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Ao meu eu interior.

Tijolo por tijolo, o muro que eu construía ficava cada dia mais alto e inatingível, inabalável e indestrutível. Minha jóia estava guardada e segura, em um lugar tão íntimo e profundo que àquela altura ninguém mais poderia destruí-la.
Eu precisava proteger a minha jóia, porque ela era a única coisa que me tinha restado. Ela precisava estar segura porque eu sabia que no dia que eu a perdesse, ou no dia em que alguém a quebrasse, eu já não teria mais nada. Mais um tijolinho e o muro ficava cada vez mais alto, até se perder de vista.
Mas eis que escuto um ruído do outro lado. Um baque metálico que se repetia diversas vezes, em um ritmo constante que podia um dia imitar uma música.
Estranho. Nunca tentaram atravesar o meu muro. Então eu pensei: acho que é uma ajuda, ajuda essa que pode também cuidar da minha jóia junto comigo. Por que eu devia temer quando a ajuda tinha chegado? Uma só pessoa trabalhando nisso era árduo e cansativo. Então pensei: porquê não?
Peguei minhas velhas ferramentas e comecei a destruir o que tinha demorado a minha vida toda para fazer. Sozinho ele também nunca ia conseguir me encontrar, precisava de mim tanto quanto eu precisava dele.
Eu o vi do outro lado do muro. Finalmente, finalmente.
Eu o abracei e disse: fique a vontade, a casa é toda sua.
Ele se sentou, acomodou-se.
O peso dos meus ombros saíram.
Ele era forte e parecia saber cuidar de uma jóia, mas aquilo ainda não era o suficiente. Então eu deixei que ele ficasse mais um pouco para saber se ele só queria uma água ou se tinha chegado para fazer morada. Ele não saiu. Não saiu quando eu desejei que saísse, porque por mais que eu soubesse que ele era bom, eu temi. Temi porque estava prestes a mostrar para ele a minha jóia, jóia esta que nunca mostrei para ninguém.
Bobagem. Se ele bateu, se acomodou e ficou, como não podia cuidar da única coisa que eu pediria?
Um dia, olhei para ele e disse: Tome a minha jóia. Me ajude a cuidar dela.
Ele ficou e cuidou da minha jóia.
Até que um dia, por mera ironia do destino ou por alguma outra ordem cósmica do universo e por um motivo tão banal e talvez inexistente o qual eu não me lembro, nos esbarramos. Ele segurava a minha jóia em suas mãos e ela caiu quando nossas massas entraram em atrito.
De início não tive reação. Mas depois, eu desmoronei. Chorei, gritei e quando me acalmei olhei para ele e o expulsei. Saia daqui e não volte nunca mais, foi o que eu disse.
Ele saiu e não olhou para trás. O que mais poderia fazer além de sair? Pensou em voltar atrás, mas não podia porque eu o expulsei. Eu pensei em ir atrás, mas o que eu podia fazer quando já o tinha expulsado? Assim como ele, eu não ia voltar atrás.
Tarde de mais, foi tarde de mais quando cai em mim e percebi que o tinha expulsado sendo que a culpa também era minha.
Eu o vi partir, enquanto tentava inultimente juntar os caquinhos da minha jóia. Eu o vi entrar em um outro lugar sem muro e sem barreiras. Eu chorei porque eu senti falta.
Então eu levantei e comecei a catar todos os caquinhos e a cola-los novamente. Agora eu ia reeguer o meu muro. A diferença é que não ia ficar do lado de dentro, mas do lado de fora; porque já era tarde demais quando descobri que eu era um risco tão grande quanto qualquer outra pessoa para a minha jóia. Eu era também responsável pela minha própria destruição.

A Parte De Mim Que Você DestruiuOnde histórias criam vida. Descubra agora