Parte 2 - Não brinque com a cozinheira

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A corrente de ar acariciava seu rosto fazendo quase como se estivesse voando. Não pode deixar de abrir um sorriso ao ver as casas ficarem cada vez mais aumentarem de tamanho. Janelas e sacadas passavam rapidamente pelo seu campo de visão dando-lhe a certeza que ninguém conseguiria vê-lo cair, porém a ideia de ver alguém assustado por conta disso o alegrava. Infelizmente não podia divagando para sempre.
Um rápido relance com seus olhos e Gumpo encontrava-se, após desaparecer em uma nuvem roxa, no lugar que havia encarado. O brilho roxo ainda permanecia em volta de sua íris, mas ele em um lugar diferente. Segurou-se em uma janela próxima do chão e então soltou-se. Ao cair no chão, rolou e voltou a ficar de pé.
"Nunca vou me cansar disso..."
A sensação de desafiar o impossível, o incrível poder de alterar a realidade. Todos os seus fios ficavam eriçados com toda a energia que percorria o seu corpo. Sentia-se exatamente como a primeira vez que havia estalado.
No entanto, certa apreensão não ia embora.
"O que poderia estar acontecendo essa hora noite? Talvez, pela manhã, venha a descobrir. Por hora, irei para meus aposentos." Indagou consigo mesmo enquanto alongava seus braços. Aparentemente o cansaço noturno havia conseguido lhe alcançar.
Esgueirou-se por uma porta que havia deixado entre aberta e seguiu por um corredor tão largo que poderia se passar uma carroça. Chegou enfim na cozinha real, repleta de caldeirões e lareiras para as mais diversas iguarias. Estava com todas as tochas apagadas e, devido às altas horas da noite, completamente vazia. Havia outras três portas dentro do local, uma levaria até uma adega, outra até a despensa e a última lhe encaminhará até o grandioso salão de festas reais.
O silêncio da noite foi interrompido com o suave roncar de uma barriga.
Bumpo havia esquecido que não alimentou-se fazia horas, decidiu então juntar o útil ao agradável. Caminhou até a despensa e procurou algo que satisfizesse sua fome animalesca. "Um pouco de carne seca, queijo e vinho. Isso deve bastar" Pensou consigo mesmo enquanto procurava por um lugar para estalar.
Uma neblina roxa começou a circundá-lo rapidamente e, cravando sua visão na mesa mais próxima, desapareceu. Momentos depois, em menos de alguns segundos, surgiu ao lado de uma cadeira envolto também na característica nuvem e com os olhos brilhando. Era quase como um solavanco, mas depois de tanto realizar acabou acostumando-se.
Uma suspiro pesado e repleto de medo foi ouvida vindo diretamente de uma das outras portas.
O coração do bobo da corte parou por alguns segundos. Alguém deve ter visto ele surgir no meio do nada. Um erro básico para qualquer pessoa que estala.
— Bum-Bumpo...O-O que?! Vo-Você? — Mesmo estando em pânico, notava-se que era uma voz feminina.
— Nyv?! O que está fazendo aqui essa hora? Acalme-se! — Exclamou ao ver sua amiga com os olhos arregalados, sem acreditar no que tinha acabado de presenciar. — Nyvianna! Acalme-se! — Foi até ela e olhou diretamente em seus olhos.
— Mas como? — Seus olhos azuis eram uma imensidão de dúvidas. Seus músculos estavam tensos e sua respiração muito pesada. Em meio a todo o caos encontrou a convicção para realizar esta única pergunta.
— De que outra maneira?! Magia, é claro! — Voltou a rir consigo.
— M-Magia ..?! — Um de seus pés deslocaram para trás, estava extremamente receosa quanto a quem encontrava-se em sua frente.
— Respire fundo, eu irei lhe explicar tudo. Diga-me, antes disso, o que veio fazer aqui?! Essa hora tudo fica vazio aqui. — Sua voz era grave, mas acariciava os sentidos de quem ouvia.
— A Mantenedora me acordou e mandou eu vir realizar alguma coisa para o conselho comer, junto à uma jarra de vinho. Pelo que entendi eles estão indo participar de uma reunião agora... — O receio ainda não sumia de seus olhos.
— Essa hora?! — Bumpo afastou-se um pouco, talvez isso traria conforto a sua amiga confusa.
— Bumpo! Não tente trocar de assunto! O que foi tudo isso?! Magia?! Isso ao menos é real?! — Seu senso de segurança aumentou e, com ele, as dúvidas começaram a tornar forma de frases.
O bobo da corte suspirou.
— Minha amiga, desde quando sua imaginação ficou tão fraca? Essa vida cozinhando no castelo realmente não lhe faz bem. É claro que magia existe, ela só é difícil de encontrar.
— Mas como?!
— Isso nem ao menos eu sei direito. Certas coisas na vida são naturalmente estranhas. — Riu consigo mesmo, como se tivesse contado uma piada que somente ele conhecia. — Deixe-me lhe contar uma coisa... — Piscou e então o brilho em seus olhos surgiu. A nuvem nos mais diversos tons de roxo apareceu e então estalou mais uma vez com um sorriso no rosto, aparecendo atrás de Nyv. — A magia é real.
Enquanto gritava, Nyvianna virou rapidamente projetando um soco na face de seu amigo. "Seus reflexos ainda estão ótimos, droga!", Pensou Bumpo, enquanto sentia um pouco de sangue escorrer até seus lábios.
— Por que um soco?! Qual a necessidade disso?! — Bumpo esbravejou enquanto ia até a mesa limpar o sangue com um pano que fora jogado ali por cima.
— Não faça mais isso! Eu me assustei, oras. — Lentamente começou a aproximar-se. Não conseguia acreditar que depois de todos esses anos descobriu que a magia realmente existia. Uma estranha mistura de medo e excitação borbulhava pelo seu corpo, como se estivesse na beirada de um precipício.
— Você é uma das poucas pessoas que conheço que reagem ao medo com um soco!", Igual a uma criança birrenta, arremessou a toalha ensanguentada na atordoada mulher, que aproximava-se cada vez mais.
— Mas como?! Isso não faz o menor sentido! Magia? Como você a usa? — Ignorou a frase e o arremesso de toalha, sua curiosidade era muito maior.
— Quando visitei minha terra natal, bem ao leste, próximo a todas as cordilheiras de lama.
— O que aconteceu lá?!
— Bem... — Quando iria começar a explicar, algo interrompeu.
O som de passos apressados ecoavam pelo corredor até chegar nos seus ouvidos. O bobo, instantaneamente, parou de falar e olhou para Nyv. — Eu não estive aqui! — Estalou mais uma vez para a adega de vinhos. Agradeceu a si mesmo por ter deixado esta porta entreaberta.
Nyv, completamente extasiada por tudo que ocorreu ali, buscou onde seu amigo poderia estar. Sem sucesso.
Não tinha tempo pra isso.
Saiu correndo para a forno mais próximo e começou a colocar lenhas. Sabia que já deveria estar com os pratos em andamento, mas a conversa foi um imprevisto e tanto. "Talvez até mesmo algo bom, não é mesmo? Magia existe! Isso é incrível!" Esse e outros pensamentos de ódio por Bumpo a colocar em uma possível confusão cresciam em sua mente como num pé de feijão.
— Nyvianna! Onde estão os pratos que solicitei?! — Uma mulher grande, forte e corpulenta estourou pela porta da cozinha. Trajava uma túnica vermelha, claramente pequena para seu corpo, e uma luva de couro em sua mão direita.
— Mantenedora, muito boa noite! Infelizmente, algumas toras estavam úmidas e demorei um pouco mais de tempo para começar a cozinhar. — Sorriu forçadamente, ficou feliz por conseguir criar uma mentira tão facilmente.
O olhar da Mantenedora cortava mais que qualquer espada do castelo. Bardos contam histórias sobre ela ser uma torturadora profissional para o antigo rei, mas após a sua morte alguns anos atrás decidiu parar com essa linha de trabalho. No entanto, existem histórias que afirmam ela ser um troca-peles. Ninguém conhece muito sobre o seu passado.
A mulher olhou por vários segundos para Nyv e depois para todo o aposento. Ela começou a caminhar e, ao ficar na frente da mesa, virou-se para a cozinheira.
— Algo não está certo aqui... — Olhava para todos os lados, mas terminou com seu olhar incisivo em Nyv. No momento em que a Mantenedora virou-se para a entrada principal, Bumpo surgiu atrás da Mantenedora.
Os olhos de Nyv arregalaram em medo. "E se ela lhe ouvir?! Idiota!" Mas nada pode fazer a não ser torcer pelo melhor e evitar que a grande mulher olhasse para trás.
— Mantenedora? Está tudo bem?— Tentando chamar a atenção, amenizar as chances dela ver o bobo nada cortês. — Aposto que a senhora está com sono.
— Acho que quem está sonolenta aqui é você, garota! Que insolência é essa?! — A mulher continuou olhando para o quarto e foi até a adega. Neste momento, Bumpo fingiu vir correndo pelo corredor e chegou, forçadamente, fingindo estar esbaforido. — Bufão?! Só me faltava essa agora! O que diabos está fazendo aqui?!
— Olá, Senhora Mantenedora! Pelo visto seu charme não mudou nem um pouco com a luz da lua ou será que não pode parar para apreciá-la?
— Uma insolência atrás de outra, totalmente inadmissível! Falarei com a rainha sobre isso, tenha certeza disso! — Respirou fundo e limpou seus olhos do cansaço. — Nyvanna! Trate de acelerar isso tudo!
— Sim, senhora. Agora mesmo! — Virou para trás, mas não pode deixar de deixar escapar um sorriso. Bumpo é um bobo mesmo, tinha sorte de ter um amigo tão doido quanto ele.
— Quanto a você, Siddartha Bumpo, diga-me qual o motivo por trás de sua chegada inesperada aqui?! — Batia seus pés sem cessar. Tinha outros locais para estar e não queria outro problema em suas mãos.
— Eu? Ah sim, claro! Bem, acordei no meio de toda essa confusão e ouvi que o capitão naval estava lhe procurando e prometi que lhe encontraria. Um bobo faz o que pode, sabe como é.
— Saia de minha frente! — Empurrou Bumpo para o lado e passou rapidamente por ele falando ofensas que ecoavam pelo corredor.
Os dois amigos ficaram sozinhos na cozinha rindo consigo mesmos. Bumpo decidiu ajudá-la no que podia, mesmo não sabendo cozinhar corretamente. Não tocaram no assunto da magia ou sobre o que estaria acontecendo no castelo, decidiram somente aproveitar o raro momento em que sua amizade não era julgada pelos outros.
Lentamente, lembravam-se de quando eram crianças e brincavam nas ruas ensolaradas de sua cidade costeira. Até o momento que perceberam que estavam atrasados. Neste ponto, Bumpo disse até logo para sua amiga e partiu para seu quarto pobre e empoeirado. Precisava descansar. Sentia que o próximo dia seria muito cansativo. No entanto, antes de sair pelo corredor, ouviu sua amiga lhe chamar.
— Amanhã você vai me explicar sobre tudo que está acontecendo, ok? Tudo! Incluindo os olhos roxos e as confusões que você pode me meter por isso, estamos entendidos?
— Claro, claro! — Ria abriu seu sorriso bobalhão e saiu cantarolando uma música de alegria. Uma música para tempos de paz. Uma música feita em uma época que somente o momento importava.
Mal ele sabia que os tempos estavam mudando e essa música não seria mais tocada tão facilmente por bardos e bobos pela terra.

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⏰ Last updated: Aug 02, 2018 ⏰

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A Tarefa de um ToloWhere stories live. Discover now