Um parque, uma torre

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O Parque Municipal Américo Reneé Giannetti foi inaugurado em 1897, antes mesmo da inauguração de Belo Horizonte. Abrigando mais de cinquenta espécies de árvores centenárias, um orquidário, um teatro, Palácio das Artes, além de canteiros e brinquedos para crianças. Fora isso, possuí três lagos: Lago dos Marrecos, Lago do Quiosque e maior deles, o Lago dos Barcos. Nesse lago, em especial, atravessando uma ponte de madeira, fica a Ilha dos Amores. Construída em estilo francês, um dos destaques da ilha - além do belo verde e das árvores - é a estátua da heroína brasileira catarinense Anita Garibaldi, que testemunhava em silêncio um jovem casal trocar confidências românticas.

Eles caminhavam abraçados e pareciam não ter mais de dezoito anos. O rapaz usava um jeans surrado com uma camisa preta estampada por um Charizard, tênis All-Star vermelhos com os cadarços desamarrados, combinando com a armação dos seus óculos, um skate com um Charizard estampando no shape a tiracolo, carregando uma mochila velha abarrotada de bottons de diversos temas. Bandas de rock, séries de tevê, animes. Já a menina usava uma blusa bege, estampada com uma ilustração da Mulher-Maravilha desenhada por José García-Lopez, um mestre dos quadrinhos da DC Comics. Aliás, também era visível sua admiração pela heroína na estampa de seus tênis e em seus brincos, quase imperceptíveis pela beleza de seus longos cabelos crespos na cor dourada e do belo contraste com a sua pele negra, iluminada por um sorriso de felicidade ao caminhar do lado do rapaz, que cochichava coisas em seu ouvido.

Longe dali, precisamente do alto da torre do relógio da Prefeitura Municipal, uma figura observava o casal. Se alguém pudesse vê-lo, o mais marcante não seria o seu tipo incomum – corpo parrudo, porém com uma barriguinha proeminente, careca e barba espessa – ou o vestuário exótico de gladiador de couro; mas sim as duas pequenas asas às suas costas. Portava uma besta Terena Nautika. Mira ótica, corda de multifilamento de poliamida, aço esmaltado, fibra de vidro com detalhes em bronze. Potência de oitenta libras, velocidade de duzentos pés por segundo. Normalmente o seu alcance de precisão era de 20 metros, mas nas mãos de Eros, o deus do amor, poderia acertar uma mosca no meio de uma floresta a quilômetros de distância. Materializou uma de suas flechas em pleno ar e a armou no dispositivo.

Aquele era um ritual antigo. Da mesma maneira que unia conhecidos e desconhecidos, com o tempo fazia com que esses casais se separassem, apaixonados por outras pessoas. Esse ciclo foi aumentando o seu poder cada vez mais, tornando-o mais poderoso que o próprio senhor do Olimpo, Zeus. Empunhou a besta, onde podia ver o rapaz e a garota prestes a se beijarem através da mira. Riu silenciosamente da ironia da situação, onde o beijo seria o último momento deles juntos. Seu dedo tateava o gatilho, confiante. Foi quando, de relance, num arrepio, veio a lembrança de um outro beijo. Um beijo no qual ele sentiu não uma, mas diversas sensações e sentimentos. Onde presenciou diversas pessoas que passaram por aquela situação.

O pânico daquela torrente de sensações fez o deus jogar a besta para longe. Aquela não era a primeira vez em que ele se encontrava tão indefeso. Meio tonto, sentou-se no parapeito da torre do relógio e, ofegante, amaldiçoou em seus pensamentos o responsável por aquele estado.

O mortal conhecido como Caio.    

Caio Ainda Não Acredita no AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora