Topzera

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O Taxi não demorou mais do que cinco minutos e Caio já seguia em direção ao Bearcontro, como os ursos gostavam de chamar as suas festas. O motorista, um rapaz com menos de trinta anos, que pelo corpo sarado e tatuagens parecia frequentar academia ou alguma arte marcial, não parava de falar ao celular. Até que avistou no porta luvas um adesivo escrito "Serramares Presidente 2018".

O senador Haroldo Serramares era um candidato conservador de direita, que através de seus discursos radicais de justiça - disfarçando preconceito e racismo - havia conquistado muitos jovens que o apelidaram do "Bom de Guerra", uma alusão que ganhou popularidade devido a um meme do candidato vestido como Kratos, personagem do jogo God of War. O candidato adorou a montagem que erroneamente traduziu como Bom de Guerra, gerando seu apelido mais famoso.

Se isso não fosse o bastante, o teor da conversa pelo celular era bastante desagradável. Piadinhas homofóbicas com as transexuais que passava pela rua, comentários sobre as garotas na rua. E o pior de tudo: a cada dez palavras, quatro eram "TOP". Caio cogitou seriamente em saltar e pedir um Uber, até que o carro parou num sinal na orla do Leblon, onde pode ver na calçada um casal de meninas andando de mãos dadas.

— Que mundo é esse, né? – Dizia o taxista, indignado. – Duas princesinhas top dessas, só querendo saber de se agarrar... Como diz o "Bom de Guerra" isso é falta de, ó... – Gesticulando com as duas mãos um pênis descomunal – não acha, parça?

Desde que ficou rico, Caio procurou não se meter em confusão – até porque isso poderia resultar em um processo e consequentemente na perda de dinheiro. Como partir para a ignorância contra um brucutu desses é burrice, ia agir de outra maneira.

— Eu reparei que você fala muito essa gíria "top", não é?

Era visível a estranheza do taxista com a pergunta inoportuna.

— Falo, e daí?

— Você sabe o que significa, né? – Perguntou Caio, com um ar preocupado.

— Claro que sei! – Respondeu o taxista, encarando o rapaz pelo retrovisor – Top são as coisas boas, de alto nível, "top" de linha. – Gesticulando uma escala com a mão.

Caio encarou seriamente o taxista, respondendo um simples "ok", virando-se para o lado, observando a paisagem. O taxista, por sua vez, parecia incomodado e dois minutos depois disparou a pergunta:

— Por que o senhor perguntou se eu sabia o que significava top?

O rapaz sorriu por dentro. O peixe fisgou a isca. Olhou para os lados, como se alguém pudesse escutar a conversa e começou a falar:

— Olha, é um assunto delicado...

— Pode falar, parça.

— Eu tenho um irmão que é... – Gesticulando com a mão – Você sabe... Gay.

— Hum...

— E eu usava muito essa gíria "Top", até que ele me contou o que ela REALMENTE significava...

— Como assim?

— "Top", na gíria deles, quer dizer "ativo". E quando um cara fica falando muito isso perto de algum deles, bem...

— Eles querem dar a bunda?

— Não, justamente o contrário. Quem fala muito a gíria na verdade está procurando um ativo.

— Cê tá de zoeira! Eu nunca ouvi falar disso lá na academia e em lugar nenhum!

— Então, isso é uma coisa bem interna deles... você já viu que os caras que ficam falando isso? Justin Bieber, Luan Santana, Paulo Gustavo...

— Mas esse aí é veado mesmo!

— Então...

O taxista soltou um palavrão pausadamente, como que constatando as verdades nas palavras de Caio. Mentalmente esboçando um sorrisinho sádico, o rapaz joga uma última cartada:

— Quer outra prova? Você já ouviu o "Bom de Guerra" falando top? E algum pastor? Esses caras sabem das coisas!

A corrida continuou por mais alguns minutos de silêncio, com o taxista visivelmente desolado.

— Eu fiquei assim também quando eu soube – continuou Caio – mas eu soube me prevenir e não falo mais essas coisas.

— Porra, esses veados estragam tudo mesmo!!

— Você pode usar outras gírias que eles não estragaram...

— Tipo?

— 'Grito', 'Berro'... essas duas remetem a um rugido de leão, liderança, empreendedorismo. Serve para mostrar quem manda, o verdadeiro lobo-alfa.

O Taxista olhava para Caio pelo retrovisor como alguém que tivesse atingido a iluminação diante de um guru. Provavelmente tentava encaixar todas as situações que passou até aquela corrida diante das informações que Caio lhe dissera, até que:

— Cara, foi Deus que te trouxe aqui. Chega estou todo arrepiado – falava, mostrando o antebraço tatuado. – Não sei se você acredita nessas coisas, mermão...

— Sim, sim... – respondeu Caio balançando a cabeça e se controlando para não ter uma crise de riso. – Olha só, você pode me deixar na próxima esquina.

O Taxista parou conforme o pedido, se esforçando para ser duplamente gentil com aquele que lhe abriu os olhos. Pagamento feito, com direito a um desconto, por falta de troco. Antes de ir embora, o taxista ainda agradeceu a Caio pela revelação e que ia evitar ao máximo usar a palavrinha com 't' e ainda ia espalhar para os seus amigos de academia e companheiros taxistas.

Mal o virou a esquina e Caio seguiu gargalhando rumo a boate.

Caio Ainda Não Acredita no AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora