Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando, depois daquela palestra, levantei e saí do auditório sem falar com o Gui, atordoada com meus pensamentos e lembranças a respeito dele. Eu não tinha tanta coragem assim de encarar essa situação tão estranha.
Não queria esbarrar com aquele homem e ter logo a certeza de ser ele ou não. Se não fosse, seria grande a vergonha que eu ia passar. O prêmio mico do ano seria meu. Acho que eu não estava preparada pra isso. A verdade é que depois de passar a palestra inteira desvendando mistérios naquele homem, eu não estava preparada para mais nada além de sair dali o mais rápido possível e tentar organizar minha mente. Entreguei aquela carta à mediadora do congresso e só me acalmei quando cheguei ao Rock & Ribs.
Era noite de quinta-feira. Estacionei o carro numa das ruas próximas ao Marco Zero e cheguei sozinha ao bar. Minha mente borbulhando, o peito apertado. Será que era ele? Será que não? Mil pensamentos em minha mente e, com certeza, naquela noite eu não dormiria tão cedo. Quis ir ao Rock & Ribs porque é um lugar tranquilo, toca um som legal, e tem a Paula.
Paula é minha amiga há alguns anos e eu diria que é a minha melhor amiga, no entanto agora já não sei. Ela sabe de tudo da minha vida, mas ainda não sabia do Guilherme. Ninguém nunca soube dele, pois me machucaria demais ter que contar, então preferi enterrá-lo no meu passado. Agora chego ao ambiente de trabalho da minha amiga com essa cara de que fui atropelada por um caminhão. Vontade de beber algo.
Quando eu cheguei e sentei numa banqueta do balcão, ela já estava cantando uma música do Elvis Presley que não lembro qual. Sei que ela não bebe quando está trabalhando, então pedi uma caipiroska e um prato de batatas fritas. Ela me olhou estranho, afinal, não esperava que eu fosse aparecer ali naquela noite, com a maquiagem tão borrada e a cara tão aflita. Até minha roupa entregava que eu não saí de casa na intenção de ir ao bar.
A caipiroska chegou e mais surpresa a Paula ficou. Anos sem beber, acho que ela nunca me viu assim. Depois de um tempo me acalmando ao som de The Beatles, Scorpions, Guns N' Roses, Roxette, Extreme... A banda teve uma folga e a Paula veio ao meu encontro.
- Clara, minha amigaaaaa... Que cara de enterro é essa? Quem morreu? – olhou-me com ar de preocupação, passando a mão em meu rosto, e apontou para a bebida em minha mão. – O que te deu hoje? Você não bebe. Nunca!
Lágrimas escorreram dos meus olhos sem a minha permissão. Ela me abraçou e falei baixinho:
- Eu matei o meu passado. Mas ele não morreu.
Coloquei o copo sobre o balcão e em soluço retribui o abraço da minha amiga, que não estava entendendo nada.
- Você dirige hoje, Paula. – falei em seguida, me desvencilhando do seu aconchego e segurando em seus ombros. – Eu não estou em condições.
- Ok. Eu não estou entendendo nada, mas você vai ter que me contar. Hoje a gente só dorme depois de uma conversa. Você tem que ter um motivo muito sério para me convencer dessas lágrimas, viu, mocinha? Agora se anime. – Ela reclamou comigo e eu bem sei o porquê.
Ela me faz bem. Muito bem! Amo a Paula e minha vida mudou completamente depois que nos conhecemos. Eu poderia dizer que somos uma dupla genial, mas na verdade somos um quarteto. Ainda têm o Juan e o Henrique, nossos amigos.
Enquanto eu me perdia em pensamentos sobre meus amigos e a minha vida, ela me dedicou uma música e começou a cantar Smile, do Michael Jackson. Em seguida cantou Don't You Remember, da Adele. E muitas outras que pareciam encaixar-se perfeitamente com o momento atual da minha vida. E olha que esse nem era meu estilo musical preferido.
~*~*~*~
- É o quê, Clara? Não acredito nisso! – de repente Paula mudou totalmente seu jeito de falar comigo após ouvir meu relato sobre o reencontro com o Gui e a carta que eu escrevi. – Me diz que é mentira tudo isso que você me falou, porque eu não estou acreditando que você fez esse drama todo por causa de um carinha que você não vê há mais de 10 anos. DEZ ANOS, Clara! Você não é mais adolescente. Aja como uma mulher de 28 anos, por favor.
Ela falava gesticulando em pé na minha frente, enquanto lágrimas já não caíam mais dos meus olhos. Eu estava em choque. Ela jamais entenderia o que se passava comigo? Passei mais de dez anos amando alguém secretamente e não havia qualquer pessoa que eu pudesse confiar esse segredo. Como eu poderia dizer que amava um homem, mas casei com outro? Não estava com saco para qualquer discussão com ela.
Estávamos na varanda bebendo vinho e eu sabia que ia acordar com uma ressaca daquelas... Levantei e fui para meu quarto, exausta.
- Paula, eu vou deitar. Você já sabe, tem toalha e roupa de cama no outro quarto. Te vira! – Falei sem dar muita ousadia para o que ela continuava falando.
- E se esse cara não for o seu Gui, Clara? Que merda é essa? Vai ficar chorando e bebendo por causa de um alguém que não existe mais pra você?
Ele existe sim. Sempre existiu pra mim, mesmo depois de casada. Mas o que ela estava falando não estava me atingindo. Entrei em meu quarto e me joguei de qualquer jeito em minha cama de casal, ainda de calça jeans e camisa de botão. Adormeci assim, com o travesseiro me sufocando porque me esqueci de apagar a luz.
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Outra Vez (degustação)
RomanceMaria Clara parece ser tão enigmática quanto Jéssica, protagonista no livro Sexta às Oito, onde Clara aparece como uma das personagens principais. Apega-se a cuidar de Jéssica, mas não conta nada do seu passado, e talvez seja por isso que tem empati...