Claro que ia dar m#rd@

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Nada.

Quase quatro minutos de beijo. E nada.

Caio tinha essa noção de tempo porque desde que começou a beijar Eros ficou cantarolando Occidentali's Karma, do Francesco Gabbani. Já na segunda estrofe, abriu os olhos e ficou olhando para os detalhes do apartamento. Pensou se devia repintar a parede, investir numa iluminação diferente, colocar uns pôsteres. Não que o beijo fosse ruim, ao contrário. O deus do amor se empenhava em sua tarefa. E beijava de olhos fechados. Até que ele parou o beijo, visivelmente frustrado.

— Nada...

— Vai ver, erramos em algum detalhe. - Tentou justificar Caio. - Você se concentrou na sua tarefa? Pois eu me empenhei bastante.

— E-eu não sei. Talvez se se eu tentar de novo...

— Tá, e se não funcionar? Como a gente faz?

— Se não funcionar, eu mantenho a minha parte no acordo.

Aquele comportamento era estranho para o Eros que Caio se acostumou a ver. Quase podia sentir pena pelo deus.

—Façamos assim: vamos tentar reproduzir os eventos da última vez. Claro, sem a parte de você tentar me matar. - Frisou. Em seguida jogou a Lágrima de volta para Eros, que a segurou pelo cordão.

Caio aproximou-se do deus e segurou firme o pingente cristalino em forma de lágrima. Em seguida segurou Eros por sua barba espessa e o beijou de surpresa.

Dessa vez foi diferente, ao mesmo tempo Familiar. Diversas sensações. Um casal trocando juras de amor num apartamento próximo dali; uma jovem prometendo a si mesma seguir em frente sob os brilhos dos letreiros de Las Vegas; uma mãe chorando ao saber do diagnóstico do filho em Luanda; um idoso pensativo numa cama de hospital; crianças brincando numa roda; e cada vez mais rostos, sons e situações numa velocidade quase vertiginosa. Tentou sair daquele beijo, mas era impossível. Sentia como se fosse dominado por deveras sensações e pouco a pouco perdendo os sentidos. Até apagar com um apetite incomensurável por... cupcakes?

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Quando abriu os olhos, Caio estava espalhado pelo sofá da sua sala, com uma dor de cabeça digna de uma ressaca em Ibiza e um estranho formigamento nas costas. Tentava organizar os pensamentos e viu Eros caído na poltrona ao lado. Parecia compartilhar do mesmo desnorteamento e "ressaca" do rapaz. Caio forçou a vista e percebeu um vulto sentado numa cadeira próximo a mesa de jantar, onde desfrutava de um chá. Era uma belíssima mulher, com madeixas loiras até os ombros, trajando um belíssimo vestido, destacando as suas longas pernas. Ao ver que estava acordado, a mulher tomou mais um gole de chá, e seguiu rumo aos dois.

—Até que enfim acordaram. Achei que ia precisar esperar até o amanhecer.

Sua voz era aveludada e quase hipnótica. Parecia que caminhava sob pétalas e Caio juraria que conseguia escutar o canto de pássaros - em plena madrugada no Rio de Janeiro. Mas o mais impressionante foi a reação de Eros ao ver a mulher se aproximando.

— Mãe?!

E de repente, para Caio, tudo fez sentido.

—Eu vivo dizendo para o seu pai que acho vocês dois um casal fofo. Até usei aquela gíria jovem, shippar. Você devia parar de esconder o que sente por ele e investir. - Dizia a mulher, dirigindo-se a Eros, que demonstrava um misto de surpresa e vergonha.

—Mãe, o que você está fazendo aqui? - Dizia o deus, ajustando-se na poltrona, com as mãos na cabeça, como se recuperando de uma ressaca. - Eu falei que ia resolver tudo sozinho.

—Com isso aqui? - Falou a mulher, segurando a Lágrima de Cronos na mão. - Convenhamos, filho. Você depende demais dessa coisa.

E largou a Lágrima no chão, onde com uma naturalidade ímpar, esmagou o pingente com o seu scarpin de couro, como se fosse uma bijuteria qualquer. Caio sempre imaginou que quando um objeto poderoso daqueles fosse destruído, teria algum efeito explosivo ou algo do tipo. Sentiu-se quando viu o DeLorean ser destruído pela primeira vez quase no final de "De Volta Para o Futuro III". Mouros ficaria chateado com o fim da sua maior criação.

O rapaz até tentou falar algo, mas a sua voz simplesmente não saia.

—Eros sempre me disse você é conhecido por ter sempre alguma coisa a dizer. Portanto, providenciei que você apenas diga as coisas certas. Entendeu?

O rapaz acenou positivamente com a cabeça. A mulher sentou ao lado de Caio.

—Então você sabe quem eu sou, correto?

—Afrodite. - Respondeu o rapaz. - Deusa do amor, da beleza e da sexualidade. Responsável pela perpetuação da vida, prazer e alegria. Historicamente, seu culto na Grécia Antiga foi importado da Ásia, influenciado pelo culto de Astarte, na Fenícia, e de... - e sentiu subitamente a sua voz sumir de novo.

—Sem mais detalhes, querido. Você entendeu. Deve estar curioso para saber o que faço aqui.

Caio fez uma careta seguida de uma negativa. Eros por sua vez mantinha-se de cabeça baixa e não conseguir disfarçar seu nervosismo. Afrodite continuou:

—Eu vi o que você fez ao meu filho ano passado. Ele realmente precisava de uma lição, mas isso era uma decisão que não cabia a você.

"Eu só me defendi." - pensou Caio. - "Foi seu filho que bancou o babaca."

—Pode até ser - Respondeu a deusa, como se pudesse ler seus pensamentos. - Mas a sua descrença me deixou curiosa. Você evita qualquer relacionamento mais sério com as pessoas e até se orgulha de ser um bug amoroso.

"Bug? É assim que me definem? Bem moderno de sua parte."

Ignorando o pensamento do rapaz, a deusa continuou:

—Infelizmente, querendo ou não, você infecta as pessoas com a sua crença. Ou "não-crença". Então, pensei: "qual seria a melhor maneira de mostrar a esse belo rapaz que no fim, o amor vale a pena?" - Levantou-se do sofá, encarando Eros e Caio e respondeu:

—Simples, tornando-o um deus do amor.

Instintivamente Caio levou a mão ao ombro, onde sentia um formigamento desde que acordou. E pode sentir alguma coisa. Correu até à toalete, onde viu um par de pequenas asas, idênticas às de Eros, nas suas costas. Seu primeiro instinto foi o de puxá-las, sem sucesso. Tentou uma, duas, sete vezes. Sua oitava tentativa foi interrompida pela voz alterada de Eros, vinda lá da sala.

—Você não tinha o direito de fazer isso!! - bravejou o deus, ainda sentado na poltrona. Sem alterar o tom, Afrodite respondeu:

—Querido, abaixe o tom. Você está andando muito com o seu pai. Humanidade vai lhe fazer bem. Fora isso, é apenas por alguns dias.

—Alguns dias??! - Gritou Caio do corredor, em direção à sala, quase aliviado. E então percebeu que Eros não possuia mais asas.

—Exatamente, meu jovem. - Respondeu a deusa em sua direção. - Eros vai voltar a ser o Deus do Amor em uma semana. Quanto a você...

"Sabia!" - Pensou Caio.

—Se você é tão descrente do amor, sua missão é tentar juntar e separar um casal, especificamente.

O rapaz deu um riso nervoso.

—Sério isso?

—Pareço estar brincando? Se tiver sucesso tudo continua como antes, até com uns benefícios. Se falhar, você perde tudo.

—Tudo? - Indagou Caio.

—Sua "fortuna", seus parentes, amigos... Vou garantir que seja um desfortunado e que ninguém nunca mais o ame.

Afrodite se despede com um sorriso e some, desfazendo-se em pétalas, que logo desaparecem. Caio ainda se mantinha atônito enquanto Eros, continuava sentado na poltrona com as mãos na cabeça, desnorteado.

Caio Ainda Não Acredita no AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora