Este conto começa como qualquer outro que você conhece, dentro de uma taverna aconchegante no meio de uma noite calma até demais. A fachada deste estabelecimentos fora remendado tantas vezes que o dono, um homem velho com somente uma perna, perdeu a conta. Farpas saiam para fora e placas de madeira brigavam por espaço. Em cima do aro de madeira, um letreiro podia ser visto. Um letreiro esculpido a mão por uma das crianças do vilarejo. Lia-se Berna, afinal de contas crianças esfomeadas comem até mesmo letras.
O vento frio que assobiava de dentro da grandiosa Floresta Central serpenteava pelos becos e casas da pequena vila, agora totalmente destruída por eventos do passado. Casas de pedra, madeira e palha encontravam-se em ruína. Sem nenhuma maldita luz, exceto aquelas de dentro da fortaleza ou da taverna.
Uma mulher de cabelos negros como a noite, os quais a permitiam esconder-se tão facilmente, tocava em uma cicatriz disposta em seu ombro e pensava consigo mesma o que poderia ter acontecido. Não fazia nem mesmo uma semana que sairá para auxiliar um fazendeiro a lidar contra um grupo de ladrões. Aceitou o fato que o único lugar que poderia ir era a taverna no final da rua.
"Vamos, Risada!". Sua voz, que antes estava em um constante estado de calmaria, agora mostrava sinais concretos de apreensão. "Temos que descobrir o que está acontecendo!"
Ao seu lado, uma besta lupina de proporções gigantescas caminhava com as garras para fora enquanto bufava. Algumas partes de seu pelo haviam sido cortadas e davam espaço a cicatrizes maiores que a de sua dona. Os músculos, o tempo todo tencionados, mostravam o poderio da mãe natureza e o quão selvagem ela é. Porém, amigável com sua dona e companheira.
Tentando esgueirar-se da melhor maneira possível, a mulher começou a abrir caminho pela vila que viveu sua vida toda. Memórias foram transformada em ruínas por alguma coisa, mas o momento para liberar fúria não era este. Tocou no símbolo de sua família que fora queimado no couro da armadura e ganhou a força para continuar.
Começou a ouvir som de uma casa próxima sendo revirada por alguma coisa. Somente grunhido e reclamações podiam ser ouvidas. Seu olhar encontrou com a de Risada e a grandiosa loba acenou com a cabeça e começou a circundar o local, estavam acostumadas com a estratégia de batalha.
"Humanos estúpidos! Estão sempre escondendo suas coisas brilhantes!". A voz que vinha de dentro da casa era esganiçada e irritante, quase como a de uma criança que não para de reclamar. "Precisamos achar coisas que brilham e rápido, estão entendendo?!"
Essa frase fora seguida por uma série de confirmações, talvez três ou quatro. Apesar de incrivelmente similares, com um ouvido treinado, era possível distinguir cada uma delas. A mulher não deu tempo para que a conversa continuasse, realizou um assobio alto e ouviu sua fiel companheira pulando por uma das janelas de madeira enquanto rolava pela frágil porta que facilmente transformou-se em estilhaços.
O cheiro de sangue e sujeira circundava todo o local, a mulher precisou rapidamente tapar as narinas com o seu cachecol verde. Ainda assim, a companheira animal penetrava seus dentes afiados no pescoço das criaturinha humanóide enquanto a mulher puxava de sua cintura duas pequenas bestas e acertava outros dois.
Um deles, porém, teve o ímpeto para conseguir puxar uma pequena adaga e tentar realizar um corte próximo às costelas da mulher, a qual facilmente jogou-se contra a parede mais próxima desviando do ataque.
"Humana estúpida! Gulk fará você se arrepender de atacá-lo!". Neste momento, enquanto a fraca luz do luar iluminava parcialmente seu rosto, fora possível notar do que se tratava. Uma criatura de pele acinzentada, olhos completamente amarelos e sem íris e trajando pedaços do que antigamente deveria ter sido uma armadura de couro. Era minúsculo, mas tinha dentes protuberantes e dedos alongados com unhas tão pontudas quanto uma agulha. "Gulk mostrará seu valor! Pela glória do rei!"
Ao dizer isso, quase como se uma pulsão de energia passasse pelo corpo dos outros humanóides, todos começaram a revidar. Um deles, aquele que estava na boca de Risada, arranhou o máximo que pode o olho da pobre loba até que se libertasse. Enquanto isso, os outros dois, quebraram os virotes e pularam enquanto seguravam-se no pêlo grosso e cinza.
A loba, perdendo a noção do espaço em sua volta, acabou sendo guiada contra uma mesa. Ao cair no chão junto com as outras duas criaturinhas feridas, sentiu uma adaga acertar uma de suas patas dianteiras. Um uivo de dor ecoou pela noite, enquanto a criatura acinzentada botava a mão na ferida feita pelos dentes de Risada. Levantava sua mão e agradecia ao seu rei por ter lhe dado a força necessária para aguentar todas essas provações.
Mal ele sabia que não deveria ter feito isso.
A mulher levantou uma de suas bestas e mirou outro virote certeiro bem na cabeça da criatura que sentiu a ponta de madeira perfurar sua garganta e começou a afogar-se em seu próprio sangue.
Usando os poucos momentos que tinha, aproveitou para rolar próximo de sua fiel companheira e atirou com sua segunda besta bem no peito de um dos humanóides que estava no chão. Ouviu o som de metal contra a madeira e ficou feliz por ter decidido mover-se, pois Gulk realizou uma investida que a teria acertado em cheio.
"Humana, humana! Trégua!". Gritou Gulk ao perceber que dois de seus aliados estavam mortos e que um deles estava falhando em desviar de uma mordida feita pela loba gigantesca. O silêncio voltou a reinar logo após o último humanóide ser jogado em uma área não iluminada do quarto.
Apesar de estar com uma de suas quatro patas mancando, as feições ameaçadoras e banhadas de sangue, facilmente fez Gulk recuar alguns passos para trás enquanto levantava suas mãos e deixava sua adaga cair no chão. Risada ficou ao lado da mulher, a qual botou um virote e apontou na direção do pequenino.
"Diga-me, por que não deveria matá-lo neste exato momento? Qual o motivo que te faz tão valioso ao ponto de ignorar o fato que estava tramando agora pouco?". Podia ver o medo de Gulk em suas mãos trêmulas e na tensão que o obrigava a trincar seus dentes. Sabia que estava tentando ganhar tempo e que na primeira oportunidade iria correr para a escuridão da noite. No entanto, tinha a noção de outra coisa que Gulk não sabia. Estava sentindo o leve cheiro de lírios brancos em meio aquele furacão de odores. "O que você me diz?"
"H-Humana...". Antes mesmo de finalizar a frase, virou-se e começou a correr em direção da porta. Quando passou pelo aro de madeira e notou que não corriam atrás dele, abriu um sorriso. "Jamais acabarão com, O Terrível, Gulk!"
A mulher simplesmente assobiou enquanto acariciava Risada. O som ecoou e chegou nos ouvidos de alguém. Alguém que estava ali o tempo todo vendo o que sua velha amiga estava fazendo naquela noite fria. Surgindo no meio da rua, quase como se realidade fosse uma capa que lhe permitisse esconder-se, um velho homem de aparência cansada tornou-se visível bem em frente ao surpreso humanóide. Empunhava uma espada curta e com ela realizou um corte poderoso no meio do peito de Gulk que começou a sangrar até morrer. No entanto, antes disso acontecer ouviu uma frase.
"Terrível mesmo, sabia disso? Daqueles de sua raça, você sem dúvida é o pior de todos. Onde já se viu sair correndo pela rua desse jeito?!". O som da fivela de couro em sua cintura abraçando a espada curta com um movimento rápido ecoou na mente do humanóide. "Lilianna, desde quando se fazem inimigos tão terrivelmente fracos como este?"
"Realmente, não faço ideia. Só sei que você chama atenção demais, sabia que você estava próximo faz tempo!" A mulher sorriu e disse as últimas palavras que Gulk ouvirá antes de morrer, seguido por um longo uivo que demarcava uma vitória.
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A Força da Minoria
FantasyDiante de uma situação inesperada, uma caçadora e sua fiel companheira de batalha, encontram a necessidade de mudar e salvar a pequena de uma vila fortificada que viveu a vida inteira de uma infestação grotesca de criaturas corrompidas. No entanto...