Ônibus

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Nessa manhã, antes de pegar o ônibus, decido que é uma excelente ideia comprar um salgado na lanchonete que fica logo em frente a minha casa. Se minha mãe sonhar com o que estou prestes a fazer, no mínimo, encherá meu saco pelas próximas cinco décadas. Digamos que ela acha que estou acima do peso – o que não é mentira, mas isso a gente releva.

Tudo bem, confesso que me importo um pouquinho, só que nem minha consciência pesada é capaz de me fazer negar um salgado logo pela manhã.

Entrego o dinheiro contado ao balconista e retorno ao ponto para esperar o transporte. Ao meu lado, um casal está afundado numa bolha de amor – uma visão bem deprimente para uma manhã de segunda-feira. Suspiro, evito olhá-los e quando o ônibus para, atravesso a catraca e sento em um dos bancos no fundo.

Felizmente o transporte ainda está vazio. Mas é aquele velho ditado: felicidade de pobre dura pouco e a minha acabou em exatos quatro segundos, quando o casal ocupou os bancos vagos a minha frente.

É uma garota e um garoto.

Suponho que tenham dezenove anos, vinte no máximo.

Jade e Louis.

Não sei se são seus nomes reais, mas esses joguinhos me ajudam a passar o tempo da viagem sem morrer de tédio.

Jade parece ser criativa, extrovertida. As roupas dela são muito coloridas e o cabelo rosado contrasta de forma bizarra com os olhos esmeraldas. Pelo visto, ela tem bom gosto para sapatos. Jade parece uma modelo e constatar isso, definitivamente, não melhora o meu humor.

Fito minhas mãos, que ainda seguram com firmeza o salgado excessivamente engordurado, e dou a última mordida sentindo uma pontinha de arrependimento.

Tento afastar o remorso retornando minhas observações.

Louis é meio esquisito. Aliás, não. Ele não é esquisito. Esta mais para quieto, na dele. Percebo que Louis não está muito feliz e se contenta em passar longas horas em silêncio escutando a namorada tagarelar.

Jade enrosca os braços no pescoço do rapaz, que tenta, a todo custo, se soltar.

É claro que ele só está se fazendo de inalcançável. Sou mulher e reconheço caras assim a um raio de distância. Na verdade, ele nem se esforça para afastá-la. Mesmo com a feição indiferente, há um brilho naqueles olhos escuros. Um brilho que, tenho certeza, era direcionado somente a ela.

— Me solta, Sakura. — falou em um fio de voz, tentando se desvencilhar. Ela ignorou, afundando o nariz na cabeleira negra.

Louis revirou os olhos e disse algo sobre ela ser cabeça dura. Ela, no entanto, não pareceu abalada com o comportamento frio. Continuou na mesma posição.

— Senti saudades, Sasuke-kun.

— Nós nos vimos ontem. — murmurou, com uma evidente irritação fingida. No fim, apenas envolveu a cintura feminina e os dois se abraçaram.

Então esses são os nomes... Sasuke e Sakura. Que filhos de uma mãe sortudos.

Eles parecem ser o tipo de casal que acorda aos beijos, trocam mensagens fofas no decorrer do dia e jantam à luz de velas nos fins de semana.

Por outro lado, meus dias são resumidos em pequenas tragédias.

Essa manhã mesmo, resolvi ignorar o som do despertador e isso resultou em uma catástrofe. Minha mãe praticamente gritou para toda a vizinhança que não criou uma filha irresponsável e que se eu quiser ter futuro, no mínimo, devo ir a faculdade. Assim, acordei. O quarteirão inteiro também.

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