Passeio

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Escuridão. Oh doce escuridão! Tu cercas-me novamente no conforto de teu colo. Por que temem-te tanto? Mal posso ver um palmo de meu corpo. Ah! Tu me envolve. Tu me macula. Tu me rasga. Tu me protege. Ah essas correntes! Tão familiares. Quantas vezes já as vi? Sonhar com vós se tornou um habito há tempos, mas cá entre nós, nunca fui livre o suficiente para sentir. Mas aqui eu posso.

O balançar do veiculo despertou a garota de mais uma de suas viagens mentais, porém, ao contrario do que era esperado, ela não abriu suas pálpebras, sabia onde estava e preferia continuar naquela escuridão satisfatória. O barulho exterior era impedido de alcançar seus ouvidos pelos fones que os tampavam, portanto a menina de cabelos negros não podia conferir o conteúdo dos diálogos que se dispunham a acontecer a sua volta naquele ônibus escolar. Preferia continuar em sua posição, encostada ao vidro do automóvel, de olhos fechados e com uma incessante música a tocar em seus tímpanos.

A estrada era tortuosa fazendo com que o rosto da morena colidisse hora ou outra no vidro ao qual estava apoiado. O balançar era constante, quase como se o próprio ônibus a ninasse para que voltasse aquela visão anterior, mas não podia, apesar de estar privada de dois de seus sentidos, percebia a agitação ao seu redor começar a crescer. Eles estavam chegando ao destino.

Abriu com pesar seus olhos, revelando assim dois glóbulos negros como a mais bela e preciosa Serendibite. Vagueou-os pela paisagem que rapidamente passava no lado de fora, como tinha previsto, estavam chegando. Abriu sua boca e tomou uma lufada de ar profunda, soltando-a logo em seguida chamando a atenção de sua companheira de banco.

- Miriam! - Exclamou Laila, a garota gordinha ao seu lado. Sua aparência era normal aos olhos da morena. Cabelos amarronzados com um pouco de volume, óculos de grau e o uniforme típico que a escola obrigava os alunos a usarem em passeios dessa magnitude. Não entendia o porquê implicavam com ela. Bem, não era como se Miriam ligasse para isso em todo caso. - Você finalmente acordou, já ia cutucá-la! - Ela arrastou seu olhar a menina e a viu dar-lhe um sorriso simpático. Piscou os olhos demoradamente em um sinal mudo que a tinha ouvido, voltando logo em seguida a observar a paisagem que se transformava.

A música em looping tornou a começar e Miriam suspirou novamente. Voltou a tomar ar em seus pulmões e cantarolou baixinho a letra da amada composição, esta que dava-se na relaxante voz de Lauren O'Connell.

- There is a house in New Orleans; They call The Rising Sun. - Murmurou a garota com o olhar perdido, porém sua atenção foi tirada ao ver que tinham enfim chegado.

Levantou de seu lugar e pôs-se a caminhar para fora do veiculo, sem antes, lógico, pegar sua bolsa com seus pertences, nunca desligando a melodia em suas orelhas. Enfim livre daquele casulo metálico, Miriam espreguiçou-se, podendo ouvir alguns estalos em sua coluna, afinal tinha ficado por muito tempo na mesma posição.

- Uau! - Exclamou Laila que repentinamente aparecera ao seu lado. - Aqui realmente tem uma aura sinistra. - Comentou enquanto se encolhia. A morena a encarou de volta e passou a perceber os rostos contorcidos dos outros colegas de turma. Deveria ela sentir-se assim também? Enrugou a pele no meio das sobrancelhas, assim juntando-as em uma expressão pouco típica de si.

- And it's been the ruin of many a poor girls. - Voltou a sussurrar, chamando a atenção de Laila que não tinha entendido a fala da amiga. Retirou os fones dos ouvidos e guardou os mesmos, junto ao celular em sua bolsa, voltando seu rosto em direção a menina baixinha. - And God, I know I'm one. - Cantou em bom tom dessa vez fazendo com que a confusão no rosto da garota aumentasse.

- Essa seria a música que você estava ouvindo? - Ouviu-a perguntar curiosa. - Não cheguei a olhar qual era, mas seu fone estava alto e pude notar que era uma mesma música a se repetir. - Encarou a menina e limitou-se dar-lhe um acenar de cabeça como concordância. - Parece ser legal. Depois você me passa o nome? - Voltou a acenar.

Amigo além do corpoOnde histórias criam vida. Descubra agora