Ilusões
- Hanna desça! O jantar já está pronto.- disse minha mãe.
- Ok! Estou descendo.- respondiDesci as escadas e a encontrei debruçada sobre o balcão da cozinha decorando mais uma das suas tortas veganas de abobrinha e berinjela.
- Mamãe tem outra coisa para comer não?- disse. - Isso é o que tem de melhor para comer - ela argumentou.Depois de muitos anos comendo a mesma comida já era para ter me acostumado com as comidas "saudáveis" da minha mãe, mas quem consegue comer sanduíche de tofu e torta de abobora com mel todo dia de manhã?. - Aconteceu algo de bom na escola hoje ?.- perguntou ela.
- Na verdade não.- menti para ela, enquanto a observava sentada do outro lado da mesa de jantar.Amália North era uma mulher jovem de trinta e poucos anos e possuía o que muitos diriam ser uma beleza singular. Os olhos esverdeados, os longos cabelos castanhos e uma silhueta esguia, faziam com que ela fugisse dos padrões impostos a maioria das mães de família da nossa cidade, muitos até diziam que ela era jovem demais para ser mãe de uma adolescente. No entanto, esta noite ela parecia alheia a todas essas características, vestida em seu moletom habitual e com um coque mal feito no alto da cabeça.
Depois de lavar os pratos, subi para meu quarto afim de terminar os últimos parágrafos do meu trabalho de redação para a escola. Nunca fui o que se pode considerar uma excelente aluna, mas minhas notas eram medianas, levando-se em conta que eu possuía TDAH ( Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade ). Já passava da meia noite quando meu telefone tocou, era meu amigo Christopher preocupado com meu pequeno episódio alucinógeno durante a aula.
- O que houve mais cedo?- perguntou ele.- Parecia que você tinha visto uma assombração.
- Eu não sei. – respondi. – Pensei ter visto algo mas deve ser só meu TDAH.
- Não sei não Han. Você me assustou bastante. Fiquei uns 20 minutos te chamando até você notar.
- Desculpa Cris. Não precisa se preocupar porque eu estou bem. Vou dormir, e amanhã a gente se vê.- desliguei o telefone antes que ele percebesse a angustia no tom da minha voz.Christopher Wills era meu melhor amigo desde que a gente tinha dez anos de idade, ele sabia mais sobre mim do que qualquer pessoa, há muitos anos fizemos um pacto de nunca mentir um para o outro não importando a situação. Porém, no momento em que vislumbrei aquela figura fúnebre me observando do gramado soube que não poderia contar nada para ninguém, principalmente para as pessoas que eu amava, pois precisava protegê-las do que quer que fosse aquilo.
Naquela mesma noite sonhei com uma mulher de branco que chorava em meio as ruínas de um castelo incendiado e acalentava seu bebê dizendo-lhe " te amo meu amor, nunca se esqueça o que você é e volte para nós um dia."
Acordei pela manhã com lágrimas nos olhos, uma sensação de angústia no peito e um sentimento de perda que não sabia como explicar. Será que enlouqueci de vez? -perguntei-me dê frente ao espelho observando de volta o reflexo de uma menina magricela, de grandes olhos verdes, cabelos castanhos ondulados que caiam até sua cintura, lábios carnudos e pernas que pareciam grandes demais em relação ao resto do corpo.
Minha mãe sempre dizia que um dia todas essas características iriam se harmonizar e eu iria me transformar em uma bela mulher. No entanto, a realidade me fazia acreditar que jamais me ajustaria aos supostos padrões de beleza da sociedade pois no auge dos meus dezesseis anos eu nunca fora objeto da afeição e admiração de nenhum menino, o que era considerado estranho pelas outras meninas da minha idade porque qualquer menina que fosse razoavelmente bonita tinha alguém a quem pudesse amar.
Depois de uma semana de volta a minha rotina normal, sem ter nenhum sonho esquisito ou ver alguma alucinação, estava começando a me acostumar novamente com minha vida enfadonha, quando de repente o corredor da escola que antes estava cheio de alunos alegres silenciou-se e escureceu e uma voz aterrorizante e sombria soou aos meus ouvidos "venha até mim minha criança", " venha", "venha", " estamos te aguardando", imediatamente uma dor latejante atingiu o meu peito e eu cai de joelhos agarrando o tórax na esperança de proteger meu coração e cerrando os olhos para não ver a figura obscura que me observava das sombras. Quando abri os olhos novamente vi que todos me olhavam enquanto eu estava sentada no chão do corredor, trêmula e com lágrimas nos olhos pelo que acabara de ocorrer. Alguns minutos depois fui levada até a sala do psicólogo estudantil para me acalmar e recompor os sentidos.- Você está bem querida? Perguntou o Sr. Maurizio , um homem de meia idade, de barba branca e aspecto bondoso que prestava auxílio psicológico para os alunos daquela escola.
-Estou melhor Sr. Não sei o que houve, tive um mal estar súbito sem qualquer explicação aparente.- menti para o mesmo na esperança de não deixar transparecer o quão assustada eu realmente estava.
O psicólogo recomendo que eu procurasse um médico caso me sentisse mal novamente e liberou-me para ir para casa. Entretanto, estava assustada demais para voltar sozinha então pedi que meu amigo Cris fosse comigo e me fizesse companhia pelo restante da tarde até que minha mãe voltasse do trabalho.
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O Legado
General FictionSentada em sua cadeira costumeira e perdida em seus pensamentos, Hanna North observava da janela de sua sala de aula o imenso gramado a sua frente, até que o viu, coberto por uma capa preta e parado bem no meio do campo observando-a estava o homem m...