dream x reality

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Tudo estava turvo. Airi não conseguia enxergar mais do que um palmo à sua frente, mas continuava andando em direção à porta, que parecia se afastar cada vez mais à medida que ia até ela. Tudo o que via eram borrões e vultos, sentia sua cabeça girar mais rápido que podia perceber e um fino ruído, cada vez mais agudo, fazia seu ouvido começar a soltar algumas gotas de sangue. Quando finalmente sentiu que estava próxima de alcançar a porta, seu corpo perdeu toda a força que lhe restava. Os borrões foram se unindo, formando apenas uma mancha negra em sua visão, seu corpo já não aguentava mais o caminhão de 2 toneladas que parecia estar arrastando pela sala velha e suja que não tinha fim. "Mãe... mãe, eu não quero morrer... não assim" ela disse, antes de desabar no chão, ainda consciente. Ela caiu, com o corpo virado de lado, a exatos 3 centímetros da porta, e sua cabeça apenas a encarava, ainda girando e os olhos quentes por causa das lágrimas que insistia em não soltar. Lutou para não apagar, não desmaiar ali, naquele lugar, mas ao ouvir a voz de um homem, uma voz familiar, que dizia, com um sorriso sínico no rosto: "Calma, Airi. Você não vai morrer. Eu ainda não acabei" seus olhos se fecharam e sua consciência não estava mais ali.

Airi acordou, suando e ofegando descontroladamente. Sua respiração parecia um trem bala à todo vapor. Olhou em volta, ainda hiperventilando, tentando reconhecer onde estava. Era seu quarto. Abriu o criado mudo e, apenas quando viu que sua arma estava ali, conseguiu tomar a iniciativa de controlar sua respiração. Respirou fundo algumas vezes, aplicando a técnica de respiração diafragmática que aprendera com algum dos psicólogos por qual passou, dos quais não fazia questão de se lembrar. Passou a mão em sua franja, jogando-a para trás, tentando fazer com que sua testa, que pingava de suor, perdesse um pouco do calor que fazia sua cabeça doer e queimar.

- De novo, Airi? - ela perguntou a si mesma, enquanto fechava os olhos num breve ato de descanso e com certa indignação em sua fala. - Eu não posso esquecer de tomar a maldita Melatonina.

Ela tinha problemas para dormir e, quando finalmente dormia, tudo o que tinha eram pesadelos, pesadelos que faziam com que ela desejasse, irracionalmente, arrancar seu cérebro fora, para que não produzisse mais tais sonhos. Por conta deles, muitas vezes Airi não queria dormir, mesmo que estivesse extremamente cansada do trabalho, tudo o que queria era fugir daquela sensação de impotência que seu cérebro insistia em lhe causar. Para conseguir dormir, tomava um remédio todas as noites. Ou melhor, quase todas as noites. Tinha problemas para se lembrar de tomar todos os remédios que devia, então, uma vez ou outra, acabava tendo crises. Ela odiava sonhos. Odiava coisas que não conseguia controlar. Airi não tinha problemas com sua aparência ou se sentia inferior à outras pessoas, mas se sentia inútil por não poder fazer nada para mudar alguma coisa, e isso a deixava ansiosa, em pânico e deprimida. Olhou pra sua janela e viu que o céu ainda estava escuro. Então, mesmo contra sua vontade, fechou os olhos e se forçou a voltar a dormir, torcendo para que aqueles sonhos, ou melhor, aquelas lembranças, não voltassem a invadir seu subconsciente.

Acordou algumas horas depois, com o barulho do despertador, e se levantou com certa dificuldade. Observou que o dia estava bastante fechado e presumiu que choveria, portanto teria que ir de ônibus ao trabalho. Ela não gostava de pegar ônibus, não porque seu trabalho ficava a menos de 2 km de seu apartamento e podia tranquilamente ir caminhando, mas porque não gostava da ideia de ter que ficar num lugar fechado com alguns homens. Sabia que diversas formas de assédio aconteciam no ônibus, já sofrera tais ações algumas vezes. No entanto, em dias chuvosos, se rendia ao transporte público e fechava a cara para todo e qualquer ser humano masculino com quem se encontrasse lá.

Tomou um café rápido que mal dava para ser chamado de alimentação, mas não ligava muito para cafés da manhã e não sentia a falta deles. Se arrumou e desceu pelas escadas do prédio, como sempre fazia, já que o elevador ficava extremamente movimentado àquela hora da manhã e não tinha paciência suficiente pra enfrentar a espera e a quantidade de gente apertando-a. Quando saiu do prédio, a chuva já havia começado a cair. Correu então até o ponto de ônibus e esperou lá por cerca de 5 minutos, até que o transporte chegasse.

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