Cruel Destino

Capítulo III

Liz sentia o sol em seu rosto, seu corpo doía pela má posição em que dormiu, quando despertou se deparou com o Yukine olhando para ela.
“Dormir como um anjo nunca fez tanto sentido para mim.” Ele estava muito perto e Elizabeth acabou corando com a proximidade. “Que fofa.”
“Acredite, eu não sou fofa.” Ela percebeu que estava coberta com uma jaqueta preta, a jaqueta exalava um cheiro doce.
“Nem percebi que eu dormi aqui.”
“Parece que você preferiu dormir com o Luka a mim, fiquei chateado.” Yukine fez biquinho.
“Eu não queria deixá-lo chateado.” Ela apertava a cheirosa jaqueta.
“Não estou realmente chateado, não acho que tem como ficar chateado com você.” Seu rosto era tão gentil, muito diferente do vampiro que ela conheceu na floresta.
“Nem todos concordam com você.” Liz se levantou e arrumou o vestido. “Eu preciso de roupas limpas.”
“Eu irei na vila hoje, pegarei algumas roupas para você e vou ver aquele seu amigo, aliás, como é o nome dele?”
“Samuel, um lobisomem.” O menino vez uma cara de desagrado.
“Não seja preconceituoso, as diferenças do passado não importam mais, vivemos em uma nova época.” Ele gargalhou.
“O que foi tão engraçado?” Confusa, ela perguntou.
“Nada, é que...bom, eu vi o jeito que você olhou para o Luka, ou melhor, nem olhou para ele. Me espanta que você ainda esteja segurando a jaqueta dele.” A garganta ficou seca, ela tossiu e acabou derrubando a jaqueta, agilmente a pegou do chão e tentou limpar.
“E-eu não sabia que era dele, mas não importa. Onde ele está? Vou agradecê-lo.”
“Ele está na cachoeira, fica logo em frente e só seguir reto.” A princesa acenou e foi na direção indicada.
Não é que como se ela fosse preconceituosa, só não imaginava que a roupa tão cheirosa fosse de um demônio, ou melhor, que um demônio fosse capaz de tal ato cavalheiro. Mas Yukine estava certo de uma coisa, era fácil chegar na cachoeira. A energia mística lá era limpa e assim Liz se sentiu revigorada. Luka estava sentado na grama, observando a paisagem.
“Você vai ficar me seguindo mesmo, anjo?” Rosnou o demônio.
“Entendo que você queira ficar sozinho, desculpa lhe atrapalhar mas precisava conversar com você.” Ela sentou-se e percebeu que estava muito longe dele, respirou fundo e foi sentar mais perto de Luka, mas não tão próximo assim.
“O que você quer?” Ele olhava para a menina que não sabia como agir perto do demônio.
“Bom...eu vim t-te devolver a jaqueta.” Mesmo tendo falado isso, ela continuava segurando a jaqueta.
“...” Luka não deixou de encará-la e isso a inquietou, ela não conseguia parar o olhar em nada por mais de 2 segundos, mas não se atreveu a encará-lo.
“Vai mesmo ficar segurando isso que nem uma idiota? Avise-me quando quiser largar minha jaqueta.”
“Seus padrões de linguagem são bem interessantes, rudes mas interessantes. Responderia a altura se eu achasse que você valesse a pena.” Ela jogou a jaqueta em seu colo. “Talvez eu tenha sujado um pouco sei que o você será um cavalheiro e nem se importará com isso.” Luka respirou fundo e vestiu a jaqueta. Sem saber o que fazer com as mãos agora que estavam livres, Elizabeth levantou e foi observar as árvores que havia lá. Viu uma macieira e seu estômago roncou, não comia nada há um bom tempo. A árvore era alta e a menina não alcançava, pulou para tentar pegar mas sem sucesso. O demônio estava se divertindo com a situação.
“Você vai ficar só rindo ou vai vir me ajudar?” Falou já irritada.
Luka se levantou, pegou uma maça com muito facilidade e a levou até a boca, dando uma demorada mordida.
“Sabe, você é um anjo muito inútil.”Ele disse a garota, desviando de suas tentativas para tirar a maçã da mão dele. “Típico de princesas.” Os dois disputavam uma maçã, Luka estava com a mão para cima enquanto a garota se esforçava para pegar.
“E você é muito grosso, típico de demônios.” Luka parou e pela cara séria que fez, Elizabeth parou também. Liz olhou em sua íris, não lhe pareceu tão monstruoso como da primeira vez, mas não havia vida naquele olhar, como se faltasse alguma coisa.
“Você é patética.” Ele colocou a maçã na mão dela e saiu sem olhar para trás. A princesa ficou olhando para a fruta em sua mão mas logo a deixou cair no chão, aliás Luka havia mordido. Quando lutou pela maçã não pensava comer de verdade, só o fez porque foi provocada por ele. Sentiu uma imensa vontade de lavar as mãos, foi até a cachoeira e limpou, a água quente a fez lembrar de sua banheira. Como ele sentia saudade de um banho de banheira preparado por Lilá. Se certificando que não havia ninguém por perto, ela tirou seu vestido e entrou na cachoeira. Todo seu corpo relaxou ao contado com a água, ela soltou o cabelo do coque e mergulhou por inteiro. Aquele lugar tinha boas energias místicas, isso a fortaleceu, desde ontem não se sentia tão bem como nesse momento.

A presença de anjos sempre irritou Luka, ele não suportava o misto de medo e ojeriza que os malditos anjos sentiam ao ver um demônio. Mas teria que suportar isso até que a princesinha indefesa estive em seu reino encantado. Ele voltou para a cabana e encontrou o Joker com um mapa estendido na mesa. "Ainda não o encontrou?" O
demônio perguntou para o mago.
"Não. Mas acho que ele não está mais aqui, podemos partir hoje mesmo. Cadê a senhorita Elizabeth?" Suspirando, Luka deitou no sofá com as mãos na cabeça.
"Não sei e não me importo."
"Yukine disse que ela foi te procurar, muito gentil da sua parte cobri-lá com sua jaqueta." Com uma risada de canto de boca, Joker se divertia com a reação nervosa de Luka.
"Cala a boca, a garota estava tremendo de frio, ia acabar morrendo lá. Não foi gentileza, foi estratégia. Se aquele anjo morrer não vou ter como sair da cadeia."
"Isso é verdade, por isso que você não deveria deixa-lá sozinha por aí. Yukine foi na vila dela e eu estou ocupado, sobrou para você vigiar a princesa."
"Não, não, Joker, eu não vou ser babá daquela princesa de nariz em pé, ela me irrita." Ele não suportava a ideia de ficar perto do anjo novamente, mas sabia que o Joker tinha razão, ela não podia ficar sozinha na floresta.
"Você precisa mais dela do que nós, claro que vamos te ajudar a levá-la em segurança para o reino, mas não dependemos disso para sermos libertos." Luka odiava o fato de o Joker sempre estar certo. Respirou fundo e tomou coragem de ir enfrentar os olhares tortos da garota.
"Não precisa falar duas vezes." E Luka foi a procura dela.
Elizabeth ainda estava na cachoeira, literalmente, ela se banhava nas águas.
Seus cabelos negros boiavam enquanto ela aproveitava o banho, vendo assim ele nem conseguia se incomodar com a presença dela, inclusive ela estava muito bonita lá.
O momento de paz entre eles acabou quando Elizabeth o viu, ela deu um grito estridente que o fez ter lembranças dolorosas.
Apesar da pouca idade, Luka ainda se lembrava da primeira vez que colocou os pés no centro político de Arkyos, abraçado na perna de sua mãe com seus braços acorrentadas eles andavam em direção ao palácio do rei. Ele não entendia porque fora separado de seu pai e de seu irmão, não entendia porque não podia voltar para casa, não entendia porque as pessoas os olhavam com nojo e muito menos porque aquele anjo pequeno apontou para ele e gritou com se tivesse visto um monstro. Mas ele não era mais uma criança, aquilo não podia mais afetá-lo desse jeito.
“Você tem tanto medo de mim assim?” A garota estava encolhida e tentando tampar seu corpo.
“Não farei nada com você, pensei que já tinha deixado isso claro.” Mais calma ela conseguiu responder.
“Você me assustou, estava o tempo todo ai?” Suspirar para não perder a calma já estava virando rotina para o Luka.
“Claro que não.” Luka sentou-se na grama e ficou observando os pássaros em cima da árvore.“Só voltei porque Joker me lembrou que tenho que te manter viva.”
“É agora que você diz que irá me proteger com sua vida?”
“Não, eu te deixo morrer” Elizabeth não falou nada, mas parece que segurou uma risada.
“Não olhe, por favor.” Luka pode ouvir ela saindo da água e colocando novamente seu vestido, e ele não tinha interesse nenhum em olhá-la.
“Pode me ajudar aqui?” Ele virou-se para a garota que estava de costas e com o zíper da roupa aberto. Sem muita vontade, Luka se levantou e fechou o zíper. Quando a menina virou para ele, não pode fugir do seu olhar.
“Eu não tenho medo de você, mas me ensinaram que devo ficar sempre alerta quando um de vocês estiverem por perto.” Ele respirou profundamente, mas não estava surpreso, na verdade estava acostumado com esse tipo de comportamento vindo de anjos.
“Vocês? Me responda, quantos demônios você conhece?”
“Contando com você?” Ele acenou afirmando. “Um.” Típico.
“Você foi o primeiro demônio que eu conheci, é verdade que tem muito de vocês trabalhando no castelo mas não me lembro muito. Então, você é primeiro para mim e confesso que fiquei meio decepcionada.” Ele voltou a atenção para ela sem entender.
“Decepcionada, por quê?”
“Achei que teria chifres.” Elizabeth ainda fez o gesto de chifres na cabeça de uma forma inocente, ele acabou rindo sinceramente disso.
“E eu achei que você teria uma auréola.”
“Como assim? Elas não estão aqui?” Brincou a garota passando a mão em cima da cabeça. Estavam os dois rindo juntos, quando perceberam a estranheza da situação, param de rir e caiu sobre eles um silêncio opressor. A única coisa que quebrou o silêncio foi o ronco do estômago de Elizabeth, que estava faminta. Luka foi até a macieira e pegou outra fruta, dessa vez a deu na mão da menina sem hesitar.
“Oh, obrig…”
“Não agradeça, não faço isso por você e sim por mim. Não sei o como iria explicar para o Joker que você desmaiou de fome no meio da floresta.” Ela deu um grande sorriso para ele.
“Mesmo assim, obrigada.” Talvez fosse melhor vê-la amedrontada do que agradecida.
“Sabe, para um anjo você é bem fraca.” Ele provocou para acabar o clima amistoso que estava se criando, não ia saber lidar com isso.
“E para um demônio você até que é muito obediente.” Ele levantou uma sobrancelha e deu as costas para ela.
“Melhor você voltar para a cabana. Essa floresta é perigosa e eu não serei seu guarda-costas.” Ela o seguiu e o caminho de volta foi silencioso.