1 - Parte 2

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O loft que Miguel conseguiu para mim, localiza-se praticamente ao lado da Mazza Undertaking. O espaço é amplo, mobilhado. As escadarias que levam ao segundo andar é centralizada no meio da sala, em um formato perfeito de caracol. Na sala, há uma cozinha conjugada, com um balcão para as refeições. Admirei muito o sofá de duas peças reclináveis em frente a estante com uma TV de plasma e uma bancada com alguns bibelôs como enfeite. Não ligo para a decoração, só preciso de um banho e me sentir, mesmo que por um instante, um pouco de paz. Embora saiba que momentos de paz agora, não combinam com a situação em que me encontro.

Preparo um banho na hidromassagem para que possa me sentir um pouco mais relaxado. "Afogo" o meu corpo até a metade do meu pescoço, e passo a flutuar sobre a água, deixando com que a paz me envolva de modo que jamais seria possível.

O silêncio me agrada melhor do que imaginei. Consigo ouvir as batidas do meu coração. Estão fortes. O som da água pingando dentro da banheira me remete a uma paz ilusória que acabo mascarando, me blindando de alguma forma. Já me senti assim uma vez. Quando, na infância, papai prometia que ficaria comigo por um tempo, mas a verdade é que só havia ficado em casa, porque a reunião com os clientes e gerentes da Bank Mazza, fora transferida para lá. Eu me trancava no quarto, me perguntando se um dia eu seria o filho que despertasse a ele a vontade de companhia. Cresci em um ambiente onde todos me deixaram de lado, onde precisei me adequar e sobreviver. Precisei ser homem cedo demais, ou seria atropelado por uma manada enfurecida. Apenas pratiquei o que fui ensinado. Observando meu pai, analisando Jenson. Eram os meus professores, a única referência do que queria ser, porém inescrupulosos demais ao ponto de eu odiá-los com a mesma força.

O meu celular começa a tocar, descansando nas bordas da banheira. Pego meu Xperia à prova de água, verificando em quem ouse a perturbar meu momento de inércia. Não me admira o nome que encontro no visor. Mamãe adora abalar os meus nervos sempre que quero desconectar.

"Fala." meu tom é neutro, por mais que eu queira soltar os cachorros.

"Não sei porque ainda espero que me trate como mãe, sempre que falo contigo. Mas tudo bem, não é sobre isso que estou ligando." Claro que não é sobre isso, apesar de Nicole sempre querer me "educar" quando a trato de uma forma que não lhe agrada. Parece conveniente agora que sou um homem autossuficiente. "O apartamento está fechado. Miguel disse que você saiu mais cedo da Mazza Undertaking. Isso não é normal, o que está acontecendo, Greg?"

Fico me perguntando quantas vezes vou ouvir a mesma pergunta, de diferentes pessoas, por dias incontáveis. Elas vão notar, vão saber o que houve entre minha mulher e eu. Saberão que meu casamento está com dias contados. Sou incapaz de contornar por muito tempo. Sou incapaz de aceitar o que está acontecendo. Mas se tem uma pessoa que eu não contaria para falar a respeito da minha briga com Tess, esse alguém é Nicole. Falar com ela a respeito disso, só servirá para que ela use tudo contra mim. Esfregaria na minha cara todas as suas razões, como se tivesse alguma. Usaria para me humilhar, como sempre fez.

"Você foi na minha casa? Depois do show que fez no seu último encontro com a Tess? Francamente, mamãe, você não desconfia."

"O show que eu fiz? A bofetada que sua mulherzinha me deu no meio da cara, Greg. Não sei onde eu errei com você, mas isso tem que acabar. Deixa aquela mulher fazer tudo com você. Parece que não aprende, Greg! Você já é um homem e não um menino chorão." Me remexo dentro da banheira, sentindo os meus nervos entrarem em ebulição. O vitimismo de Nicole é algo que não tolero ainda mais para me colocar na posição de vilão, ou mau filho. Sendo que ela não moveu nenhuma unha para ser uma boa mãe. Sempre me pôs como o culpado de tudo. O incapaz que não sabe dar um passo sem fazer algo errado.

Força e Razão - Degustação ( Retirado dia 17 de Janeiro de 2019)Onde histórias criam vida. Descubra agora