Olá querido leitor e doravante amigo. Quero apresentar-me. Chamo-me tempo. E eu estou aqui não apenas para passar e você me contemplar com olhos tristes enquanto toda a sua vida foge das suas mãos. Quero lhe conduzir num história que pode ter acontecido ou não. Isso não importa. O que importa é conhecermos essas personagens que rechearão o conteúdo desse mundo que chamo de país da loucura. Você pode me questionar quanto a veracidade das informações ou sobre quem exatamente estamos falando. Deixarei com vocês a façanha de compreender o que se passa nessas páginas. Não me preocupo. Eu sigo sem parar. Está sentado? Cinto apertado? Então, começo perguntando a você, que agora tem os olhos presos nessas palavras que vos lhes digo. Do que são feitas as memórias? Antes que possa responder, eu diria que são feitas do sabor de um algodão doce ou do cheiro do orvalho pela manhã. Cada um de vocês, pode falar centenas de milhares de outras coisas que formam uma lembrança. Um toque. Um cheiro. Um sabor. Uma foto. Uma amizade. Qual o sabor de uma amizade e o quanto uma amizade representa na nossa vida? Nessa história, veremos que o peso de uma amizade pode durar por anos. E que nem sempre, o que lembramos, é de fato, o que aconteceu. Essas paredes testemunharam muitas coisas. Aqui, elas ouviram preces mais sinceras que igrejas. Nós, vocês e eu, iremos vislumbrar por uma ultima vez, os acontecimentos desse país das maluquices. Boa viagem. No tempo.
Ele entrou carregando sua amiga. Sua única companheira que o via como ele exatamente era. Sem julgamentos. Sem pena. Sem dó. Sem hipocrisia. Passou pelas portas de madeira envelhecidas e empoeiradas e estacou no meio do aposento. Um quarto, outrora limpo e de lajotas azuis, agora estava coberto por uma camada fina de poeira que se instalou vagarosamente após a negligencia de seus cuidados. Algumas macas atravancavam o caminho, fazendo com que o diminuto aposento fosse ainda mais sufocador. Havia apenas uma unica janela no local, por onde se podia divisar um céu de nuvens repolhudas e brancas e totalmente alheias aos acontecimentos daquele quarto. Ele não sabia como reagir. Havia visto o suficiente para entender o que estava acontecendo.Depositou lentamente a pequena garota de vestido azul rasgado na cama. Seus cabelos, desgrenhados e mal cuidados, caíram-lhe sobre a testa. Uma pequena mexa de cor azul anil, brotava de sua cabeça e contrastava perfeitamente com o restante dos cabelos negros. Ela dormia um sono agitado. Pensamentos conturbados sondavam sua mente fazendo seu frágil corpo estremecer de tempo em tempo. Ele sabia que a protegeria enquanto pudesse estar ali. Porém, algo naquele quarto o incomodava e sabia que isso afligia sua pequena amiga, que agora dormia alheia ao que estava acontecendo. Havia muito tempo que naquele lugar as paredes tinham criado vida. E as vezes escorriam pelas paredes todos os piores sentimentos dos pacientes que ali habitavam. Escorriam como lágrimas de desespero. Pendiam do teto. Das luzes. Estavam entalhadas em cada fresta de cada janela. Essas gotas de desespero podiam andar. Podiam falar. Podiam causar ainda mais sofrimento aos pacientes, muitas vezes inocentes, que gastavam suas vidas enclausurados dentro de uma clinica psiquiátrica. Ele assistiu sem saber o que dizer, quarto gotas se desprenderem das paredes e começarem a vir, sorrateiramente, em direção a ele e sua amiga. Ele abraçou o corpo quente da pequena, tentando de todas as formas protege-la mas sabia que ele nada podia fazer, pois essas gotas, faziam parte dos pensamentos do anjo que agora estava protegido dentro dos seus braços. Sorriu. Um sorriso alucinado. Infantil. Suas mãos dançaram no ar agitando-se tentando, nessa dança maluca, espantar os sentimentos que agora deslizavam lentamente pelo chão, como se fossem cobras peçonhentas prontas a atacar qualquer um desavisado. Ao ver ele agitar-se assim, tentando protege-la, os sentimentos estacaram. Apenas observaram de longe o triste personagem que tentava em vão proteger a mentalidade perturbada da criança da mexa azul, que dormia.
- Se afastem. Se afastem. Vocês não podem afeta-la enquanto eu estiver aqui.
Os sentimentos enfraqueceram ao ouvir aquela voz. Tornaram-se mais liquefeitos e voltaram a ser apenas gotas presas nas entranhas das paredes. Porém, ainda vivos. Esperando o menor sinal de fraqueza para engolfarem novamente a menina. Ele novamente acalmou-se e sorriu. Dessa vez apenas a infantilidade era vista naquele sorriso. Duas lágimas cristalinas brotaram em seus olhos e escorreram por toda a sua face branca. Com a ponta do dedo, ele as limpou. Não importava que sofresse. Não importava que sentisse. O importante era proteger ela. Ela era e seria sua única amiga verdadeira para todo o sempre.
- Ela está bem? - Disse uma voz dentro do quarto.
Ele virou-se e viu-se olhando para uma especie de espelho. Divisou ali outra pessoa, com as mesmas roupas. Os mesmos jeitos. As mesmas manias. Essa pessoa lhe sorria. O chapéu enviesado na cabeça idêntico ao seu. Um pano de cetim azul rodeava a parte de cima do chapéu e caia-lhe sobre as costas, a guisá de um cabelo comprido. Roupas esfarrapadas. Meias compridas demais para um shorts pequeno demais. Um suspensório vermelho segurava-lhe as calças, números maiores que ele. Um par de tênis allstar, desparceirado, protegia-lhe os pés das sujeiras do piso. Seus olhos eram brilhantes. De uma vivacidade única mesmo tendo por trás uma tristeza profunda como se ali pudesse ser visto o mais fundo dos oceanos e suas águas revoltas. Sua boca se abriu e uma voz doce ecoou pelo quarto apertado:
- Por hora sim. Ela logo logo acorda. Os remédios estão fazendo efeito. Mas, e você? - E olhou para seu reflexo.
- Eu? E você? - Respondeu sua imagem com cara de espanto.
- Nós? - Soaram as duas vozes idênticas.
- Essa conversa é maluca demais, até mesmo para mim. - Ele disse, levantando-se e sentando numa das macas quebradas, onde via-se buracos no colchão.
- Vai logo, biruta, antes que ela acorde. - Seu reflexo disse isso, mirando a criança que ali dormia.
Num pulo, ele saiu da maca e foi em direção ao seu reflexo, olhando-o bem profundamente nos olhos.
- Promete que vai cuidar dela? - E seus olhos brilharam de esperança. Podia-se ouvir as notas do mais puro amor, saindo daquela boca que sorria na esperança de que seu reflexo iria cuidar de sua amiga.
- Você prometeu isso a ela. - Respondeu seu reflexo, igualmente sorrindo.
- Eu prometi? - Repetiu o chapeleiro. - Se eu prometi, então eu cuido. - Tchau. - E respondeu saindo por uma das portas do lugar.
Seu reflexo ficou olhando a porta vagarosamente encostar no batente, e com passos vacilantes, aproximou-se da maca onde sua amiga dormia. Sua voz, mais doce que a anterior, entoou uma cantiga infantil, que reverberou por toda a estrutura do prédio, trazendo paz para a menina de cabe
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Alice, um conto sem fadas...
Fantasy"Alice, um conto sem fadas...", quebra toda a fantasia delicada de um texto extremamente conhecido. Juntos, quebraremos o conceito de lembrança versus tempo. Alice, irá visitar seu passado e encontrar traumas e boas lembranças que estavam esquecidos...