Era uma noite tranquila. As ruas estavam desertas, apenas iluminadas pelos postes de luz, que projetavam sombras solitárias. Animais errantes, alguns abandonados, outros escapando de suas casas para vaguear pela cidade, preenchiam o cenário de silêncio. O vento batia nas janelas que, ao se moverem, produziam um som inquietante. As folhas das árvores dançavam ao sabor da brisa, espalhando-se pelas ruas, enquanto a lua, com sua luz suave, parecia observar silenciosamente o que acontecia abaixo, mesmo sem companhia. O céu estava limpo, mas nenhuma estrela se atrevia a brilhar naquela noite.
No entanto, a serenidade da noite era enganosa. Dentro da mente de uma jovem, um turbilhão de lembranças perturbadoras tomava conta. Um pesadelo, que a assombrava desde a infância, ainda não lhe dava paz.
Ainda no início da noite, a garota de cabelos escuros e pele clara se deitou na cama, exausta. Já sabendo o que estava por vir, ela mentalmente implorava por uma noite tranquila. Mas bastou fechar os olhos para que seu passado a envolvesse.
Todas as noites eram a mesma coisa, seus sonhos se repetiam. Mas em uma noite, algo mudou. Ela sonhou com alguém que, para ela, não tinha grande importância, mas que, de alguma forma, tinha o poder de moldar seu futuro.
O corpo da jovem se retorcia sob o lençol branco, enquanto ela revivia, mais uma vez, o pesadelo que a torturava. Lá estava ela, aos onze anos, sendo humilhada pela irmã e seus colegas.
Barbara Sthil, uma menina de cabelo bagunçado e olhos claros, se escondia em algum corredor distante da escola. Usava roupas largas e desajeitadas, como se quisesse se esconder do mundo. Sentada no chão, com um quadrinho aberto nas mãos, ela apenas esperava o sinal para voltar à sala de aula.
— Ora, ora... — uma voz fina e cruel cortou o silêncio. — Se não é a minha irmãzinha, Barbara...
A menina tremia. O calafrio percorria sua espinha quando ouviu a voz de sua irmã, Tcheucy, acompanhada pelas risadas dos amigos. Barbara tentou esconder o medo, mas era óbvio para todos que ela estava aterrorizada.
— T-tcheucy... — gaguejou, o pânico transparecendo em sua voz. — Como me encontrou aqui?
A risada da irmã ecoou pelo corredor, seguida pelas gargalhadas dos colegas. Barbara, encurralada, encolheu os ombros e recuou.
— Querida, acho que ainda não entendeu — Tcheucy falou com um sorriso malicioso. — Onde quer que você se esconda, eu sempre vou te encontrar. E sabe o que vai acontecer então?
— N-não... — Barbara sussurrou, baixando o olhar para seus pés, calçando sapatos que eram grandes demais para ela.
Mas ela sabia exatamente o que aconteceria. O tempo todo, ela soubera. Já fazia anos que suportava aquilo sozinha, sem ter ninguém para ajudar.
A risada de Tcheucy e seus amigos se espalhou pelo corredor, e o som das páginas do livro de Barbara sendo rasgadas fez seu coração se apertar. As palavras cruéis que eles diziam, acompanhadas de risadas, tornavam seu pesadelo ainda mais insuportável. O nome que ela mais temia, "Maria Sacolão", foi espalhado pela escola como um estigma vergonhoso.
E então, como um espectro do passado, Barbara apareceu ao lado de sua versão mais jovem, observando sua própria dor. Viu-se chorando, enquanto seus colegas zombavam dela, repetindo o apelido cruel. O vento forte que batia na janela parecia carregar as lembranças, substituindo-as por novas.
[...]
Em outro quarto, não muito distante daquele, Barbara agora tinha quinze anos. Já não se escondia mais, talvez porque estivesse tentando se tornar a garota que sempre sonhara ser. Naquele aniversário, pediu a seu irmão Matheus que a ajudasse a escolher o vestido mais bonito que encontrou na loja. Aquele vestido, que ela nunca pensara em usar, mas que naquela noite era o que mais desejava. Ela lutava para se acostumar com os saltos altos, seu maior inimigo naquele momento.
Sentia-se bonita, radiante até, e pela primeira vez em muito tempo, sentia que talvez fosse amada. A festa de aniversário fora organizada por sua irmã Tcheucy e sua mãe, Raquel. Em todas as outras datas, ninguém lembrara dela, mas ela se permitia sonhar que aquela noite poderia ser diferente. Sua ingenuidade falava mais alto que qualquer dor que ela tivesse experimentado.
— Está linda, maninha! — Matheus, seu irmão, a cumprimentou com um sorriso. Mesmo sabendo que o vestido não era exatamente o que ele gostaria que ela usasse, ele estava ali para ela, ou assim ela queria acreditar.
— Obrigada! — Babi sorriu largamente, e Matheus a abraçou. Por cima de seus ombros largos, ela viu seus pais. — Cadê a Tcheucy? — perguntou, com um brilho de curiosidade nos olhos.
Raquel, sua mãe, respondeu com uma voz ríspida:
— Tcheucy teve que sair. Por quê, Barbara?
O tom de sua mãe a desconcertou, mas Barbara decidiu ignorar. Nada importava naquela noite, apenas o fato de estar, talvez, recebendo um pouco de atenção. Mesmo que essa atenção fosse amarga e superficial.
— Nada, mãe. Só estranhei. — Respondeu, tentando esconder a tristeza por trás de um sorriso forçado.
Ela abriu os braços, querendo abraçar a mãe, mas Raquel recuou. Matheus, no entanto, a abraçou em seu lugar, beijando-lhe a testa.
— Não se importe com ela, Babi. Hoje é o seu dia. Ninguém vai atrapalhar.
— Isso mesmo, querida. A sua mãe é uma velha amarga. Se divirta. Os seus "amigos" estão chegando — disse o pai, sem saber que os "amigos" de Barbara não eram de fato seus, mas de Matheus e Tcheucy.
O sorriso de Barbara desapareceu. De repente, a realidade pareceu se misturar com seus pesadelos, como se tudo estivesse saindo do controle. Em sua mente, as imagens se sucediam, até que tudo parou naquele momento crucial. Sua irmã, Tcheucy, estava com o garoto por quem Barbara sempre se apaixonara.
O peso no coração de Barbara aumentava. Ela estava acostumada a ser ignorada, a sentir a dor de ser deixada de lado, mas aquela noite era diferente. O que ela não sabia era que o que acontecia agora a marcaria para sempre.
Ainda em choque, ela correu até a mãe para pedir explicações, mas Tcheucy já havia se antecipado. A garota loira e magra, ainda a mesma de quando tinham onze anos, zombava com uma gargalhada cruel:
— Mamãe, ela deve estar chorando por aí, como sempre fez todos esses anos. Uma verdadeira tola e fracassada.
A mãe, com um sorriso frio, completou:
— Sim, querida, você está certa. Barbara não merece nada, nem ao menos ser amada.
As palavras perfuraram Barbara como lâminas afiadas. Ela correu para longe, sem rumo, até que os pés foram imobilizados por uma corda. Um balde de tinta azul caiu sobre sua cabeça, e a zombaria das pessoas ao seu redor se espalhou como veneno. O olhar de desprezo e as risadas cruéis a cercavam.
Barbara não sabia mais o que pensar. Sua mente estava tomada por uma única pergunta: o que ela havia feito para merecer tanto ódio?
Então, finalmente, a primeira lágrima deslizou por seu rosto sujo de tinta. E com ela, uma onda de dor e raiva a invadiu. Sentimentos de vingança começaram a preencher o vazio que antes era só tristeza.
[...]
De volta ao seu quarto, Barbara acordou assustada, como todas as noites. O pesadelo a perseguia, e ela tentava encontrar consolo no silêncio da madrugada. Olhou para os cantos do quarto escuro e percebeu que ainda era noite. Com um suspiro profundo, voltou a se deitar, enterrando o rosto no travesseiro, tentando escapar das lembranças que teimavam em voltar.

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Do Ódio Para O Amor ✅
RomanceQuando nossos corpos se encontram, é como se o universo prendesse a respiração. Tudo se encaixa. Como se, por um instante, nada mais existisse além de nós dois. A nossa química? Inexplicável. Caótica, arrebatadora. Como tentar engarrafar um raio - i...