A recepção - Parte I

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Mais tarde naquele mesmo dia, quando a noite havia se estendido pela cidade como um véu negro recaindo sobre o rosto de uma viúva, Jose se encontrava diante de uma propriedade majestosa e impressionante.

A mansão dos Bartholy se erguia sobre Josephine como um castelo enorme e misterioso, que refletia os feixes da lua nas suas janelas escuras, brilhantes como turmalina. A construção inteira era lapidada para atrair a atenção de quem ousasse observá-la e ao mesmo tempo fazê-los querer manter certa distância; parecia que tinha saído de um conto de fadas, impregnado de suspense e segredos, tão ocultos quanto às portas do céu - ou do inferno.

Os portões de ferro com quase 3 metros de altura que cercavam todo o terreno se fecharam com um som metálico e grave atrás da menina, soando alto de mais na noite silenciosa. O metal do qual eram feitos fora esculpido no alto com flechas, aprisionando os inquilinos dentro daquele lugar, ou mantendo os estranhos longe daquelas terras. O vento soprava e uivava sobre as folhas das árvores, chacoalhando-as numa dança desengonçada e sinistra na noite, fazendo o som mais parecer o sacudir do chocalho de uma cobra.

Antes da escadaria que levava até a porta principal havia uma fonte de água esculpida em pedra branca que esboçava a suavidade de uma mulher com traços angelicais, segurando um jarro elegante sobre sua cabeça, banhando-a com a água da própria fonte. Um toque delicado, em oposição com toda a atmosfera do ambiente que, convenhamos, era um tanto quanto assustadora.

Um arrepio subiu pela coluna de Jose até alcançar os pelos de sua nuca e, por instinto, deu uma olhada por cima dos ombros em nenhuma direção especificamente. O jardim estava tão submerso no breu que a garota tinha dificuldade de enxergar seus próprios pés.

Caçou o telefone dentro da bolsa, tateando o fundo para encontrar o bendito e quando o alcançou, a luz da tela quase a cegou. Piscou por alguns momentos e rapidamente acessou a opção de telefonar para os Bartholy.

Discou uma, duas, três, quatro vezes e nada. Discou mais algumas e ainda nada.

Droga! Ela suspirou.

Enquanto tentava mais uma vez discar o número dos seus novos guardiões, um som ao longe chamou sua atenção. Era agudo, alto e claro na noite e se parecia muito com um uivo. Mas o mais estranho é que lobos não existiam naquela parte do território do país, então Jose só podia estar imaginando coisas.

Era isso: uma peça da sua imaginação fértil, impulsionada por todo aquele ar meio amedrontador.

Não seja boba, Jose!

Desligou o celular e, guiada pela luz de uma única janela acesa no segundo andar, Josephine caminhou até a entrada da casa, subindo pela escadaria de pedra. Um dos degraus estava rachado ao meio e quando pisou em cima deles, um som de pedra deslizando sobre pedra inundou a noite. O corrimão gelado transmitia calafrios pelo braço de Jose a partir da mão que o tocava.

Olhou ao redor mais uma vez quando já estava quase alçando a marquise, porque uma sensação muito estranha e intensa começou a invadir seu corpo, como se estivesse sendo observada de longe. Seus olhos não captaram nada na escuridão que a cercava, mas por algum motivo teve a impressão de ver por um segundo e, somente por um segundo, alguma coisa brilhando próximo dos portões, desaparecendo logo em seguida.

Tratou de subir os degraus que faltavam depressa, chegando à porta da frente. Deparou-se não com uma capainha moderna, mas com duas aldravas pesadas no formato da cabeça de gárgulas, que seguravam cada uma, um aro de ferro em sua boca. Um pouco antiquado, mas Jose naquele momento não julgaria a escolha anacrônica dos Bartholy, só estava afim de entrar logo naquele lugar.

Antes que batesse e anunciasse sua chegada com as aldravas, Josephine virou-se rapidamente de costas, o coração dando um salto no peito, porque um barulho tinha vindo de trás dela. E não era um barulho qualquer; parecia o mesmo ruído que havia escapado noite adentro quando pisou no degrau rachado; pedra com pedra. Por isso, encarava a base da escada, naquele mesmo ponto, como se esperasse ver alguém ali que a estivesse seguindo.

Talvez o degrau tivesse ficado um pouco mais em falso quando ela pisou nele e as pedras só estivessem se acomodando no lugar. Talvez fosse isso.

Mas talvez não.

Josephine não conseguia ver nada nem ninguém ali, apenas sua sombra. Estava sozinha - ou achava que estava.

Recuou para próximo da porta novamente e, respirando fundo, com mais um calafrio escalando sua espinha, ela pegou uma das aldravas e a chocou contra a madeira da porta.

Bateu três vezes, fazendo o barulho ecoar pelas paredes e esperou alguns instantes.

Ela sentia-se meio tonta e não sabia explicar o porquê disso tão subitamente. Imaginou que fosse a adrenalina que fora disparada no seu sangue desde que pisou no terreno e sua mente que começou a lhe fazer imaginar, ver e sentir coisas. Ela estava sendo infantil e medrosa, afinal não tinha nada o que temer e nenhum bicho-papão escondido nos arbustos do jardim.

Respirando fundo de novo, tentando se livrar da vertigem dessa vez, quando estava prestes a bater novamente à porta, a mesma se abriu tão repentinamente que deixou a mão de Jose pairando no ar em vão.

Uau.

Foi só isso que se passou pela cabeça de Josephine, quando a porta se abriu e revelou uma criatura que agora encarava a menina com olhos amendoados e magnéticos como imãs, atraindo os olhos dela diretamente de volta para os dele. Ela podia ver de onde estava, a poucos metros, como as íris brilhavam feito as folhas secas do outono, mas com uma cor tão viva que não parecia real. Era extraordinário.

Ela não o conhecia, nunca o tinha visto antes, mas algo naquele olhar a fascinava de uma forma como nenhuma outra coisa fora capaz. E, ao mesmo tempo, a intimidava também. Aquele cara, que fazia os olhos de Jose penetrarem nos dele, como se fossem um poço sem fundo, tinha uma aura misteriosa e um tanto quanto opressiva.

Talvez não fosse claro naquele momento, mas Jose deveria ter enxergado o grande sinal de alerta que surgiu sobre a cabeça do rapaz, gritando em letras garrafais: Perigo! Afaste-se enquanto há tempo!

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⏰ Última atualização: Dec 19, 2018 ⏰

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