Você veio a esse mundo sozinho...
A frase que me assombrava quando pequeno, e que agora ressoava lentamente em minha mente como o verso de uma canção depressiva. Talvez não fosse o momento mais apropriado para pensar nela, ou melhor, eu não sei o que eu necessariamente deveria fazer nas circunstâncias em que me encontro.
Mas, o que realmente importa agora?
Meu corpo, meus pensamentos, minha coragem... Não há nada nesse horizonte vermelho, não existe nada que eu possa nomear como um milagre, ou mesmo algo que faça o tempo voltar e me ajude a dirimir o erro que eu cometi. Meus olhos, por mais que eu tente me manter consciente apenas se fecham como a cortina de um desastroso espetáculo...
Embora, ao contrário de uma peça teatral, a platéia não está aplaudindo ou mesmo jogando-me maçãs, somente está inerte, enquanto os saltimbancos, ou mesmo os convidados especiais caminham em uma silenciosa marcha até o último ator, eu.
Não imagino motivos para contar minutos, ou tentar algum tipo de comunicação com os amigos, se assim posso dizer, daquele homem. Sou um derrotado? Possível, porém, eu não consigo odiar aquela pessoa. Será se ele fez o que eu sempre desejei? Ou eu puramente o invejo?
Não sei. Eu só consigo ver solidão.
De qualquer modo, eu irei cumprir com minhas obrigações, e a você, querido ouvinte, eu deixarei algo importante. Algo que é tão importante que até nesta sociedade decadente, o homem não conseguiu impor sua alma capitalista. Eu deixarei para você as minhas memórias, o meu aviso, o meu erro.
Poderia começar explicando a situação em que eu estou, o motivo de não estar grafando o que deveria em um papel, mas tudo é irrelevante assim como a citação de meu nome. Papéis valem absolutamente nada, tudo está gravado em minha mente, nos meus olhos, em minhas lembranças.
Sim, eu quero lhe contar, sejam quem você for... eu apenas quero lhe dizer uma história, antes que o meu corpo seja despedaçado, antes que eu me transforme em mais uma das errôneas criações do homem.
Desejo que isso seja útil ao futuro. E antes de iniciar meu pequeno monólogo, eu gostaria de deixar claro algo...
Tema, tema o filho do deserto. Tema o homem.
Desejo que em sua época, ou o local de quem esteja lendo esses fragmentos, as coisas estejam boas, sim, eu realmente desejo por isso.
Primeiramente, eu sou um daqueles que carregam o termo "geração maldita", um termo forte, claro, com todo o significado encontrado no fato de que somos uma geração nascida no caos, em pleno apocalipse.
Este mundo não costumava ser do modo como se encontra, infestado por desertos e uma imensidão que só poderia ser modificada com breves áreas verdes. De fato, no senso comum, sabe-se que essa fase se iniciou 100 anos atrás devido a testes genéticos, resultado da antiga curiosidade humana e nossa tentativa de superar os nossos próprios segredos, o que eventualmente ocasionou o famoso "apocalipse". Embora, não seja um termo utilizado atualmente, mas eu li em algum livro antigo de história, e imagino que seja a melhor forma de transmitir tudo em palavras.
Bem, não é difícil imaginar o que uma doença que ao mesmo tempo em que provoca uma morte ao seu recipiente e o "ressuscita" – certamente não é o melhor termo, mas em registros informais era uma linguagem comum, nas sociedade da época -, transformando-o em seguida em um predador feroz e irracional de sua própria espécie, propagando ao mesmo tempo o vírus mortal, pode vir a causar ao mundo.
Nesse ritmo de desmoronamento de uma sociedade, outra foi pouco a pouco sendo construída, em um nível que se regredia a idéia de pequenos grupos que em vez de fincados em determinadas áreas geográficas rodeavam o mundo, atravessando grandes extensões de terras em busca do seu oásis, como grandes caravanas que não pertenciam a nenhum lugar, e nem sequer sabiam se ainda pertenciam a este mundo. Eu até imagino que em outros continentes alguns grupos usem algumas cidades industrializadas, porém, após tanto tempo a nossa maior chance de sobrevivência é sem dúvidas a agricultura.
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