Havia retirado o pesado elmo que cobria sua cabeça, um rastro de sangue saía de uma ferida aberta em sua têmpora e percorria o seu largo e retezado rosto, sua expressão era tão dura quanto o chão em que ele pisava, assim como as planícies estavam tão mortas quanto os seus irmãos de escudo.
Corpos estavam estirados sob os seus pés, amigos, inimigos, inocentes bandidos, homens treinados e camponeses, mas acima de tudo, homens. Um espesso líquido vermelho saía das centenas de corpos e regava a verdejante planície que saboreava fervorosamente como se fosse o mais doce dos néctares. O guerreiro olhou por um momento aquela cena, tão comum a seus olhos, abaixo corpos sem vida e acima, aves preparando-se para saborear a podridão que chegava a ganância do homem.
Não havia vitória a ser comemorada, nem festas, nem banquete, o que havia era lamentação, pois homens bons cumpriam suas sentenças de morte enquanto os desprezíveis reis que nunca pisaram em um campo de batalha empanturravam-se com as melhores refeições e deitavam-se com as melhores mulheres. Toda a glória, toda fama e riqueza prometida jamais chegara, o que o guerreiro ganhou em sua longa vida de guerras foi sangue para saciar a sede de sua espada.
Ouvia-se apenas um som naquelas planícies, o grito ensurdecedor do silêncio, que rebatia nos corpos sem vida dos homens e chegavam aos ouvidos do guerreiro como chicotes ricocheteando nas costas de algum escravo. Aquele som era único e o envolvia ferozmente, seu corpo tenso foi se mexendo aos poucos, as pernas caminhavam sem rumo por um tapete de corpos até parar em frente a um carvalho, ali pousou sua mão na fria e úmida madeira, respirando aquele ar com cheiro de morte, seu trabalho ali estava feito, mais uma vez havia enganado o destino e caminhava para sua casa ao invés de voltar pendurado nas costas de um cavalo.
Mais uma batalha na conta de sua espada, e por isso não confiava em reis, os soberanos empunhavam armas cravejadas de diamante e feitas do melhor e mais brilhante aço, para o guerreiro, o caráter de um homem media-se pelo desgaste de sua espada.
Não havia mais nada a ser feito ali, o resto do trabalho ficava para os urubus e abutres que bicavam a carne tão forte quanto a fome lhes permitia. O cansado guerreiro voltava para sua casa, mal caminhava, não havia porquê fazê-lo, não havia motivos para nada. Aquilo tornou-se a vida dele, as lutas, o sangue, os corpos e a sensação de que a morte estava sempre presente, por alguns momentos conseguia vê-la caminhando em meio aos homens, escolhendo suas almas para ceifar. Isto era o que ele fazia, sempre fora e, colocando novamente seu elmo, escondendo seus longos cabelos, deixou para trás mais um dia insignificante de sua vida.
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Planície de batalha
Historia CortaNão havia mais nada a ser feito ali, o resto do trabalho ficava para os urubus e abutres que bicavam a carne tão forte quanto a fome lhes permitia.