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Os passos são dissimulados no escuro, tateiam os sentidos que se debatem quando os dois lábios furtivos percorrem a trilha que é feita nos tropeços dos primeiros amores e que para sempre se procura nos outros lábios, e em outros corpos, principalmente no amor sem amor. Perpassam um pelo outro os calores fugidios dos dedos que se dobram sobre si mesmo e os dois corpos se unem como se fossem uma única matéria no ausente, a trilha do escuro é mais triste, as vezes com a inocência no âmago, dois dedos penetram dois séculos de escravidão, e rebentam o laço úmido da imaginação, ele é enlaçado pela nuca tirando o sutiã sem pressa, ela se veste com a jaqueta de jornalista, ele coloca a camisinha receoso, ela tem receio do receio dele. Ambos não tem nomes, não tem identidade, na nudez nada são, só um monte de sentidos desvairado correndo diante dos olhos dos dois, os dois destinos se olham com medo de ser um só, os dois são trouxa a prosa é porca, a calcinha roça úmida no colo rígido, os olhos em ruínas esparramados por todo o chão olham os bicos dos peitos pulando, ela geme sem escolha e enquanto arranha as costas, ele pensa na efemeridade do momento, amanhã o destino se estilhaça sobre os dois na rodoviária, o destino todo repousa naquela estrada, já são encontrado o conforto e a seriedade das brincadeiras da infância, retorcendo-se de dor e de saudade ele finge que está tudo bem, é um fragmento na luz da manhã, no rádio toca Secos & Molhados, desde então nunca mais se tocou no rádio. Mas tudo vacilou, assim como os sonhos passam como sombras na alma durante o horizonte do sono, uma memória atrapalha o caminho, o caminho atrapalha a memória, o empreendimento atrapalha o futuro da humanidade, deslizar em uma memória é um perigo fatal, é estar diante um enigma sem solução, é um crime poder viver apenas uma vez, nada é para sempre, e para sempre é perigoso no presente tirar uma lembrança no molho denso do passado, Agora ele está estirado no palco onde se descortina a psique, deitado na cama segue o cheiro do perfume de café dela que ainda está contido no ausente, é no ausente que se oculta as maiores tristeza, desentranhar o futuro num nó é se auto-destruir, se martirizar diante de si, ele que agora está a 47 dias a mercê de si e suas memórias sequeladas e dilatadas, não entende que é com urgência que precisa revelar o enigma que forjou seu próprio espaço na historia do mundo, dela não se tem mais noticias, mas só as viagens solitárias pelos sentidos são permitidas. O que restou foram impressões que o instante deixa no corpo, pela janela passa o vento e a luz crepuscular se reparte pelo quarto alongando-se ao seu corpo, ele se da conta da memória que tragou sem querer e o faz soluçar na atmosfera abafada do quarto, mas no presente passado e futuro se convergem, esbarram-se com força sem nenhuma perspectiva de futuro. O destino as vezes se esbarra num tropeço vacilante, muitas vezes ainda nos passos incertos da juventude e deixando sequelas e cicatrizes profundas como estrias no frágil tecido elástico que compõem o corpo das memórias.

Ainda que distante o dia, iriam se casar abaixo de uma grande arvore, e trocar olhares furtivos e alianças de caramelo na leve garoa das promessas, embora avessos às cerimônias e ritos de passagem, o fariam, selariam para sempre sua união teriam uma casa, profissões e esqueceriam da revolução do proletariado e lembrariam dela como uma transgressão juvenil, viveriam num reflexo ilusório de felicidade, parcelando em doses de ansiedade a alegria, assim como seus bens e riqueza, os mecanismos de repressão social se vestiriam de cultura e hábitos, a violência será toda neural, o que é reconfortante a quem se perde em abstrações filosóficas, como permanecer sempre bom, justo, coeso e igualitário em uma sociedade permeada de caos e jogos estéticos de poder?, Ainda tem a depressão que é um dos elementos que os unem, que os manterá para sempre um sendo o eterno devedor do outro, ambos estão viciados e acomodados pela companhia do outro, a pessoas que se viciam em pessoas, até o romper do vicio é um artifício repressor dos jogos de poder entre os dois, uma vez que nessa relação, quem menos interesse tem mais poder sobre o outro, sobre seu corpo e alma o ser é soberano, e quanto mais controle tiver sobre seus instintos, mais controle terá de seu parceiro. Essa condição também se estende aos que compõem os comboios de almas que circulam pelas ruas movimentadas, com o coração sempre ferido e sempre seguindo, marchando em frente sempre trocando de pessoa, o que gera um certo equilíbrio social e um controle altamente eficaz de impotência social, a repressão é flexível o bastante para ser o que ela quiser, desde as desventuras do amor que se idealizada entre a classe média, até a flagelação institucionalizada e vendida como barganha. A liberdade é um conceito, e uma construção histórica, tem diversos significados de acordo com as temporalidades e realidades em que ela se insere, pra ele liberdade representava pensar nisso tudo, pensar em se casar, e viver a história que se debruça a eternidade, tecer uma fantasia romântica de valores e nuances leves inocente e proseada na melhor maneira que conseguir. O único problema é que não era mais recíproco o desejo de ser um do outro e de mais ninguém, o futuro não é mais como era antigamente, e após alguns anos do seu desfecho ele a procurou e disse: -Olá tudo bem? -Oioi, vou indo na medida do possível -Ah entendo – sempre dizia entendo, mas na realidade não a entendia e isso não importava muito também. -O que fez você voltara falar comigo? -Falta de amor próprio -Ah, ainda nisso, desculpa mas é problema seu se você está carente, não pode voltar assim do nada e depois ir embora. -Você ainda namora? -Terminamos e mas eu não consigo entender. – Ela só responde com o mínimo de educação pelo simples fato de ser uma pessoa solitária, assombrada por uma tragédia familiar, o carinho que criou por ele nasceu da necessidade de mante-lo nem que seja o mínimo necessário para ter com quem conversar, seus novos amigos não ostentavam forças para compreendê-la em suas abstrações, apesar que ela já decidira largar elas. -Não tenho sinceridade nenhuma para te dar, mas ainda se lembra do que vivemos, por que não podemos voltar e tentar fazer diferente, se sempre voltamos a nos cruzar com o coração cheio de magoas, não será um recado do destino? -Como eu posso me matar sem sentir dor? -Por que quer morrer? -Por que eu não aguento mais isso, você é um fantasma que me percorre e me impede e que eu continue com a minha vida, não entende que você me machuca, você sempre me trocou quando podia, não só você, todo mundo me diz que eu sou incrível e blablabla, mas ninguém nunca quer ficar comigo, eu não aguento mais isso, o que eu vivi? Era tão bom dormir por que vivo sempre cansada, sempre na teia de outras pessoas, ninguém nunca me defende, e sempre me sinto solitária, você é o único que me entende, mas acho que é só por suas necessidades, por favor me deixa em paz, você é cheio de problemas! -Eu não tenho problemas, tenho só mistérios! -VAI SE FODER! – disse ela ainda em capslock! -Então é isso? Tudo está acabado? - Eu não sei... Ele sem resposta tenta subverter a realidade, deforma-la o máximo que puder para que ela se torne confortável, mas é difícil deformar a realidade quando se está consciente de tudo. -Uma coisa é certa essa história não sei como ira acabar e nem do que ira se suscitar desses desdobramentos – disse, mas é difícil saber quem é que foi que disse, um conto é o que o autor quer que ele seja, mas quando de frente a realidade e as múltiplas tramas da vidas ainda se cruzam fica difícil onde irá acabar, melhor tragamos o tédio enquanto não temos emprego, quando tivermos a história será outra ok? -Também acho melhor assim. -Eu não concordo – Ele disse protestando por que tem muito fogo e uma vida sem sexo será muito difícil. Mas sendo assim, é dois contra um, e afinal o conhecimento na terra só são sombras. Ficaríamos até o fim da aurora dos dias se fosse para discorrermos sobre os problemas do eterno drama que são às relações humanas, mais ainda ficaríamos se fosse para analisar o quão danificada se tornam a grande e complexa rede de tecidos sociais, que paradoxalmente estão intrínsecos numa ordem, ilógica e absurda. Digo isto pois quando na juventude vemos as nuances das orbitas e descaminhos daqueles que nos cercam, e acreditamos piamente que as tragédias de outrem já nos ensina qual nefasta é a vida, e que jamais nos ira ocorrer.

Ensaio sobre a memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora