Esse conto começa e termina com a história de apenas uma menina, cujo nome é Cecília. Seu sonho...
Bem, ela não tinha um sonho, o que sabia sobre o mundo era tão pouco que nem deveria ser considerado. Seus cabelos encaracolados e seus olhos tão mel quanto o próprio mel chamavam bastante atenção, ou pelo menos chamariam, se alguém a pudesse ver.
Podem ficar tranquilos, ela não é um fantasma. Apenas não vivia. Não como deveria. Só como podia. O que lhe era permitido não era nem um terço do que a maioria tem, ou desejaria ter.Sua pele ficava cada vez mais pálida a cada dia que se passava, menos um dia para ser contado e mais um dia triste para ser apenas lembrado. Continha quase toda a pureza para si, algo que a torna, digo isso por opinião própria, tão ingênua a ponto de não viver.
Cecília cresceu em um ambiente estranhamente violento. Um lugar que não deveria lhe pertencer, mas era o que ela chamava de lar. Ingênua. Conseguia enxergar a maldade nas pessoas ao seu redor, mas via com um brilho mais intenso o que elas poderiam ter de melhor. Mesmo que para nós não existisse, ela o via, até mesmo quando o próprio indivíduo não.
Sua capacidade de esperar o melhor das pessoas fez com que sofresse por um longo período, depois de um tempo ela apenas sentia que deveria perdoar, afinal convivia com essas pessoas e sabia, sem saber ao certo como, que deveria ter sobretudo um amor pelo próximo, mesmo que esse a ferisse.
O orfanato onde cresceu, parecia um típico local de filme de terror, mas não um com uma grande produção, algo como o que não se tem opção alguma dado o valor disponível.
Toda manhã, por um momento bem rápido que ocorria entre às 06:00 e 07:00 horas, o sol batia naquela velha e suja janela e por uma pequena fresta invadia aquele pequeno cômodo a qual chamava de quarto. Cecília permitia que o sol tocasse seu rosto por poucos minutos antes de seu dia começar. Sentia um misto de alívio e euforia, um certo aquecimento em seu coração, mesmo que não sentisse o sol tão quente quanto ele poderia ser. Bom, ela não sabia disso. Se aquecia por completa e era como se aquele fosse o seu pouco e único combustível necessário para continuar.
Sua rotina era basicamente a mesma, não havia nada de muito empolgante a ser feito. Não podia sair e a única oportunidade que tinha de ver o céu era na quadra fechada. Pelo teto de vidro um tanto quanto sujo conseguia com uma certa dificuldade o ver.
A imagem que visualizava era a coisa mais bela que poderia ver, mas não chegava nem perto do que era de verdade. Toda vez que olhava por aquele vidro, seus olhos ficavam marejados.
Todas aquelas lágrimas silenciosas escorriam pelo seu rosto com uma liberdade que lhes eram permitidas. Sorria enquanto chorava e se sentia feliz por aquele momento que ela tinha. Era único.Faltava muito pouco para completar 18 anos, algo em cerca de dois dias, não sabia ao certo, mas sabia que faltava pouco. Ela teria liberdade. Mesmo não sabendo bem o significado e profundidade daquela palavra, era o que vinha ouvindo a algum tempo. Sentia ansiedade e medo. Medo do que poderia vir a seguir naquela que não poderia ser chamada de vida dos sonhos. Os minutos se passavam e seu coração palpitava, não fazia mais questão de ouvir o que as pessoas ao seu redor tinham para lhe dizer. Estava ouvindo seu coração bater e aquele era o único em quem confiava cegamente, mesmo que já tenha brincado com ela algumas vezes, chamou tais atos de brincadeiras de mal gosto. Afinal, não conseguia guardar mágoas de ninguém, quem dirá daquele que estaria para sempre em si.
(...)
Três dias se passaram, quando as portas se abriram, o sol tocou seu corpo por completo, seus olhos arderam por meros minutos que se passaram tão rápido que quase não notou. Sentiu uma mão tocar seu ombro e olhou para trás. Aquela única mulher que esteve ao seu lado, não com um papel materno, mas como alguém madura que teve, aparentemente, muitas experiências em sua vida. Seus cabelos tinham um tom acinzentado e algumas mechas brancas caiam sobre seu rosto. Ela quase pôde ver um sorriso, algo que jamais teria notado se não estivesse à luz do sol. Sorriu como um ato de agradecimento e respeito, que teve e sempre teria por ela.
"Chegou minha hora" - pensou. Bem, agora teria a tal liberdade que tanto esperou e não sabia que estava tão ansiosa por ela até tê-la.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Conto Sobre Encanto
Short StoryUma órfã. Um desejo. Um pedido. Uma única visão do mundo. Uma nova concepção do que é bom.