Aquele que nunca usa rosa e não se chama Rafael

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"Que vai ser quando crescer?

Vivem perguntando em redor. Que é ser?

É ter um corpo, um jeito, um nome?

Tenho os três. E sou?

(...)"

— Verbo ser, Carlos Drummond de Andrade

Theo,

Antes de tudo, preciso deixar claro: isso não é uma carta de despedida. Pode ficar tranquilo, eu não vou me matar. Continuo aqui, vivo. Ao menos eu espero.

Meu Deus, é insensível dizer isso? Me desculpe. Queria poder dizer que estou bêbado e falando merda, mas a verdade é que estou sóbrio até demais.

Acho que nunca estive tão sóbrio, pra ser sincero.

Me desculpe se eu estiver falando besteiras. Nunca fui muito bom com palavras. Acho que você já se deu conta disso. Mas, apesar de tudo, estou tentando meu melhor. Só não sei se meu melhor é o suficiente.

Tenho quase certeza de que não é.

Nunca houve tanta sinceridade transbordando em mim, o que é extremamente assustador, mas é com você que estou falando, digo, escrevendo, então tudo bem, acho.

Bem, sim. Eu roubei um pouco a ideia do Thales, mas pra um propósito um pouco diferente. Ou talvez o mesmo? É difícil dizer. Ainda não sei qual foi o propósito de Thales. Eu te vi lendo a carta, bem em minha frente. Te vi chorando. Te abracei, mas você não quis me dizer ainda o que é que ele escreveu. Também não perguntei. Talvez seja íntimo demais. Eu entendo. Algumas coisas são assim, tão intimas que você não deve mesmo contar à ninguém.

O que eu estou prestes a dizer é assim: extremamente íntimo. Mas eu quero te contar. Eu preciso, na verdade. Mesmo que eu jamais chegue a te entregar essa carta, eu terei dito para você, de um jeito ou de outro. Nem que seja apenas em meus pensamentos, eu terei dito.

Aqui estão coisas que quero dizer à você, mas não consigo. Não verbalmente, pelo menos. Definitivamente não olhando para seu rosto.

Eu não consigo nem ao menos suportar a ideia de te imaginar olhando com desprezo, com nojo de mim. Não conseguiria viver com isso.

Nunca fui muito bom em me expressar, espero conseguir fazer isso aqui. Me desculpe se eu soar confuso. É um pouco confuso para mim até hoje. Não consigo ver de outra forma.

Quando você leu as palavras que Thales escreveu, na minha frente, essa ideia surgiu. Você ainda não me contou o que estava escrito lá, mas imagino que seja ruim, pela forma como reagiu. Entendo se não me contar sobre o que era, de verdade. Amizade as vezes é sobre entender os limites do outro. Estranho eu dizer isso. Sei que sou um péssimo amigo. Sei que não te mereço. Sei disso. Acredite em mim, eu sei.

Quero começar dizendo que sinto muito. Sinto muito por tudo o que fiz e falei pra você naquele dia, mas peço para que você leia essas palavras com muita atenção e entenda porquê fiz aquilo. Porquê te dei um soco e falei aquelas coisas.

Eu não devia ter feito nada disso. Me desculpa. Por favor. Me desculpa?

Gostaria muito de te ter em minha frente agora mesmo e ouvir sua voz dizendo que me perdoa. Isso me traria um conforto enorme.

Espero que não me odeie, que não tenha nojo de mim. Tudo isso ainda é muito novo, não consegui processar tudo, então me desculpe se eu soar enrolado demais, ok? É muita coisa e eu... Enfim. Estou enrolando. É que, pra ser bem sincero, não quero te contar, mas ao mesmo tempo te devo isso. Te devo isso. É. Pode parecer estranho, mas acho que é a verdade. Te devo isso. Te devo a sinceridade, mesmo que ela não seja grande coisa, vindo de mim.

As oito almas perdidas e como se encontraram (ou se perderam mais ainda)Onde histórias criam vida. Descubra agora