It Girl

83 4 3
                                    

  "O mundo é uma prisão em que é preferível a cela de isolamento." - Karl Kraus



Por quanto tempo você consegue se manter completamente são, preso em um cativeiro? Não precisa ser necessariamente um cativeiro, pode ser uma hora, uma sala ou até mesmo alguém, mas por quanto tempo você consegue ficar em um ambiente em que você se sente aprisionado e impotente? Em que você está em uma situação totalmente vulnerável? Uma borboleta pode se sentir segura em seu casulo, mas o que impede de outra força exterior destruí-la? Absolutamente nada. E era exatamente nesta situação em que eu me encontrava: presa, encarcerada e confinada em um porão de alguma rua, em alguma bairro e em alguma cidade na qual eu não fazia nenhuma ideia. Um sequestro pode parecer terrível aos olhos do telespectador ao assistir um noticiário, mas para quem está vivendo isso, o que se sente é bem maior do que simplesmente "terrível" e aposto que ainda não existe palavra para definir.

Acredito que fui sequestrada há dois meses atrás, apenas acredito, não tenho certeza, pois depois de tanto lutar, gritar, berrar e me sacudir, eu desisti até de contar os dias, e agora as horas passam lentamente como se um mês se tornasse um ano inteiro. Estou presa dentro de uma sala, ou um porão muito bem mobiliado, mas não faço ideia da localização porque não há janelas no aposento e a minha única ligação com o mundo exterior é uma porta metálica, com uma abertura para comida no chão e sua única maçaneta está do lado de fora.

Levanto da cama, meu black power  acorda sobre meus olhos me impedindo de ver algo diferente passando por debaixo da porta. Ao invés de uma bandeja com comida compactada como de costume, há uma folha de papel branca com algo escrito. Desço do colchão com cuidado, meus pés roçando o carpete laranja que cobre todo o piso, aparentando estar ali com o propósito de deixar o ambiente menos deprimente. Em pé, aperto o interruptor ao lado da estante de livros do século XX (que por coincidência ou não, são os meus favoritos) e atravesso o quarto, ainda grogue de sono e tonta, me esbarrando na poltrona amarronzada pelo tempo e me abaixo para pegar o papel, como se não bastasse este cenário bizarro em que me encontro, perfeito para uma obra do Stephen King, me deparo com a seguinte mensagem:

"Lembre-se de que eu te amo."

Neste momento eu não sinto nada além de ódio, como alguém pode amar outra pessoa e a querer presa na palma da sua mão? O amor envolve liberdade e reciprocidade, não se trata de propriedade. Somos pessoas, não objetos.

— Parece que você precisa rever os seus conceitos sobre amor, não acha?! — grito em direção a porta, sem resposta como sempre.

Fico ali parada, iluminada pela lâmpada amarelada do cômodo, encarando a porta de ferro. Como assim "lembre-se de que eu te amo"? Isso significa que eu conheço essa pessoa e por isso quer que eu lembre que ela me ama? Essa é a primeira mensagem que recebo desde que acordei aqui dentro. De certo modo, faz um pouco de sentido agora, pois fui colocada em algum tipo de quarto, um quadrado pequeno mas limpo, com uma cama boa, uma banheira, um vaso sanitário, uma estante com livros que gosto e uma poltrona macia, mas não, isso não significa que eu perdoo o sequestrador ou que ele está cuidando de mim, pois independente do tratamento eu fui raptada.

O dia do meu sumiço foi justo o dia que eu achei que seria o melhor da minha vida. Como todo adolescente deste século, eu conheci um garoto pela internet, não exatamente numa rede social mas sim em um RPG online, aqueles de castelos e dragões. Antes dessa história do garoto e do jogo, eu estava tendo uma vida muito perturbada, e não era algo que pudesse ser amenizado com remédios ou religião. Meu pai era o prefeito da cidade onde vivíamos, conhecida como Ideal (um nome um pouco irônico, ao meu ver), no estado de São Paulo. É uma cidade bastante grande e com lugares ainda inexplorados. Robert, meu pai, analisava cada projeto feito dentro do nosso munícipio, mesmo que eles não possuíssem nada em comum com a prefeitura, mesmo que fosse um simples professor novo numa escola qualquer com ideais diferentes do meu pai, e isso era péssimo, uma típica atitude fascista, porém segundo ele, estava apenas tendo certeza de que tudo ocorria bem.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Dec 24, 2018 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Me Espere Na EstradaWhere stories live. Discover now