2008

124 11 3
                                    

"Pode haver angústias no sorriso; Pode haver silêncio que difama; Pode estar mentindo quem te jura; Pode estar fingindo quem te ama."
Veio D'Água, de Luiz Ramalho

Minas Gerais. Sexta-feira, 30 de maio de 2008.

O carro estava acima da velocidade permitida pela estrada. A voz de Elis Regina saia abafada das caixas de som. O cheiro de cigarro,  impregnado no estofado, incomodava. Era noite e estávamos indo eu, Zoé e Cadu até o sítio da minha família. Seria um final de semana em que somente nós três ficaríamos olhando as paisagens, discutindo cinema, misturando cerveja com amendoim e compartilhando sorrisos e segredos. Tudo estava bem naquele momento. Era uma das horas em que deixávamos as angústias em segundo plano e mergulhávamos em diálogos sem sentido e nem substância.

- Vocês sabiam que existem 100 bilhões de estrelas em cada uma das 100 bilhões de galáxias do universo?

- Ai Cadu, sem viajem. A gente ainda nem chegou.

- Eu concordo com a Zoé. Sherlock Holmes diz em suas aventuras que pouco nos importa essas informações que não farão diferença em nossa vida.

- Sempre achei Agatha Christie mais interessante.

- O que vamos fazer quando chegarmos lá?

A pergunta de Zoé me pegou desprevenido. Não havia feito nenhum plano concreto para noite além de pensar em tópicos de discussão que poderiam ser interessantes.

- Eu pensei em alguns lugares para a gente ir amanhã durante o dia, tem uma cachoeira. Mas hoje acho que podemos sentar, petiscar e falar merda.

- Então nada diferente do que fazemos todos os fins de semana na cidade.

Esses eram meus amigos. Críticos, irônicos e, na maioria das vezes, melancólicos.

- Tom, seu pai sabe que estamos vindo para cá, né?

- Claro que não, né Zoé? Você tá louca? Como se ele fosse deixar eu pegar estrada dez horas da noite.

- Mas o que você falou pra ele?

- Que eu passaria o fim de semana na casa do Cadu.

- E sem chances dele descobrir o caô?

Não era a primeira vez que eu mentia em casa e, provavelmente, não seria a última. Então eu dou de ombros. Ainda mais porque eu não tenho pretensão de fazer nada errado. Na verdade, nós nunca fazíamos nada de errado. Éramos adolescentes normais, daqueles que se reuniam todo domingo para assistir episódios inéditos de Lost e nós lambuzarmos de Cheetos. Não estudávamos muito, somente o necessário naquele último ano para passar na faculdade particular local. Sem objetivos pretensiosos e nem expectativas demais para o futuro.

- Eu acho que nós devíamos pensar em algo diferente para fazer, sabe?

Todas as vezes que eu e Cadu saíamos da nossa zona de conforto, era porque tínhamos sido arrastados por Zoé. Ela era a mais ativa do grupo, com mais criatividade e menos conformismo. Ela era mágica. E linda.

- Falta muito para chegar, Tom?

- Calma Cadu! Você perguntou isso uns cinco minutos atrás.

- Mas você não sabe quanto falta?

- Eu meio que perdi a noção de onde estamos. Não deve demorar muito. Uns quinze minutos no máximo.

- Tom, se você se perder nessa porra de estrada eu vou fazer da sua vida um inferno! - respondeu Zoé de forma enérgica depois da minha última afirmação.

NOSSAS METADESOnde histórias criam vida. Descubra agora