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A volta para casa foi tranquila. Eu ainda não conseguia andar totalmente relaxada, mas a dor havia diminuído muito devido ao tratamento árduo que eu realizava. Clary me levava para casa porque minha mãe precisava  trabalhar, e eu vibrava ao pensar no tal presente que ela tinha deixado para mim.

No caminho, contei para minha amiga o ocorrido da noite anterior, sem mencionar a questão familiar. Seu queixo caiu ao ver o pequeno objeto de plástico saindo de meu bolso, e ela já criava muitas teorias sobre o significado das frases.

- Eu só vou saber o significado quando ouvir as músicas, e queria que Mona estivesse aqui para ouvirmos juntas.

- Vou ligar pra ela. E Abby, não achamos nada sobre o papel... Estava misterioso demais até para nós! – ela riu, mas pude ver um tom hesitante em sua voz. Ela, que sempre mantinha os olhos colados nos meus quando conversávamos até enquanto dirigia, dessa vez parecia focada demais no carro a nossa frente. Tentei ignorar, mas minha amiga estava agindo muito estranho. – Pega meu celular, vamos ligar logo pra Mona vai.

Mesmo que com certa dificuldade, abaixei-me e peguei seu telefone, logo discando o número da cacheada. Fora uma ligação curta, onde ela disse que estaria na minha casa em dez minutos. Ao chegarmos, a mesma nos esperava sentada nos degraus na frente de minha porta.

Adentramos o local, indo direto para meu quarto. O processo demorou um pouco e demandei apoio das duas, então finalmente chegamos lá. Eu tinha uma ideia do que seria o presente, e se não fosse que eu imaginava teríamos que achar outro jeito de ouvir a fita.

- Mona, pega a caixa debaixo da minha cama, por favor – eu disse, com certeza até demais. Ela o fez e a abriu com rapidez, revelando um toca-fitas e arrancando-me um suspiro aliviado. Ligando o aparelho na tomada, inseri a fita e começamos a ouvir. Clary anotava o nome das músicas, Mona prestava atenção em possíveis mensagens escondidas, mas eu apenas as escutava. Romeu me conhecia. Eram músicas de meu repertório, do meu iPod. Meu coração palpitava a cada nota, cada palavra, cada sinal que ele dava e que provava que realmente era perfeito para mim.

Ao final de tudo, a lista de músicas ficou: O nosso general é Cristo; Lágrimas de gratidão; Há um rio; Espírito Santo; A castidade; Teu amor não falha; Recomeçar; A coroa; Seu sangue; Derrama teu poder; Obrigado Jesus; Pai; A cura; Posso clamar; Ele nos ama; Lugar de oração.

Suspirei. As meninas ainda tentavam procurar algum significado oculto, porém eu apenas sorria e aproveitava aquele momento de paz. Quem quer que fosse meu Romeu, sabia meus gostos. Sabia meu amor por Ele, e entendia. Devaneios passaram por minha mente, imaginando todos os meninos que haviam passado por minha vida. A maioria era da Igreja, o que tornava minha lista de suspeitos muito ampla. Comecei a anotar os nomes em um papel, mas sempre achava algum motivo para descarta-lo; de "se mudou" para "virou ateu".

Conforme o dia passava, as meninas desistiam cada vez mais de achar qualquer evidência que o anônimo tivesse deixado. Elas foram embora e me deixaram olhando fixamente para a lista de músicas. Ouvia diversas vezes, mas não achava uma ligação sequer entre as músicas senão Ele. Olhando-me no espelho, repetia o tempo todo dentro de minha cabeça "Pensa Abby, você é boa nisso", mas nada saía. Por saber as letras de cor não as acompanhava em lugar nenhum, mas acreditava que este não era o problema. Resolvi tomar banho para tirar aquele cheiro de hospital preso em minha pele, que eu mal percebera antes.

Deixando a água quente da ducha bater sobre a pele de minhas costas, ponderei sobre minha vida. Esta era muito boa, mas alguns pontos precisavam melhorar. Como o fato de meu pai me espancar a ponto de quase me matar. No momento em que isso passou pela minha cabeça, comecei a chorar de novo. "Estou tão cansada de chorar", pensei. Mas não conseguia parar, este era o único modo de tirar a raiva de mim. Deixei que a água levasse tudo embora, inclusive a dor.

Ainda enrolada na toalha, vi um objeto em minha cama. Uma caneta rosa pink com um laço de fita preta. Sem entender, peguei o objeto com cuidado. Meus cabelos molhados caiam sobre meu peito, causando-me arrepios. A janela estava aberta e um vento gelado entrava pela mesma, porém eu tinha total certeza de que esta estava fechada antes que eu começasse meu banho. Romeu.

She's scared to touch *- M

Apenas coloquei o objeto em cima de minha mesa, ainda tentando entender o sentido daquilo tudo. Meus olhos já estavam se acostumando àquela caligrafia desleixada, assim como um coração.

Vesti uma camiseta grande demais, uma calça listrada e meias de pug. Enrolando a toalha na cabeça, sentei-me em minha cama e peguei novamente a lista das músicas, admirando-a. As mesmas estavam uma debaixo da outra, e comecei a olhar bem para todos os títulos. De súbito, alguma chave se virou em minha mente e pensei "leia só as iniciais". Peguei um papel qualquer para anotar uma possível pista e fiquei orgulhosa de mim mesma.

Todas as letras iniciais juntas formavam a frase: Olhe atrás do papel.

Com as mãos trêmulas, tirei uma foto daquilo e da caneta, mandando em seguida para as meninas. Peguei o primeiro bilhete que ele havia me mandado, mas não havia nada lá. Murchei um pouco. Eu encarava uma imensidão branca novamente, sem nada novo.

De repente, olhei para minha escrivaninha. Lá, localizei a caixa com as rosas, as quais ainda estavam intactas. Andei até elas, repousando o papel na superfície de madeira e pegando uma em minha mão, levando-a até minhas narinas. Seu perfume invadiu meus pulmões, uma dose de endorfina sendo liberada dentro da minha pessoa. Passei algum tempo ali, apenas curtindo a presença de minhas flores, e após algum tempo lembrei-me da caneta misteriosa. Encarei a mesma, tomando-a em minha mão esquerda. Com a direita, apertei minha cruz e em seguida, destampei o objeto. Isso me revelou uma luz muito fraca, e nada fazia sentido.

Apaguei a luz de meu quarto, deixando apenas o fraco abajur aceso. Comecei a passar a luz da caneta pelas paredes, pela cama, por tudo. Não havia um motivo certo, apenas uma dúvida incessante que pairava a minha volta e eu não sabia como resolver. Ao passar pela janela, parei.

- Onde estas, meu Romeu? – recitei para o breu. Em seguida, ri sozinha e fechei os vidros. Por que em algum momento eu pensara que ele estaria lá todo esse tempo, apenas esperando-me aparecer para mostrar-me seu rosto e me levar embora em seu cavalo branco?

Quando finalmente cheguei à mesa, passei a luz com descaso pelo papel. Isso me revelou uma letra. Alarmada, passei de novo, vendo uma frase. Engolindo a ansiedade e passando a luz lentamente, pude ler: 11 Hoxton Square, London N1 6NU 26/07/2018 8pm


*She Lays Down - The 1975

Welcome to the revolution // a Matty Healy storyOnde histórias criam vida. Descubra agora