"E assim, chegar e partir são só dois lados da mesma viagem; O trem que chega é o mesmo trem da partida; A hora do encontro é também de despedida. A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar; É a vida!"
Encontros e Despedidas, de Milton Nascimento e Fernando BrantMinas Gerais; Terça-feira, 29 de maio de 2018.
Eu estava tentando lidar com os erros que cometi na minha vida até aquele momento. A sensação era de derrota e tristeza. Meu 2009 não poderia ter começado melhor: eu havia passado em 3º lugar no vestibular para cinema na faculdade particular da cidade e meu relacionamento de amizade com Zoé, depois de alguns beijos inesperados, evoluiu para um romance sólido como gelo. Infelizmente, foi nesse ponto que Cadu começou a se afastar. Entretanto, tudo estava bem. Até eu ferrar com tudo!
Em 2010 eu decidi que precisava expandir minhas perspectivas. Eu acabaria gravando comerciais para as lojinhas da região se continuasse fazendo cinema naquele lugar. Eu precisava ir para uma faculdade federal e, antes disso, enfrentar uma batelada de vestibulares. Talvez tenha sido nesse ponto que eu tenha feito a maior merda da minha vida. Eu não estudei o bastante e, consequentemente, não fui aprovado. Mas, normal... acontece com todo mundo! O problema foi que, envergonhado, eu anunciei para todos que tinha conseguido uma vaga na UFMG e que estaria mudando, muito em breve, para Belo Horizonte, a capital do estado. Ninguém desconfiou na época e, atualmente, apenas uma pessoa sabe que tudo foi uma mentira. E eu tenho vivido, desde então, como um foragido dentro do meu próprio corpo. Vivendo uma vida que não é minha. Sozinho e marginalizado. No fundo do poço!
O celular, dentro do meu bolso, começa a vibrar intensamente. A tela quebrada e não consertada, já não me incomoda. Eu aprendi a viver sem consertar as coisas quebradas, apenas as ignorando e as deixando no lugar. Eu devo atender:
- Alô.
- Oi filho, tudo bom?
- Tudo, mãe.
- E como está as coisas na agência?
- Hã... estão boas.
- Você vai vir nesse feriado, né? Você pode até me ajudar nos tapetes de Corpus Christi.
- É mãe. Se você pagar a passagem, pode me esperar.
- Mas e o seu salário?
- Hum...
- Você está com dificuldades financeiras, Tom?
- É que mãe, eu precisei...
- Ok. Aqui você me explica. Eu deposito o dinheiro. Fica bem.
- Obrigado!
- Pega o ônibus de amanhã!
Eu desligo o celular, suspiro fundo e coloco o avental do bar onde eu trabalho. Minha família e a maioria dos meus amigos pensam que eu me formei e que sou estagiário em uma agência de comerciais para a TV local. Mal imaginam que, meus últimos cinco anos, foram marcados por limpar banheiros, servir doses de tequila e ser o funcionário do mês ocasionalmente.
Nos primeiros anos aqui, eu apenas curti a vida sem amarras. Deixei para trás os últimos lados positivos da minha personalidade e mantive apenas aqueles que não eram tão bons. Bebi, beijei, menti, trai. Nada me completa e o caos havia virado a minha morada.
Sempre consegui manter as pessoas afastadas da minha mentira. Teatros, encenações e improvisos. Até que Zoé descobriu toda a minha utopia inventada. Era dezembro de 2011 e nós namorávamos a distância, nos encontrando pessoalmente sempre que eu voltava para o interior. Ela havia conseguido boas notas no período do seu curso de filosofia e decidiu fazer uma surpresa, aparecendo na minha quitinete mofada no centro de BH. Eu estava desmaiado e nojento. Todas as esperanças de um menino que sonhava em mudar o mundo haviam sumido da minha face. Só restara o medo.
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NOSSAS METADES
Teen FictionO ano é 2008 e os amigos Tom, Cadu e Zoé decidem passar um final de semana diferente, longe da monotonia na qual estão acostumados. No sítio dos pais de Tom, eles decidem escrever uma carta com os seus pensamentos e as suas perspectivas atuais e que...