Ela acordou.

|> 001: PRIMEIRO CAPÍTULO.|

Ela acordou, se levantou, como fazia todos os dias, e escovou os dentes, como mandava seu currículo de coisas a fazer. Ela tinha o cabelo castanho escuro, olhos azuis, e usava sempre a mesma roupa, um conjunto de roupa cinza. Calça e camisa, mesma cor, sem estampa. Seu nome? Ninguém sabe, nem ela mesma. Um crachá em seu peito diz o número 1101. E é assim que ela se conhece, desde que se lembra, Mil Cento e Um.

– Hora da refeição primária – Uma voz robotizada disse ao fundo. Esta refeição se equivaleria ao café da manhã.

1101, ou Mil, como iremos chamá-la, olhou para o alto-falante mais próximo, cuspiu a pasta de dentro da boca e então colocou um pouco mais de água, para poder tirar o que havia sobrado; secou sua boca e andou em direção a porta, agora destrancada.

Ela caminhou até uma sala branca, onde havia uma mesa e uma cadeira de madeira, e, em cima, uma xícara com leite e um prato com pão. Mil sentou-se na cadeira e começou a comer o pão e bebericar o leite. Ao terminar a refeição, dirigiu-se para seus aposentos novamente.

         – Fim da refeição primária – a voz disse novamente, e um clique pode ser ouvido, significando que a porta fora trancada novamente.

                O quarto de Mil era muito simples, havia uma cama, uma mesinha de cabeceira com uma luminária, uma mesa com uma cadeira, uma janela bem no alto e uma porta para o banheiro, também simples, com um boxe, vaso sanitário e pia, com um armário e um espelho logo acima. Ela passara seus últimos dezoito anos vivendo neste quarto. Não conhecia ninguém, não falava com ninguém. Suas únicas obrigações eram viver uma vida saudável e obedecer à Entidade.

                Ninguém sabe ao certo o que seria esta Entidade, apenas que é o que comandava tudo onde Mil morava. Ela não sabia o que havia além daquelas paredes. Sua vida se resumia àqueles três cômodos. Banheiro, quarto e sala de refeições.

                Mil sentou-se em sua cama e pode ouvir o som do zoom das câmeras espalhadas pelos cantos de seu quarto. Ela olhou para a câmera e suspirou olhando para o outro lado, quando ouviu um plim, vindo de uma tela na parede, mais abaixo da janela, a altura dos olhos de Mil.

|> 1101: HIGIENIZE SEUS APOSENTOS.|

                A menina recebia ordens todos os dias, o dia inteiro. Esta, por exemplo, aparecia num período de sete em sete ciclos de sono. Como um movimento decorado, feito a 14 anos, Mil levantou-se e andou na direção de uma das paredes. Quando se aproximou uma portinha se abriu e, dentro dela, estavam um balde, um esfregão e alguns outros utensílios e produtos de limpeza para que ela pudesse realizar a operação de higienização.

                Levou tudo para o banheiro primeiramente e organizou tudo, limpando, sem questionar. Ao terminar, fez sua cama, varreu o quarto e passou um pano em cima da mesa. Terminadas todas as tarefas, Mil colocou todos os utensílios e produtos dentro da porta, que abrira novamente com sua aproximação. A menina olhou novamente para a tela em sua parede e, plim, uma nova mensagem apareceu:

|> 1101: CONFIRMAÇÃO DA TAREFA, CONCLUÍDA.|

                Novamente, Mil sentou-se em sua cama e olhou para a câmera, com um rosto um pouco confuso, sobre o que deveria fazer agora. Ela olhou para frente, então a voz robotizada foi ouvida novamente

                – Hora da refeição secundária – Os olhos de Mil foram para o alto-falante, e, mais uma vez, ela se levantou e caminhou em direção a mesma sala branca de antes.

                Um prato com arroz, carne e feijão estava em cima da mesa, junto ao copo de água.

                – Nós, da Entidade, sabemos que uma boa refeição lhe trará uma ótima vida. – A voz robotizada disse novamente. – Coma tudo e poderá voltar para seus aposentos.

A porta atrás dela se fechou e ela começou a comer, calmamente. Vez ou outra dava alguns goles em seu único copo de água. Ela conseguia ouvir o som das câmeras dando zoom e observando tudo o que estava fazendo. Ao terminar a porta destrancou e Mil levantou-se e saiu da sala, retornando para seus aposentos.

A porta se trancou novamente e ela, como sempre se sentou na cama.

Plim. Uma nova mensagem.

|> 1101: FAÇA SUAS TAREFAS DE ESTUDO.|

Ao ler isso, Mil se direcionou até a mesa, abriu uma gaveta, onde haviam algumas folhas brancas, lápis e borracha. Quando ela colocou todos esses objetos em cima da mesa, uma luz mais forte veio do teto direto para as folhas, para que ela pudesse enxergar melhor.  Uma tela se abriu na sua frente com questões de diferentes matérias, Matemática, Química, Física, Biologia. História e Geografia, Mil não conseguia entender. O que eram todas aquelas pessoas de quem ficavam falando, ou o que era terra? Pedra? Ela não sabia, nunca havia visto. Sua vida inteira sempre foi naquele lugar.

Ao terminar a tela se fechou, ela colocou os livros dentro da porta que havia se aberto, e guardou os lápis e as folhas, agora rabiscadas dentro da gaveta, levantou-se e sentou-se em sua cama.

Plim.

|> 1101: CONFIRMAÇÃO DA TAREFA, CONLUÍDA.|

– Hora da refeição terciária. – A voz robotizada falou novamente.

Mil levantou-se e foi até a outra sala branca. Em cima da mesa um prato com um sanduiche simples. Ao se sentar a porta se trancou e ela comeu. Ao terminar a porta se destrancou, ela levantou e andou até a sua cama, sentando nela e a porta de seu quarto se trancou.

Plim.

|> 1101: FAÇA SUA HIGIENIZAÇÃO PESSOAL.|

A menina levantou-se sem questionar e se direcionou para o banheiro, tirou sua roupa e a colocou dentro de um compartimento, entrou no boxe e tomou seu banho. Quando terminou, sua roupa estava no mesmo lugar de antes, agora limpa. E dirigiu-se para o seu quarto.

Plim.

|> 1101: CONFIRMAÇÃO DA TAREFA, CONCLUÍDA.|

– Hora do início do ciclo de sono. – A voz falou e Mil deitou-se na cama, tampando-se, ao fazer isso, todas as luzes se apagaram e ela dormiu.

Assim tinham sido todos os dias de sua vida. Acordar e fazer tudo o que lhe mandam, até que volte a dormir, mas no dia seguinte algo aconteceu que a fez pensar mais no modo de vida que estava levando.