To the New You

Para o Novo Você

América, julho de 2018.

Há não muito tempo, eu estava vendo algumas de suas fotos antigas, fotos que me relembraram de momentos específicos que eu havia esquecido que guardei comigo.

Há não muito tempo, você era uma criança. Você começou com pouco, numa casa bem pequenininha no interior, cheio de pureza. Assustado, seus grandes olhos castanhos saltavam curiosos para saber o que era o barulho bonito que vinha do lado de fora da sua casa. Seu claro cabelo curto te deixava espiar pelas janelas pequenas cobertas de neve e você ria, ria porque gostava do som, gostava da visão. Aos pouquinhos, você repetia os sons como podia, brincando com alguns apetrechos, e dava àqueles à sua volta uma chance de suportar o peso que a vida conferia. Não pude assistir a esses eventos, mas há não muito tempo você os compartilhou comigo.

Há não muito tempo, você estava sendo descoberto. E eu te admirei.

Há não muito tempo, você estava no topo do mundo. E eu me apaixonei.

Há não muito tempo, tentaram te machucar. E eu te protegi.

Há não muito tempo, você estava quebrado. E eu pedi a Deus que cuidasse de você.

Há não muito tempo, você estava se curando. E eu permaneci aqui.

Você cresceu bem na frente dos meus olhos. De longe, pouco me restava senão imaginar o que você estava fazendo naquela hora, quais sonhos tivera naquela noite ou brincar pensando em como seria nosso casamento: se teria rosas brancas ou mais escuras, se seria perto de sua casa ou da minha, se seria numa praia, numa floresta ou perante os olhos Dele... eram muitas ideias construídas ao longo do tempo. Nosso namoro também seria lindo! Quando em casa, você teria tempo de deitar ao meu lado e me daria um caminho para observar os desenhos de seu rosto, o contorno de seus lábios, o brilho de seus olhos, uma maneira de dar nomes às pequenas marquinhas que você havia ganhado ao nascer, tudo! Era confortável de imaginar.

Você se esforçava porque amava. Você ouvia multidões cantando seu nome, sentia músicas percorrerem seu corpo e te movimentarem, escrevia histórias envoltas em melodia e contagiava milhares. Seu sucesso crescia e, então, o mundo soube seu nome. Por fotos, eu chorava de alegria - minha maior inspiração. Conversando com outros, fazia questão de dizer que você era meu maior orgulho! Tudo porque foi por amor, você o fez por amor. Era tudo que eu tinha capacidade de entregar.

Mas você foi forçado a amadurecer. Você escolheu seguir o que achava certo e vendeu, inevitavelmente, o tempo que tinha. Teve que abandonar as convicções de criança antes de ter o poder de escolher, teve que ser adulto antes de adolescente. Você teve que lidar com a frustração, o julgamento, a carga complicada que era a expectativa, como suas atitudes te pressionariam e afetariam aqueles que você amava. Suas paixões pareciam erradas, seus poemas eram incinerados, seus sentimentos precisavam ser mantidos sob paredes duras para que você não se prejudicasse, para que você protegesse quem importava. Você chorava, gritava, se machucava, mas não conseguiam te ouvir. Era difícil, é difícil. É exaustivo.

Você teve que lidar com o abandono muito cedo, em diversas formas, como se suas conquistas fossem reduzidas à migalhas que nunca chegariam aos pés da suficiência. Você sentia que não aguentaria quando imaginava a vida tirando de você quem mais amava, de jeitos tão súbitos. Por amores errados, comentários sujos e dores que lhe arrancavam o sono, você achou calma nos lugares errados. Achou acolhimento onde a miséria clamava por nomes mascarada de luxúria e poder. Seu corpo relutava contra suas vontades, você adoeceu. Você lutou, durante mil dias, contra fogo. Fogo ardente, fogo sufocante, fogo que te fazia cego e te garantia inutilidade. Você achou que não conseguiria suportar e logo se afastou, sumiu.

Era complicado ficar ao seu lado. Mesmo assim, eu o fiz. Não te tocava, não te sentia. Chorei pelas noites em que a dor te consumia o peito, de dentro para fora. Defendi teu nome, compreendi seus anseios, senti seus motivos e procurei desesperadamente modos de encontrar nosso caminho de volta. Escrevi 2 cartas para a lua, 2 para o sol, 6 para as estrelas, 9 para Deus. Ente indas e vindas, achamos, enfim. E ali estava o novo você.

Espere um tempo.

Alguns aniversários.
Eram tempos diferentes, mais curtos, mais exigentes, mais amplos, mais maduros.

Novos amores chegaram. Eles tinham novos rostos, novos formatos, novas cores de cabelo, novas línguas, novas melodias... eram muito diferentes de você. Traziam novas histórias, novas possibilidades, novos interesses... novas conexões. A vida é mesmo uma caixa de surpresas. Outros pedidos foram feitos e algumas lembranças foram apagadas, mas as paredes do quarto continuavam com algumas de suas marcas, as pinturas e poesias continuavam com seu nome, sua voz ainda era ouvida por alguns cantos, seu rosto estava presente em alguns lugares que eu já não tocava tanto. Eu não havia apagado você daqui.

Um dia, você abriu seus olhos. Alguém estava lá, alguém diferente... estava um pouco embaçado ainda... tinha olhos que você não reconhecia, sardas em locais diferentes dos de sempre, uma altura e um comprimento de cabelo estranhos! Mas, seu toque tinha algo de curioso, como se seus medos desaparecessem, como se sua voz simples fosse ouvida e apreciada, como se você tivesse achado algo que procurava há um tempo. O toque lhe era familiar.
Há não muito tempo, você a conheceu. Você se lembrava vagarosamente e, pouco a pouco, a sonata foi mudando de acorde: as notas já não eram as mesmas, não caracterizavam mais um toque grave e bruto, mas se tornaram notas agudas, delicadas, mais lentas, mais harmônicas. Você não fazia ideia, não é?
Achei que não veria o dia em que você escolheria alguém com quem passar a eternidade, alguém que não fosse eu. Alguma hora, é preciso crescer. Uma antiga menina estaria desconcertada mas, hoje, ela está feliz. O tempo voa e aqui está você construindo mais uma história. Você mudou, e que bom.
Você está ao lado de um novo alguém. Você vai ter filhos, muitos deles! E você vai ensiná-los a tocar a bateria, o violão e o piano, vai ensiná-los a falar, a escrever, a dançar, a cantar, a viver, vai ensinar tudo o que você aprendeu. Você vai contar suas histórias de amor, suas viagens ao redor do mundo, seus medos de criança, seus sonhos e desejos. Você irá entregar o mundo que um dia conquistou.

Você cresceu bem na frente dos meus olhos.

Você não estava aqui, mas fez parte de mim durante muitos anos. Foi você quem me apoiou enquanto eu crescia, foi você quem cantava enquanto eu dormia, foi você quem me deu as memórias mais lindas, foi você. Momentos que eu não lembrava que guardava comigo. Obrigada por cada segundo deles.
Há não muito tempo, você disse que éramos inquebráveis, e assim somos.

Eu tenho orgulho de você, mas o mundo é muito grande e a vida não espera. Muito embora isso não seja um adeus, nossas histórias seguirão caminhos diferentes.
A você, agora vocês, eu desejo amor, coragem, eu desejo felicidade.

Um dia me disseram que, na vida, ainda mais bonito do que um final, somente um recomeço.

Te vejo em breve.
Até lá, até o fim.