A Chegada de Fluffy

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17 de junho de 2034


Não lembro dos rostos deles. Meus pais foram o meu início e não consigo nem ao menos lembrar como eles eram, como se chamavam, como nos cuidaram. Será que minha mãe se parece mais com Sun e eu com meu pai, ou vice-versa? De onde será que herdei os olhos negros, compatíveis com meus encaracolados cabelos negros? Minha pele pálida se arrepia com o vento que entra pela janela do quarto, que hoje, só está ocupado por mim.

Joseph era com quem compartilhava aquele mesmo espaço. Éramos bem chegados e conversávamos sempre  sobre nossas aula, professores e, obviamente, a Maratona Delta. Seu dia chegou. Ele fez 18 anos antes do mês de dezembro e enfrentou no semestre passado o temido desafio. Uma das grandes curiosidades que me rodeia neste momento é: "por quê não vemos mais as pessoas após o teste?".

Só comecei a me perguntar isso após a chegada de Anny e acho surpreendente como ninguém mais se preocupa com isso. Todos agem como se fosse a coisa mais normal. É isso o que eles nos fazem acreditar. Que está tudo bem e não temos porque nos preocupar. Não culpo os internos, eles estão sob algum tipo de transe, sendo comandados e, pelo menos por enquanto, devo manter o meu papel de simples marionete no meio do show.

- Joseph seria a pessoa ideal para eu tentar conversar - confesso a mim mesmo - Tirando Sun, só confiaria nele para desabafar. Nem isso me restou.

Fechei a janela e deitei em minha cama, que fica logo ao lado. Não havia barulhos, nem sinal de vida em todo o ambiente. Queria simplesmente preparar bem meu plano de invadir o sistema da Aura daqui a dois dias, repassar onde fica sua sala principal e como terei de fazer para ter comigo as chaves que me darão acesso a todo o perímetro da prisão. Mas então, me lembro que na manhã seguinte terei aula de Arte e História. Arte é uma aula fácil. Tudo o que o instrutor nos passa são atividades onde temos de fazer desenhos ou representações esculturais de como nossas vidas são perfeitas aqui na Delta.

Contudo, percebi que História não ensina muito bem a história da sociedade, do mundo ou do cotidiano. Ela nos ensina a história da Delta. Da formação de toda essa cadeia enorme com altíssimos muros em suas extremidades. É impressionante como de um lado do muro não conseguimos enxergar o lado adjacente do terreno. É um lugar extremamente grande. Uma vez, o professor Christophe, responsável por História, nos falou que o nosso mundo mede 170 hectares. Antes de sair do transe, não tinha notado a imensidão do que aquilo representava.

Em suma, nossas aulas de história eram sobre o Sr. Skane, o fundador da Delta. Este foi o último projeto do pai de Aura, deixando tudo para a filha após seu falecimento, cerca de dois anos atrás. Desde então, Aura comanda o lugar como se fosse um irmão caçula que deve proteger, já que seu pai deixou sobre sua responsabilidade.

- Todos a amam - penso alto.

Ela é sempre sorridente com os internos, fazendo os sentir a vontade. Muitas vezes, ela saia de sua sala e almoçava junto conosco no refeitório central, onde realizamos nossas refeições.

Admito que também era um desses fanáticos pela Srta. Skane, desses que parava tudo o que estava fazendo para admirá-la passeando pelos corredores das Casas ou dos Campos Educacionais. Hoje, tento disfarçar, mas o que sinto é indiferença. No entanto, terei de deixar essa minha atitude de lado e voltar a ser o aluno apaixonado pela mulher que domina todo este império chamado Delta, onde, tirando os funcionários, todos têm menos de 18 anos. Tento ao máximo não pensar para onde eu vou após o meu próximo aniversário. O que vão fazer e para onde vão me levar é algo que me corrói e, se depender de mim, não vou querer ficar aqui para saber e, querendo ou não, com Sun ao meu lado.

- Falando nela, como será que está minha pequena? Será que já parou de conversar com Anny e foram dormir? Se bem que ela geralmente pega no sono rápido. Isso não é algo com a qual eu tenha que me preocupar. - falo comigo mesmo. - Sei que para a fazer dormir mais rápido, basta dar o Fluffy, seu pequeno urso de pelúcia

Me levanto rapidamente da cama, quase com um pulo assustado com a conexão de informações que rodeava minha mente.

Urso de pelúcia.

Fluffy.

Anny.

Sun.

Lembro vagamente de quando chegamos aqui. Esforço meu cérebro a recuperar o máximo de informações que puder. São uns pequenos flashs.

Acho que tinha meus 15 anos, estava com quase 16, e Sun estava nos colos de alguém. Será que era a minha mãe? Meu pai? Lembro que era só uma pessoa. Não se trata de um casal. Tinha apenas uma pessoa, que segurava com rigidez meu ombro direito e segurava Sun, que dormia carregando Fluffy, o pequeno urso marrom que ela tinha.

Lembro que a pessoa que nos trazia para a Delta balbuciava alguma coisa, me instruia durante minha chegada. Não consigo me lembrar direito. Consigo me recordar de duas palavras: Olho e Mundo.

Sinto novamente um aperto na cabeça e não demora muito para perder os sentidos e desabar na cama.

Lentes InterruptasWhere stories live. Discover now