O pacto

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O relógio no pulso de Dean marcava três da madrugada. Tinha escolhido esse horário para sair com o intuito de que Cas não percebesse sua ausência no bunker e fosse atrás dele, pois aquela era uma tarefa que Dean precisava realizar sozinho. Além disso, era o horário de menos trânsito na estrada, e tudo que ele queria era acabar com aquilo o mais rápido o possível. Estacionou o carro em um posto de conveniências próximo ao local onde precisava ir e ali, sentado no banco de seu tão amado Impala, reavaliou a atitude que estava prestes a tomar.
Lembrou da noite anterior, de tudo que havia acontecido e o motivo de ele estar ali. Lembrou da cena de seu irmão Sammy morrendo em seus braços, de uma maneira que ele não merecia, e assim como todas as outras vezes em que a cena se repetiu em sua cabeça, Dean foi tomado por uma fúria gigantesca.
No fundo, ele sabia o o que deveria fazer.
Desceu do carro e caminhou rapidamente até o matagal que era necessário cruzar até chegar a encruzilhada. Era uma noite fria e Dean tremia, não apenas de frio, mas também de nervoso. Já havia feito isso antes, mais de uma vez, de fato, mas sabia que dessa vez seria diferente, seria definitivo. Chegou no local onde deveria e fez o ritual necessário para convocar um demônio da encruzilhada, que apareceu mais do que rapidamente. Para a surpresa de Dean, o demônio não era uma mulher bonitona como de costume, mas sim um homem que aparentava ter sua idade, com uma face comum.
-Ora, ora... o que temos aqui? Um Winchester. Por que eu não estou surpreso? -caçoou o demônio, encarando Dean com seus olhos escurecidos.
-Escute aqui, seu babaca, eu não tenho tempo sobrando para perder com você. Então, para seu próprio bem, comece isso logo, para acabar com isso de uma vez.
-Ei, vá com calma, docinho. Imagino que esteja aqui pelo seu pequeno irmão Sammy, estou certo?
-Ótimo, já que você já sabe, isso me poupa tempo e explicações.
-Ai, ai, vocês Winchesters e a mania instigante de constantemente se sacrificarem um pelo outro. Você pode chamar isso de amor cara, mas ao meu ver, isso é uma dependência doentia. Porque simplesmente não deixa seus familiares enterrados? Você sabe que, mais cedo ou mais tarde, é como tudo vai acabar.
-Obrigado, mas até onde eu me lembre eu não pedi conselhos de um demônio. E você não deveria estar reclamando, afinal, até onde eu sei, os pactos mantém os seus negócios funcionando.
-Claro, ou acha que só os Winchesters possuem um negócio da família? Mas me diga, cara, qual a sua proposta para mim? -perguntou o demônio, analisando Dean de cima abaixo.
Essa era a parte que Dean mais odiava, ter que implorar pela vida de alguém para um demônio. Era o auge da humilhação.
-Você já sabe, a vida do Sam pela minha. Ele merece viver mais do que eu. Se você me der mais um ano de vida, vai ser o suficiente para eu tentar corrigir todas as besteiras que eu já fiz.
-Um ano? Você só pode estar de brincadeira, pequeno Winchester. Digamos que, cá entre nós, você não tem a melhor fama quando se trata de cumprir sua parte no acordo. Acha mesmo que depois de você passar a perna em nós todos esses anos você ainda tem o direito de exigir alguma coisa? Acha que eu vou deixar você quebrar nossa cara por mais um ano?
-Apenas um ano, cara. É tudo que eu te peço.
-30 dias. 30 dias é tudo que eu tenho a lhe oferecer. É pegar ou largar.
30 dias. Era muito pouco tempo, Dean não ia nem ter a oportunidade de assistir a season finale de Dr. Sexy. Mas algo maior estava em jogo aqui: a vida do seu irmão que ele tanto cuidou sua vida inteira e merecia muito mais tempo de vida. Claro que Dean ainda tinha muitas coisas para desfrutar, muitos lugares para conhecer, muitas coisas para fazer. Ele tinha seu Impala para cuidar, pessoas para salvar e muitas tortas para comer. Ele tinha o Cas. Entretanto, para Dean, Sam merecia viver mais do que ele. Ele sempre havia tido o melhor coração entre os dois, e com certeza ainda tinha muitas coisas para realizar. Ele merecia casar, ter filhos e uns dois cachorros gordos correndo pelo jardim. Além disso, Dean sabia que Sam cuidaria bem de todas as coisas que importavam para ele, inclusive de Cas, que era com quem Dean mais se importava no momento.
Dean não tinha outra escolha, senão aceitar.
-Está certo, eu aceito seu trato. Mas assim como eu não vou burlar esse pacto, não aceito vocês, seres de olhos pretos, passando a perna em mim, estamos entendidos?
-Fico feliz de ter aceitado, Dean Winchester. Não vejo a hora de ver você sendo arrastado para o inferno novamente, e dessa vez, sem nenhum anjo gostosão para te salvar.
Eles, então, fecharam o acordo. Como de costume, para o pacto ser selado com "sucesso", era necessário um beijo. O que foi um tanto quanto estranho para Dean, considerando que dessa vez, o demônio era um homem. Mas beijar um homem com certeza não foi a pior parte do pacto, não foi nem ruim, na verdade. O que realmente importava é que, a partir do próximo dia, Dean teria apenas 30 dias de vida.
Ele já havia estado nessa situação previamente, só que das outras vezes, no fundo, bem lá no fundo, ele tinha em mente que conseguiria, de alguma forma, fugir da morte e de suas consequências. Mas dessa vez era diferente, Dean não podia fugir, mas, acima de tudo, estranhamente, ou não, Dean não queria fugir. Passou tanto tempo correndo da morte que simplesmente estava cansado de evitar aquilo, e talvez não devesse evitar, talvez aquela realmente fosse a hora dele. Sua vida como caçador estava cada vez mais exaustiva e as derrotas se sobrepunham sobre as vitórias. Ele estava exausto de tudo aquilo, esgotado.
Então ele decidiu, de uma vez por todas, que simplesmente iria aceitar. Iria aceitar que aqueles seriam os últimos 30 dias de sua vida, e ao invés de desperdiçá-los tentando achar uma maneira de reverter o pacto, ele iria aproveitar. Aproveitar como nunca, na vida dele, tinha feito. Sem se preocupar com demônios, fantasmas, vampiros, ou o que quer que fosse, afinal, ele não era o único responsável por salvar o mundo, a humanidade poderia muito bem tentar se virar sozinha. Sem se preocupar até mesmo com anjos, com a exceção de um: Cas.
Só de pensar no nome dele, algo dentro de Dean meio que se animava, e mesmo depois de todos esses anos, Dean ainda não sabia ao certo o que era. Tudo que ele sabia era que gostava da companhia do anjo, gostava muito. Quando Dean estava perto dele, se sentia um pouco menos horrível, se sentia um pouco mais humano, e, de certa forma, um pouquinho (ou muito) mais feliz. O fato era que Cas era muito importante para Dean, e acima de tudo, a única família que ele tinha no momento. E era justamente com ele que Dean queria aproveitar o que restava da sua vida,e afinal, Cas também precisava e merecia um descanso.
Tendo isso em mente, Dean pegou as chaves de seu Impala no bolso e caminhou em direção ao seu carro, mas não sem antes entrar no posto de conveniência e comprar uma torta de maçã bem recheada para comer no dia seguinte.
Queria dar início ao fim de sua vida da melhor forma, com muita torta no café da manhã e o hambúrguer que sobrara do almoço.
Mas antes, ele precisava contar tudo para Cas, e era justamente aquilo que ele temia.

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