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Ao chegar em casa, notei que meu pai estava a cozinha. Ele estava de costas para a porta, olhando para alguma coisa na mesa. Coloquei minha bolsa e meu casaco no banco ao lado da porta e caminhei até ele, porém este ouvir meus passos e se virou antes que eu pudesse lhe cumprimentar. Eu estava com um sorriso forçado, mas ao ver sua expressão, este sumiu. Ele tinha as sobrancelhas franzidas e os dentes mordiam as bochechas internamente, o que indicava que o mesmo estava muito bravo e tentava conter-se.

- Oi – eu disse – o que aconteceu?

- Eu que te pergunto: O que aconteceu, Abigail? – saiu da frente da mesa, revelando a caixa com rosas. A confusão invadiu minha mente, por que Clary não as levara embora consigo de uma vez? Ao ver a cena, aquilo que eu tentava negar para mim mesma durante todo o dia apareceu como um tapa na cara: as flores não estavam nos planos de ninguém naquela casa.

- A-achei que o senhor havia me mandado no trabalho...

- Não fui eu, e espero que tenha sido umas das suas amigas, porque você está muito focada na medicina para namorar, estou correto?

- Sim senhor. Com licença. – engolindo em seco e olhando para o chão, virei-me com certo receio para ir até meu quarto. Tentei andar rápido, mas o mesmo me alcançou. Segurando meu braço, este sussurrou em meu ouvido:

- Se eu pego quem mandou isso, eu mato. E você vai junto. Se estiver saindo com ele, eu vou descobrir.

- Eu não estou vendo ninguém, eu juro! Meu braço ta doendo, solta! – lágrimas desesperadas clamavam por liberdade de meus olhos e as permiti, afinal estas escorreriam por meu rosto mais cedo ou mais tarde. Todavia, ele apenas apertou mais forte e virou meu corpo, dando um soco no lado esquerdo de meu tronco, o que fez com que eu pendesse para frente. Curvei-me, mas ele apenas me puxou e arrumou minha postura. Mais alguns socos vieram em seguida, e assim que a sessão de tortura acabou o homem foi até a cozinha e pegou o motivo de tudo aquilo. Jogou a caixa com força sobre meu estômago, falando algo que não pude compreender. Tonta e enjoada, subi as escadas com dificuldade, o tempo todo sem emitir som algum, porque sabia que se o fizesse apanharia mais. Meu rosto se contorcia a cada movimento e eu podia sentir a pele muito quente nos lugares lesionados, mas me recusei a soltar as flores por um segundo sequer.

O caminho até meu quarto nunca parecera tão longo. Eu estava acostumada a apanhar, mas dessa vez doía mais. Abri a porta com pressa e adentrei meu lugar seguro, logo trancando a porta, jogando as flores de qualquer jeito sobre minha mesa e arrancando a blusa. Prendi os cabelos e fui até o espelho, olhando todas as marcas pelo meu corpo. Um roxo enorme preenchia o lado esquerdo de meu abdome, então apenas chorei. Cada soluço provocava uma pontada, fazendo-me deixar as lágrimas escorrerem silenciosamente.

Andei até o banheiro, ligando a água quente. Enquanto a banheira enchia, abri a gaveta debaixo da pia e tirei uma cartela de Naproxeno Sódico e, mesmo que entre ânsias de vômito, engoli um comprimido com água da pia. Tomei também um Alprazolam porque já sentia uma crise de ansiedade chegando, como todas às vezes. Escondi novamente meus medicamentos e tirei o resto da roupa, entrando em contato com a água quente da banheira. Todo meu corpo relaxou, a dor ia cessando aos poucos.

Após algum tempo, resolvi sair de lá. Tal ato já não era tão difícil devido ao efeito relaxante das pílulas, mas ao ver as marcas, antes roxas, ficarem com um tom azulado e preto, chorei novamente. Fui até minha cama e vesti uma camiseta qualquer e uma calcinha, deitando-me do lado oposto do ferimento. Pensei em Samuel. Se ele estivesse aqui, com certeza entraria na frente e tomaria o dobro de surras que estavam previstas para mim. Falaria para eu correr para meu quarto e trancar a porta. Assim que tudo acabasse, faria nosso toque secreto e eu o deixaria entrar, já com a caixa de primeiros socorros em uma mão e um comprimido na outra.

Assim que partiu, ele me mandou uma mensagem e disse para eu checar sua antiga gaveta, localizada em sua cômoda. Lá estavam muitos CDs e filmes, mas o que mais chamara minha atenção foram as caixas de remédios variados. Em cima de uma delas, um post-it dizia:

Tome quando eu não estiver aqui e lembre-se de mim. Finja que está apenas assistindo, esqueça a dor. Venho te buscar e te levarei para longe assim que eu puder. Sam xx

Sentindo as pálpebras pesarem por entre todo o líquido que caía logo abaixo delas, imaginei meu lindo irmão e mandei muitas preces para o mesmo, desejando que este aparecesse e me levasse embora dentro de seu mini cooper para qualquer lugar senão aquela casa.

***

O som na janela continua. Ando até ela, vendo alguém escalar o cano ao lado desta e entrando em meu quarto. Seu rosto não é visível devido a uma touca, mas vibro ao pensar que verei a face de Romeu pela primeira vez. Sorrindo, tiro seu capuz, revelando meu pai. Este tira uma faca debaixo do casaco e a enfia em meu coração, sem dó ou piedade. Imploro por ajuda.

- A única ajuda que você receberá se encontra embaixo do solo, junto com o Diabo no inferno – diz, pausadamente. Ele está olhando-me de cima, com um quê de superioridade e autoritarismo. Caio no chão, tirando a faca de minha pele e vendo o sangue jorrar. Sinto o ar faltar e tudo ficar muito frio, mentalizando uma Ave Maria. Não seria justo a minha pessoa ser jogada no inferno sem cometer pecado algum, Ele não faria isso comigo. Pude sentir meu crucifixo queimar minha pele e afundar sobre ela, perfurando minha traqueia e acabando com o pouco oxigênio que meus pulmões recebiam.

Abri os olhos, encarando o teto. Eu estava viva. Levei a mão direita até minha cruz, garantindo que a mesma não havia se perdido por entre minhas entranhas. Ao me virar para ver o horário em meu relógio, senti uma dor excruciante tomar meu corpo, e os pensamentos de que tudo fora um sonho ruim deixaram de habitar minha mente. Solucei, gritando por ajuda, não havia ar em meus pulmões. Minha mãe batia na porta do quarto com desespero, mas as pontadas não deixavam qualquer membro de meu corpo funcionar. Apenas fechei os olhos e chorei mais.

De repente, a porta foi escancarada. Virei minha cabeça e vi minha primogênita de olhos arregalados, encostando automaticamente em meu peito desesperado por ar. Tudo ficou turvo, e a dor acabou por um momento. Pude sentir a mulher segurar meu corpo próximo ao seu, chorando e balançando-me freneticamente, mas a única coisa que eu podia fazer naquele momento era concentrar todos os meus músculos no ato de inspirar e expirar. Mesmo com dificuldade, eu resistia. Sonho ou não, eu não morreria. Não daquela vez. De repente, tudo ficou escuro e não pude sentir mais nada.

Welcome to the revolution // a Matty Healy storyOnde histórias criam vida. Descubra agora