Prefácio

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    Este livro é dedicado ao meu irmão, Peter, a pessoa mais corajosa que conheço.

Caro leitor,

Faz 10 anos que este livro foi publicado e, por ocasião desse aniversário, me foi pedido que lhe acrescentasse algumas reflexões. Não e tarefa simples. Este livro mudou a minha vida e, a julgar pelo que os leitores de todo mundo têm me passado, a de outras pessoas também. Por onde devo começar?
Talvez por um episódio que deixei fora do original. Não era minha intenção, mas, por algum motivo, não o incluí. Pois aqui está, depois de todos esses anos.
Quando pela primeira vez eu liguei para meu antigo professor Morrie Schwartz - a essa altura, já nas garras da esclerose lateral amiotrófica (ELA) - , senti necessidade de me reapresentar. Afinal, haviam se passado 16 anos desde a última vez que nos falármos. Talvez ele nem se lembrasse do meu nome. Na faculdade, eu costumava chama-lo de “Treinador”. Sabe Deus por quê. Coisas do esporte, sabe como é, já naquela época. Oi, Treinador. Como vai, Treinador?
  Seja como for, quando o ouvi dizer “Alô” naquele dia ao telefone eu engoli em seco e disse:
-Morrie, meu nome é Mitch Albom. Fui seu aluno na década de 1970. Não sei se você se lembra de mim.
E a primeira coisa que ele disse foi:
-E por que não me chamou logo de Treinador?
Minha jornada começou com essa frase. Ela esteve comigo naquele telefonema, esteve comigo na minha primeira visita carregada de culpa a West Newton e em todas as tercas-feiras que se seguiram, durante o lento declínio e agonia de Morrie e em sua morte silenciosa e digna. Ela esteve comigo em seu enterro, em meu luto particular, em meu porão enquanto as páginas que você está lendo, na pequena edição deste livro por todo o país, em muitos outros países, ao ver este livro sendo adotado em escolas e lido em casamentos e funerais

Ela me acompanhou em milhares e milhares de cartas, e-mails, abraços emocionados da mesma forma: sua história me comoveu.
Mas não era a minha história.
Era a história de Morrie, o convite de Morrie. A última aula de Morrie. Eu era seu convidado. E por que não me chamou de Treinador?
Eu esqueci. Ele lembrou.
Essa era a diferença entre nós.
Morrie me mudou desse jeito. Agora me lembro de tudo. E poderia não lembrar? Todos os dias da minha vida alguém me pergunta pelo meu antigo professor. Eu costumo brincar dizendo que este livro é a sua vingança por eu te-lo ignorado durante tantos anos. Agora sou seu aluno eterno, aquele que retorna sempre, todo outono, primavera e verão, para a mesma aula.
Tudo bem. Eu sempre achei que Morrie tinha algo a ensinar. Achava isso há 30 anos, quando ele usava costeletas e blusa amarela de gola rulê e mexia freneticamente as mãos na frente da turma, e continuei achando anos depois, quando a terrível doença já o deixava frágil e inerte numa poltrona em sua casa, a voz sussurrada e o corpo tão fraco que eu precisava virar sua cabeça para ele poder me ver.
E ele, como sempre, sábio e carinhoso. Ele realmente cumprimiu seu antigo desejo de ser professor até o fim.
Para prová-lo, quando comecei a pensar neste prefácio voltei aos registros das nossas conversas. Eu havia transcrito todas as fitas e as organizara por temas. Em minhas divagações ao som da voz de Morrie, eu me perguntava se toparia com alguma coisa que soasse diferente, algo a dizer que desse um novo sentido a tudo o que aconteceu.
E dei com este tema: vida após a morte.
Ora, Morrie for agnóstico durante muitos anos, como ele próprio admitia. Mas depois de seu diagnóstico de ELA, começou a repensar. Mergulhou em ensinamentos religiosos.
Numa terça-feira de agosto de 1995, segundo meus registros, nós falamos sobre esse assunto. Morrie me disse que no passado havia acreditado que a morte era fria e definitiva.
-A gente vai para debaixo da terra e se acabou.
Mas depois ele passou a pensar diferente.
-Qual é a sua ideia agora?-perguntei.
-Ainda não me fixei em nenhuma...-ele disse, sincero como sempre.
-Mas o Universo é demasiado harmônico, grandioso e avassalador para se acreditar que é tudo obra do acaso.
Que coisa para ser dita por um ex-agnostico! O Universo é demasiado harmônico, grandioso e avassalador para se acreditar que é tudo obra do acaso. Isso, é bom lembrar, foi quando o corpo de Morrie já era uma casca oca, quando ele já precisava ser lavado e vestido, quando já precisava que lhe assoassem o nariz e lhe limpassem o traseiro. Harmônico? Grandioso? Se ele, naquela situação terrível, naquele depauperamento, conseguia enxergar a majestade do mundo, por que haveria de ser difícil para nós?
  Muita gente me pergunta qual a característica de Morrie de que mais sinto falta. Eu sinto falta daquela crença na humanidade. Sinto falta daqueles olhos que conseguiam ver a vida de modo tao positivo. E sinto falta da sua risada. Serio. No mesmo dia em quem e falou de vida após a morte, Morrie confessou sua vontade de reencarnar, dizendo que se pudesse voltar como outra coisa gostaria de ser uma gazela. Ao reler as transcrições, notei que fiz uma graça depois do que ele disse:
-A boa noticia é que você estaria reencarnado-eu disse.
-A má notícia e que você estaria vivendo em algum descampado.
Ele disse:
-Correto.
E caiu na gargalhada.
Nós riamos um bocado com essas coisas. Talvez seja dificil de acreditar, mas, mesmo com a morte esperando na esquina, nos riamos.
Ninguém gostava de rir mais do que Morrie. Ninguém ria durante tanto tempo com piadinhas infames. É verdade, havia dias em que ele arrebentava de rir com qualquer bombagem que eu dissesse.
De modo que sinto falta disso. E de sua paciência. E de suas alusões acadêmicas. E de sua paixão por comida. E de como fechava os olhos para escutar música.
Mas aquilo de que eu mais sentia falta, por mais simples e egoísta que possa parecer, são os olhos de Morrie piscando quando eu entrava no quarto. É que quando uma pessoa fica feliz - genuinamente feliz - por vê-lo, você se derrete. É como chegar em cada. Naquelas terças em que eu entrava em seu escritório, o hibisco ao lado da janela, qualquer coisa que eu tivesse trazendo comigo - problemas pessoais, assuntos de trabalho, pensamentos opressivos - se dissipava quando as orelhas dele se mexiam e sua boca abria aquele sorriso engraçado de dentes tortos e soltava uma saudação. Outras pessoas me relataram que se sentiam da mesma forma quando estavam com Morrie. Quem sabe a sua devastadora doença, ao privá-lo de distrações e apagar a preocupação com as coisas do cotidiano, o permitia estar “totalmente presente”? Ou quem sabe ele apenas valorizava mais o próprio tempo? Eu não sei.

O que sei é que aquelas terças que passamos juntos eram como o longo abraço de um homem que já não podia mover os braços. Sinto falta delas mais que tudo.
Nesses 10 anos desde que o livro foi publicado, inúmeras vezes me perguntaram se eu imaginava que ele seria lido por tanta gente. Minha resposta é, geralmente, um aceno de cabeça, um sorriso e um “Nem em um milhão de anos”. A verdade é que foi um bocado difícil conseguir quem o publicasse - várias editoras nem sequer manifestaram interesse; um editor chegou a me dizer que eu não fazia a menor ideia do que era um livro de memórias. Em outras circunstâncias, eu teria desistido da ideia.
A razão de eu não ter desistido - e a razão pela qual eu creio que o livro bateu no coração das pessoas - é que eu não estava tentando escrever um livro popular. Estava tentando ajudar Morrie a pagar as despesas do seu tratamento. Isso tornou a minha obstinação mais forte que qualquer poder de dissuasão. Continuei tentando, ate achar uma editora. E quando disse a Morrie que tinha conseguido - e que as contas seriam pagas - ele chorou.
Costumo dizer que aquilo foi, para mim, o fim de A última grande lição, apesar de eu mal ter começado a escrevê-lo. Eu havia feito o que queria: um pequeno ato de bondade em retribuição aos incontáveis anos que ele me dedicara no passado. Mas a jornada, na verdade, mal havia começado.

Desde então, o livro foi publicado em dezenas de países onde eu nunca estive e traduzido para muitas línguas que não domino. Foi adaptado para um filme de TV e o grande Jack Lemmon me disse que Morrie era seu papel favorito. Uma adaptação para o teatro foi encenada em todo o continente. O livro foi acolhido em escolas, universidades, capelas mortuários, hospitais, igrejas, sinagogas, grupos de leitura e instituições de caridade.
Não consigo exprimir com palavras a minha humilde satisfação com tudo isso e o orgulho que sinto ao ver a suave sabedoria de Morrie se assentando como flocos de neve nas ruas de todo mundo. Diante disso, não posso se não concordar com a sua máxima: o universo é harmônico e grandioso demais para se acreditar que é tudo obra do acaso.
Espero, portanto, que este livro ajude a abrir os olhos das pessoas para a ELA até que a ciência descubra como curá-lá. Espero que ele continue lembrando às pessoas quão precioso é o tempo que dedicamos ao outro. Espero, também, que ele célebre sempre os professores, nosso mais valioso recurso. E espero que Morrie esteja dançando onde quer que se encontre agora. Porque ele mede e poder dançar outra vez.
Quando eu lhe pedi, naquele dia, que me descrevesse o cenário perfeito para a sua vida após a morte, foi este o que ele escolheu:
-Que minha consciência permaneça... Que eu seja parte do Universo.
Penso nas pessoas que já leram este livro, e nas que ainda o farão, e creio, com imensa gratidão, que o desejo de Morrie se realizou.

                                       Mitch Albom
                                      Julho de 2007

A Última Grande Lição - O Sentido da VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora