O Sonho

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- Foi só um sonho, cara.

A voz de Ana rompeu o silêncio da sala de espera. Estava tão concentrada e perturbada pelos seus pensamentos que deixou escapar sua frustração em voz alta. A secretária, uma mulher por volta de seus 50 anos que deixava bem claro o quanto não gostava do emprego, levantou o olhar por cima da tela do computador, na mesa à sua frente e fez uma cara de desaprovação.

Ana sentiu uma pontada de vergonha, não bastava a cara de sono, agora ainda falava sozinha. Olhou ao redor na pequena recepção e agradeceu mentalmente por ter sido deixada por último para a entrevista de emprego e as outras três cadeiras ao seu lado estarem vazias.

Já era a quinta entrevista do mês e sua confiança para essa era ainda menor do que para as anteriores, mas precisava mais do que nunca do dinheiro. Mas dessa vez era impossível se concentrar, sua mente estava em outro lugar. Sempre tivera sonhos estranhos e alguns, mesmo parecendo às vezes tão reais, nunca tivera uma premonição.

Ana havia acordado cedo, já estava preparada para enfrentar mais um dia pelas ruas da cidade.  Desde que a empresa que trabalhou pelos últimos três anos demitiu grande parte dos funcionários, "é a crise" diziam, Ana passava os dias pulando de entrevistas de emprego a consultas médicas de sua mãe que tratava de um câncer de mama.

Como em todos os dias, sua mãe já havia preparado o café da manhã, apesar da falta de tempo para apreciar, pois já estava atrasada, o ritual do café da manhã era sagrado. Comendo rápido e assistindo o noticiário que passava na tv ligada na cozinha, algo chamou sua atenção. Primeiro o nome "R&R boutique" e na medida em que a repórter ia anunciando a notícia do roubo, Ana sentia seu corpo arrepiar, em algum lugar de sua mente sabia exatamente o que tinha acontecido, esperava ansiosa pelas palavras da repórter na TV como se soubesse o que ela iria dizer.

"Ainda não foi feito o inventario, mas estima-se um prejuízo no valor de cem mil reais!" 

Por mais que tentasse se concentrar na entrevista, sua mente continuava insistindo em vagar para o assalto anunciado na TV, tentando compreender como sabia de tantas coisas sobre o ocorrido, como poderia saber que ocorreu às duas da manhã, não "por volta das três" como anunciavam os jornais? Como poderia saber que foram roubados apenas jóias que estavam no cofre se nada foi mencionado nos jornais?

-Ana Clara Rodrigues, é a sua vez. Ana Clara? Senhorita? - Ana despertou do transe em que se encontrava e encarou o senhor em pé na porta do escritório que se mostrava impaciente, provavelmente por estar chamando pela terceira vez a moça que parecia estar no mundo da lua.

Já no pequeno escritório, observava o homem na sua frente balbuciar e gesticular sem compreender nenhuma palavra

- Me desculpe senhor - Disse se colocando de pé e interrompendo a fala do homem. - Eu preciso muito desse emprego, mas eu não estou em condições de fazer isso hoje. 

"Com licença" Foi tudo que disse enquanto fechava a porta apressadamente e deixava o homem completamente confuso para trás 

Saiu do prédio às pressas e caminhou no meio das pessoas no centro movimentado sem nenhum destino em mente. Parou em uma cafeteria que parecia pouco movimentada, pediu um café e uma água. Pensar sobre o assunto lhe deixava louca, o roubo era assunto em todos os lugares, Ana sentia que precisava precisava falar com alguém e sem pensar muito, retirou o telefone do bolso e discou o segundo número listado nos favoritos.

Não demorou para que Patrícia chegasse até a cafeteria. Ana escolheu uma mesa afastada, não sabia o que contaria para a amiga mas achou que precisaria de privacidade e sabia que discreta não era um palavra que combinava com a amiga.

Colisão de PlanosWhere stories live. Discover now