04 - Yoongi

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   Beber talvez não seja um bom jeito de resolver essa situação. Mas é o único que posso me conceder no momento. A grana tá curta demais para gastar com restaurantes caros e luxos; que costumo fazer quando acontece esse tipo de coisa.
   Sentei em um dos bancos na frente do balcão  e pedi sem hesitar.
   - Qualquer coisa forte, por favor.
   O barista olhou para mim com um sorriso.
   - O que uma moça bonita veio fazer aqui a essa hora?
   Sem paciência, encarei o homem nos olhos.
   - Pedir uma bebida e cuidar dos meus problemas sozinha sem ninguém para me importunar.
   Ele riu.
   - É pra já.
   Com um suspiro, fecho os olhos. Já é a terceira vez que entro em um bar essa semana. Não suporto mais aquela mulher. Toda vez que discutimos, sempre termina de um jeito péssimo. Mas desta vez, pelo menos, ela pareceu um pouco arrependida das coisas que falou.
   Trabalhar com irmã é foda. Ainda mais se ela não é realmente sua irmã. Pois é, ser adotada tem seus prós e contras. Sempre sonhei em ter uma família e esse sonho se realizou quando tinha 13 anos. Recebi muito amor e carinho pelo resto dos anos, e até hoje. Minha relação com Adélia, a irmã, sempre foi ótima, nunca tivemos uma discordância sequer. Isso até decidirmos seguir a mesma profissão. Agora, discutimos quase todos os dias, mas têm aquelas brigas piores. Como hoje. Quando a discussão segue para um caminho pessoal, aí o bicho pega. Claro que eu sempre perco. Ela vem com argumentos tipo "meus pais te bancaram", "você é a irmã postiça", e vários outros, piores.
   - Dois shots de Everclear, prontos para o consumo.
   Abri os olhos, afastando todos os pensamentos, e vi que o barista havia colocado duas doses na minha frente. Suspirei e virei o primeiro.
   - Nossa senhora, moça. Vai com calma. Esse aí é forte mesmo.
Olhei de lado para ele, de um jeito desleixado e crítico.
   Ele percebeu que estava tentando puxar conversar com quem não queria.
   - Com licença. - disse e se afastou.
   Revirei os olhos.
   Girei a segunda dose na mesa.
   - Você não parece ser uma boa companhia.
Olhei para o lado e um garoto havia sentado ao meu lado. Ele usava uma máscara que tampava o parte do rosto e o cabelo cobria um pouco os olhos, então quase não dava para ver sua face. Ele bebericava um liquido verde de um copo alto. Pela decoração da borda eu arriscaria dizer que se tratava de uma batida ou algo parecido.
- Sou uma ótima companhia. Só não estou em um bom momento agora.
Levei o segundo shot à boca mas antes que pudesse virar, o rapaz ao lado me interrompeu novamente.
- Você não deveria estar bebendo isso. É bem forte, então depois dessa segunda dose não vai conseguir nem levantar direito.
Olhei para o líquido transparente no copo e coloquei de volta na mesa.
- Não sou o tipo de pessoa que confia em estranhos. Mas no caso você está me dizendo para não beber, o que não acontece muito. Então vou seguir o seu conselho. - me virei em direção ao barista, que estava do outro lado do balcão. - Por favor! - falei alto para que ouvisse.
- Sim, senhora. - o rapaz veio sorrindo.
- O senhor poderia trocar essa segunda dose? Gostaria de algo um pouco menos forte. Por favor.
- Infelizmente não posso, senhorita. Por que não experimenta mais um vez? Dizem que tudo fica melhor depois da segunda.
O homem na minha frente deu uma piscadela. Dei um sorriso amarelo em troca.
- Meu turno acaba daqui a pouco, poderíamos ir para outro lugar, se quiser.
Eu não acreditei no que ele tinha acabado de falar.
- Desculpa? Que tipo de oferta é essa? Eu pareço uma pessoa dada para você? Está vendo está roupa e este crachá? São três horas da tarde e tenho trabalhos a fazer. Ficaria agradecida de o senhor cuidasse da sua vida e parasse de fazer perguntas assim para garotas que aparecem por aqui.
Podemos concordar que meu tom de voz foi ótimo. Fui grossa com as palavras, somente.
O rapaz riu.
- Vejo que a senhora é uma das difíceis. Ainda ouvindo seus comentários vou manter minha proposta. Quer sair depois, então?
Foi o momento que o sangue ferveu. Eu estava prestes a jogar a bebida na camisa do barista quando o rapaz ao meu lado se pronunciou.
- Você é pago para quê mesmo?
O de máscara apontou para alguém atrás do homem, um cara de terno que estava de braços cruzados olhando diretamente para aquele do lado de dentro do balcão.
Depois de olhar feio para quem estava ao meu lado, o homem se dirigiu a uma porta e, depois do de terno, entrou.
Dei uma olhada para o cara a poucos centímetros de mim e o analisei por alguns segundos.
Os cabelos eram brancos, mas pela raiz, via-se que antes seus fios eram negros. Estava na hora de descolorir de novo.
Ele me olhou de lado.
Virei rapidamente para frente, fingindo não ter o encarado há pouco.
Pigarreei.
Nenhum de nós dois falou sequer uma coisa nos dez minutos seguintes.
- Obrigada... por ter me ajudado com aquele cara. - falei, quebrando o gelo.
Ele riu baixo.
- Não precisa agradecer. Só mandei ele trabalhar, o que deveria estar fazendo ao invés de tentar se aproveitar de alguém. Não é, Bandeirinha?
Arregalei os olhos e me virei para ele. Fazia anos que não ouvia alguém me chamar assim.
   Ele afastou um pouco o cabelo dos olhos e puxou a máscara para baixo, revelando seu rosto. Eu conhecia aqueles olhos.
   - Yoongi?
   Ele riu.
- Quanto tempo, S/N.
Quando eu estava na educação infantil, todo ano fazíamos uma festa com um tema diferente. Em algum ano, o tema escolhido foi bandeiras. Todos encheram a escola de bandeiras de todos os países possíveis. Foram colocadas nas portas das salas, nos banheiros, nas rampas... inclusive em mim. Na minha saia, especificamente. Min Yoongi foi quem teve essa ideia; amarrou uma série de bandeiras penduradas em um barbante em um pedaço da minha saia, com um nó. Andei a escola inteira com bandeiras esvoaçando atrás de mim. Depois daquele dia, todos, inclusive os pais, começaram a me chamar de bandeirinha. Para uma criança de 5 anos fazer isso basta ser um pouco levada.
   Seus olhos deixaram de olhar os meus e se dirigiram para alguma coisa atrás de mim. Olhei para trás e um homem esbelto havia sentado ao meu lado.
   - Oi, tudo bom? - ele sorriu.
   Antes que eu dissesse qualquer coisa, Yoongi pegou no meu pulso.
   - Estamos ótimos, obrigado.
   Ele me puxou para descer do banco e me fez segui-lo, até chegarmos em um lugar mais vazio do bar.
   - Obrigada de novo.
Ele levantou mão, dispensando o agradecimento.
Estávamos perto dos banheiros, então não havia mesas ou cadeiras ali. Acabamos por nos encostar na parede.
Ri da história que Yoongi acabara de contar, sobre uma brincadeira que ele e uns amigos fizeram no ensino médio. Uma brincadeira de bom gosto.
- Você está trabalhando já... No ano das bandeiras, lembro que você era dois anos mais nova. - comentou, olhando pra uma lâmpada cuja luz fraca pairava sobre nós.
- É, faz tempo mesmo. - olhei para ele - Nunca gostei muito do apelido que me deram.
- Mas uma garotinha de 3 anos andando por aí cheia de bandeirinhas, impossível não chamar a atenção. É uma situação engraçada.
Rimos juntos.
Alguns minutos se passaram e continuamos nos observando. Ele piscou algumas vezes e se aproximou um pouco mais, até que nossos ombros se tocaram. Apoiou seu braço na parede, logo acima da minha cabeça e se virou seu corpo na minha direção. Ele estava bem mais alto. Se não me engano, da última vez que o vi, fazia uns bons anos, eu estava quase da altura dele, agora ele deve ser uns vinte centímetros mais alto. Seus olhos não mudaram nada, continuam sendo os olhos de gato que sempre vi. E o vendo assim de perto, ele está um gato mesmo.
Não tive tempo para pensar em outra coisa antes que sentisse os lábios dele pressionando os meus. Aquilo me pegou totalmente de surpresa, então dei quase um pulo quando senti seu toque. O beijo não durou mais que três segundos.
Minha mão estalou ao encontro de sua bochecha. Pus a mão em minha boca.
- Mas que porra foi essa?
A pergunta saiu sem pensar. Me arrependi no momento em que o "mas" ecoou no corredor.
Ele pareceu surpreso com meu tapa. Não foi forte, mas o surpreendeu. Olhou para baixo e depois olhou para mim de novo.
- Eu... - Yoongi começou a falar, mas não deixei ele terminar.
Peguei seu rosto com as mãos e o beijei. Não tive como aguentar.
Ele hesitou no primeiro segundo, mas então devolveu o beijo com rigor, me empurrando na parede.
Separamos nossos rostos, mantendo os corpos colados. A respiração pesada enchia o ambiente.
- Desculpa pelo tapa, foi sem pensar.
Ele sorriu e assentiu com a cabeça.
- Desculpa pela pergunta também. Foi inconveniente.
Mantendo o sorriso, ele me abraçou.
Foi um abraço caloroso, que me acolheu e despertou alguma coisa em mim.
Sorri.
- Podíamos nos encontrar algumas vezes por semana. Faria você esquecer a sua irmã. - comentou.
Franzi a testa.
- Como sabe disso?
- Não vem ao caso.
O cutuquei com o cotovelo. Ele riu.
- Tenho meus contatos.
- Stalker.
- Não sou stalker.
- Stalker.
- Vamos dizer que tenho acompanhado o paradeiro da sua empresa.
- Mas como?
Pareceu que ele ia rir, mas segurou.
- Eu trabalho lá.
- O quê?!
- Vamos sair daqui, depois conto tudo.
Yoongi pegou na minha mão e me puxou.
Atravessamos o bar em direção à porta. A brisa fria do outono esfriou nossos corpos, que seguiram pela rua.

BTS - One ShotsOnde histórias criam vida. Descubra agora