus dedos grandes e grossos faziam em meu pescoço.
-Em momento algum pensou em encontrar qualquer outro soldado? Acredite, nesse local há soldados que adorariam se aproveitar de você. -Sua mão esquerda foi em direção à minha cintura e seus dedos adentraram meu uniforme ilustrado, senti um arrepio percorrer meu corpo ao sentir seu toque gélido e inesperado, senti um pouco de medo ao imaginar o que exatamente os soldados faziam com as mulheres dali.
Balancei minha cabeça negativamente e fechei meus olhos na expectativa de que tudo aquilo acabasse, me arrependi profundamente de ter tomado outra atitude impulsiva desde que cheguei aqui, esperava que eu pudesse me controlar depois da cena constrangedora do comandante me ver complemente nua. Os dedos de Klaus se afrouxaram em meu pescoço e eu finalmente criei coragem para encará-lo, seus olhos azuis ainda eram visíveis através da noite escura e seus lábios ainda eram rubros e carnudos apesar da escuridão.
-Senhor, o que irá fazer? Não quero que abuse de mim, prefiro ser morta à ter que deitar com o senhor. -Minhas palavras saíram bruscas e imaginei de qual forma ele me mataria, se ele me daria um tiro no coração ou na cabeça, ou talvez ele me deixasse morrer de hipotermia em algum lugar desse campo.
O comandante Klaus apenas sorriu, seu sorriso era o diabólico de sempre e mais uma vez me senti amedrontada.
-Não se preocupe, judia. -Seus lábios se aproximaram da minha orelha e eu podia sentir sua respiração máscula e pesada, seu cheiro era inebriante e senti nojo do meu pensamento sobre me inclinar para cheirá-lo um pouco mais, cheirar seu cheiro de sabonete, desde que meus pais foram assassinados por nazistas eu não uso sabonete, esse privilégio não é concedido para os judeus.- Quando eu quiser o seu corpo, não terei que abusá-la. Acredite, vai ser fácil fazer com que abra as pernas para mim, judia. E quando acontecer, espero que esteja tomada banho.
Klaus inalou meu cheiro e em seguida se afastou de mim, deu as costas e sua postura voltou a ser a rígida de sempre, senti minhas pernas bambas pela primeira vez e meus olhos acabaram se perdendo no meio do nada. O que ele queria dizer com aquilo tudo? A general deixou claro que qualquer soldado que -serve até mesmo para o comandante- se envolver com uma de nós, não é somente afastado do cargo, mas é morto e considerado traidor. Eu realmente estava com um odor nada agradável graças ao dia de trabalho, o que ele queria dizer com ‘’e quando acontecer’’? Me senti aflita ao imaginar inúmeras coisas, parei de pensar quando ouvi passos se aproximarem e lembrei do que o porco havia dito sobre soldados, apressei meus passos de volta para o dormitório com cuidado para não ser vista, deitei em minha cama e imaginei inúmeras possibilidades. Eu não quero ser abusada por ninguém, não quero ter que me deitar com outro homem antes do matrimônio-assim me foi ensinado- e nem quero ter que casar com um nazista. A raça imunda do comandante Klaus iniciou um genocídio por vários lugares, mataram massas de pessoas e entre elas estavam meus pais. Lembro de quando fiz 17 anos no ano passado, meus pais me deram livros e todo o amor do mundo, minha mãe era a mulher mais amável de todas e meu pai era o homem mais trabalhador e adorável do mundo, sempre fez de tudo por mim e por minha mãe, sempre fez de tudo para manter a família de pé, mesmo com as perseguições que sofríamos antes do genocídio começar, a propaganda política de Hitler era acusadora, como se estivéssemos contaminando a pátria, que antes também era minha.
E eu imagino o que meu pai, Caleb, iria pensar de mim ao me ver tão próxima de um nazista, senti repúdio de mim mesma e, finalmente, meu corpo foi tomado pelo cansaço extremo.
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The Narcissist
RomanceSeus corações parecem estar próximos de alcançar um grande amor, suas emoções estão abaladas por motivos visíveis e seus sentimentos estão completamente confusos. O casal mais improvável pode ser estável, ou não. O amor mais impossível pode surgir...