I - memórias

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O sol batia forte nas nossas cabeças quando a nova hóspede bateu a porta do carro e deixou escapar um ruído de seus lábios após ter prendido um de seus dedos. Ellie. Pura e simples Ellie. Se eu pudesse voltar 2 anos atrás com certeza o faria. Voltar não apenas para sentir a brisa que soprava em Galway naquela primavera, mas para reencontrar aqueles malditos olhos castanhos que comprometeriam a estação inteira.

- An bhfuil tú ceart go leor? Lig dom aire a thabhairt air. - Você está bem? Deixe-me cuidar disso... Owen, o motorista se preocupou.

- Níl, tá sé ceart go leor. - Não, tudo bem.

Seja seu dedo roxo, seja o aparente medo do lugar novo, seja a mão ensanguentada pelo corte deixado pela porta do carro, qualquer uma dessas opções fizeram com que ela deixasse suas emoções pesassem em seu rosto. Eu podia não ter pensado em nada disso no momento, mas hoje eu sei que tudo o que eu faria era beijar aquelas mãos e dizer que tudo ficaria bem.

Ela tomou coragem e imediatamente mudou sua feição, como se desafiasse a dor que estava sentindo. Pediu para que Owen abrisse o porta-malas e pegasse sua mala de rodinhas. Apontou para a escadaria do hotel, aonde eu estava sentada.

- Oi.. Ava?

- É... E você deve ser Ellie Parker. - respondi ao cumprimento - Minha mãe me falou de você.

- Fico feliz que não sou tão estranha assim - disse e rimos - Inclusive, aonde está Linda?

- Oh, minha mãe geralmente fica no balcão. Na verdade, ela está bem ali do lado daquela garota. - disse e apontei para minha mãe e Julie, que estava apoiada no bar.

- Eeei... - ela arregalou os olhos e foi um pouco para trás - Quem é aquela menina?

Será que ela...?

- Quem, Julie?

- Se você me diz... Meu deus, não estou aqui a nem 5 minutos... Eu preciso de controle! - ela falou baixo e soltou um suspiro. Olhou para mim e ao observar minha feição começou a rir. - Até mais, Ava Walsh. Talvez podemos sair mais tarde.

- Até, Ellie Par... - não consegui terminar a frase já que ela saiu em direção à escada.

Confesso que me senti especial. Sei que não devia, afinal tinha acabado de conhecer a garota. Sempre fui assim. Vou premeditando as coisas até o momento que quebro a cara e percebo que era tudo coisa da minha cabeça.

Talvez Ellie Parker fosse se tornar importante pra mim. Talvez não fizesse a menor diferença. Talvez saíssemos a noite. Simplesmente não saber era suficiente. Naquele dias tudo se baseava em "talvez".

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- Então, quem é a garota do quarto ao lado? - Julie me perguntou pulando na minha cama.

- Não me fale que você tá interessada por ela. - ri e deitei no chão com os braços abertos.

- Não posso negar que ela é maravilhosa e não seria nenhum problema tê-la na minha cama. - disse e bateu com o travesseiro na minha cara para me provocar. - MAAAS, eu não sou dessas.

- Dessas de fazer o que?

- Roubar o interesse dos outros... - riu e dessa vez fui eu quem bati em seu rosto com o travesseiro.

- Por Deus, não fazem nem duas horas que ela chegou no hostel. Além disso, Ellie não é um interesse.

- Certo, Ava. - Julie se inclinou para frente e pendurou seu corpo na beira da cama. - Nem acredito que mesmo depois de 4 de julho você vai bancar a certinha. Justo comigo... Você é impossível, Walsh.

Olhei para Julie como se repreendesse sua fala. Ela sabia muito bem que eu ODIAVA falar sobre 4 de julho. O toque, os beijos, e a vergonha quando a festa inteira descobriu que duas garotas estavam se beijando atrás da piscina. O pior disso, uma das garotas era eu. Sei que tudo isso é parte do meu passado e que se hoje em dia o mesmo acontecesse, eu não daria a mínima importância. Mas memórias da época em que eu ainda estava no armário, reprimindo todos aqueles sentimentos dentro de mim, me assombravam.

- MENINAS, POSSO ENTRAR? - ouvimos a voz da minha mãe batendo a porta e Julie imediatamente se endireitou na cama.

- Pode sim Srta. Walsh! - Julie gritou prendendo seu cabelo em um coque malfeito.

Minha mãe entrou no quarto andando devagar com um sorriso no rosto.

- E aí, o que acharam da Ellie? - encostou a porta de madeira e sentou-se do meu lado, falando baixo, já que Ellie estava no dormitório ao lado.

- Um amor, Linda.

- E você filha? - perguntou pra mim me dando um tapinha no ombro.

- Ela parece legal, eu acho... - respondi mexendo nos meus cabelos.

- Que ótimo! Pensei que vocês duas poderiam mostrar a cidade pra ela hoje à noite.

- Me desculpa Srta. Walsh, mas hoje a noite eu prometi ligar para a minha irmã pelo Skype e ajudar ela a resolver algumas coisas para sua quinceañera. - Julie disse - Mas acho que Ava pode, certo? - ela disse olhando para mim. Se eu não amasse tanto essa garota já teria a mandado de volta para o México.

- Sim, acho que posso, mama.

- Ah que alívio! Te devo uma, sunshine. Seria maravilhoso dar a Ellie um rosto amigo. Seus pais me ligaram mais cedo e explicaram que ela está fazendo intercâmbio para a faculdade de letras, e seria uma pena se ela voltasse para os Estados Unidos sem ter feito nenhum amigo. - disse e colocou as mãos no peito após beijar minha testa e se levantar saindo do quarto - Is breá liom iníon duit.

- Também te amo, mãe.

- Alguém vai dar uns beijos hoje... - Julie disse rindo da minha cara assim que minha mãe saiu do quarto.

- Go mbeire an diabhal thú, Julie.

- Às vezes eu odeio o fato de não saber falar irlandês... - retrucou batendo a porta e me fazendo rir.

After The Sunset//Uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora