Prólogo

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CLARY CARPENTIER

Dezesseis anos depois...

A sabedoria popular diz que o tempo cura todas as feridas, mas quanto mais profunda a perda, mais difícil é o caminho para a cura. A dor pode desaparecer com o tempo, mas as cicatrizes que ficam lembram o sofrimento, deixando você preparado para evitar novas dores.

O pôr do sol tingia o horizonte com tons de laranja e dourado, as sombras das pirâmides se estendendo como guardiões antigos de um passado distante. O Egito sempre foi um lugar de mistérios e segredos, mas para mim, era um lembrete constante do que havia perdido. A brisa quente do deserto tocava meu rosto com uma suavidade quase irônica, como se tentasse apagar as cicatrizes invisíveis que carregava.

Hayley.

Seu nome ecoava na minha mente como uma melodia triste, uma lembrança que nunca desaparecia. Ela havia feito o sacrifício final, entregando-se àquela bruxa obscura e milenar, a bruxa original, para nos salvar. E eu... eu não pude fazer nada para impedi-la. A culpa me consumia, um peso constante no peito que o tempo não conseguia aliviar. Dizem que o tempo cura todas as feridas, mas as minhas pareciam apenas se aprofundar. As pirâmides ao longe eram um lembrete de quão pequena eu era em meio à vastidão do mundo, e como minhas dores e arrependimentos eram insignificantes diante do universo. Mas mesmo assim, elas me esmagavam.

Ao meu lado, Dylan se aproximava calmamente depois de se aventurar pelas pirâmides da cidade. Ele estava coberto de areia, o rosto marcado pelo cansaço, mas seus olhos brilhavam com determinação e firmeza. Ele jogou uma bolsa de pano aos meus pés, a poeira se erguendo ao redor, limpando suas vestes da sujeira.

-Aqui estão os últimos ossos de Kisa-disse ele, a voz rouca e cansada. -Com isso, podemos reconstruir o corpo da bruxa original finalmente.

Eu olhei para a bolsa, sentindo uma mistura de alívio e terror. Sabia que esse era o único caminho para salvar Hayley da escuridão que a consumia, mas a ideia de trazer de volta um poder tão antigo e maléfico me enchia de medo.

-Esse era o plano original, certo?

Dylan havia sido um inimigo, um lobo que eu odiava com todas as minhas forças. Meu clã de kitsunes tinha sido destruído por lobos como ele. Mas, com o tempo, ele foi rompendo as barreiras do meu ódio, me mostrando um lado de si que eu nunca havia imaginado. E, de alguma forma, eu me apaixonei por ele, contra minha vontade.

Mas o que isso significava agora?

-Raposinha... -Dylan começou, a voz suave. -Sei que isso é difícil, mas vamos conseguir. Ela sacrificou tudo por você, por nós. Vamos trazê-la de volta. Foi por isso que lutamos nos últimos dezesseis anos.

Ele segurou minha mão, e o calor de seu toque me reconfortou. O amor que eu sentia por ele era uma chama que mantinha a escuridão à distância, mas mesmo essa chama tremeluzia diante da sombra do que estávamos prestes a fazer. Seus lábios doces encostaram nos meus com carinho, suspirei baixinho.

-Eu devo isso a ela-murmurei, mais para mim mesma do que para ele. -Hayley me salvou quando eu estava quase morrendo, e agora eu tenho que salvá-la.

Dylan apertou minha mão com mais força, como se quisesse transmitir toda a sua força para mim. Eu o olhei, vendo a esperança brilhando em seus olhos. Ele estava comigo, apesar de tudo. Sempre esteve. E isso me deu coragem para continuar.

-Vamos fazer isso juntos-ele disse, a voz firme.

Respirei fundo, sentindo o cheiro da areia e da história ao nosso redor.

-Vamos precisar de uma bruxa poderosa para atrair Kisa e restaurar o corpo dela-comentei, minha voz carregada de preocupação. -Alguém com habilidades suficientes para lidar com algo tão antigo e poderoso.

Dylan suspirou, passando a mão pelos cabelos desgrenhados. Seus olhos estavam cansados e a poeira do deserto parecia ter se entranhado em cada detalhe de seu ser.

-Eu tentei contato com Rebecca-disse ele, a frustração evidente em seu tom. -Ela prometeu entregar sua parte dos ossos de Kisa, que tem guardado nos últimos anos. Mas... ainda não tive resposta sobre se usaremos uma das bruxas da sua matilha, as Amas.

A tensão entre nós cresceu quando ele acrescentou:

-Rebecca... ela virou as costas para sua própria família depois que se separou de Aiden. Abandonou-o. Não sei se podemos confiar nela agora.

Eu franzi a testa, sabendo que a situação era mais complexa do que parecia. Rebecca, agora conhecida como a Rainha Vermelha, era uma figura temida por todo o sangue que derramou nos últimos anos. A imagem de uma guerreira implacável não se encaixava mais na imagem da loba que eu conhecia.

-Rebecca mudou muito desde que assumiu a liderança das Amas-falei com uma ponta de tristeza na voz. -Ela é uma guerreira implacável, temida por sua crueldade e pelo sangue que derramou. Mas ainda assim, precisamos dela. É a única forma de obtermos o que precisamos.

Dylan balançou a cabeça, a desconfiança evidente.

-Então, o que faremos agora?-ele perguntou, seus olhos fixos em mim, buscando uma resposta. -Temos que lidar com Rebecca e ainda precisamos saber qual será o próximo passo.

Olhei novamente para o horizonte, para o sol que agora se escondia atrás das pirâmides. A noite estava chegando, e com ela, o momento da verdade. O frio da noite começava a se instalar.

-Preciso visitar Jackson-respondi, a voz firme. -Ele pode nos ajudar a entender qual é o próximo passo. Mas, Dylan, tenho receio de envolver as gêmeas, Megan e Zoe, na magia negra. Elas também são bruxas, e a magia negra é perigosa. Não sei se devo arrastá-las para isso.

Dylan deu um passo em minha direção, seu olhar carregado de preocupação.

-E quanto a Hayley?-perguntou ele, a voz baixa e tensa. -Eu tenho medo de que ela tenha se perdido na escuridão ao longo desses anos. O sacrifício dela, a entrega à bruxa... Pode ser que ela não esteja mais com a gente. E se ela se perder de vez?

As palavras dele me atingiram como um soco no estômago. A ideia de Hayley estar completamente perdida, consumida pela escuridão, era um pensamento aterrorizante. Eu sabia que precisava fazer algo para finalmente libertá-la, mas o medo de falhar era avassalador.

-Eu sei, Dylan-falei, a voz cheia de angústia. -Mas eu não posso parar agora. Hayley merece ser salva, e eu tenho que fazer tudo o que for necessário para tirar ela da escuridão. Mesmo que isso signifique enfrentar nossos piores medos e confiar em pessoas que podem não estar inteiramente ao nosso lado.

Ele suspirou ao beijar minha mão, a aliança em meu dedo, símbolo do nosso compromisso firmado há sete anos atrás.

-Eu vou estar ao seu lado, Clary, mas você precisa prometer que, se as coisas saírem do controle, você não vai se sacrificar, como ela fez. Não vou perder você também.

O que ele pedia era quase impossível. Como eu poderia prometer isso, quando a vida de Hayley estava em jogo? Mas eu sabia que Dylan falava com o coração, e que seu medo era tão real quanto o meu.

-Prometo que farei o que for preciso para salvar Hayley-sussurrei, desviando os olhos. -Mas não posso prometer mais do que isso.

Dylan me puxou para um abraço, e senti seu corpo tremer contra o meu. O peso de nossas decisões pendia sobre nós como uma nuvem escura, mas, por mais terrível que fosse, sabíamos que não havia como voltar atrás.

Tínhamos que enfrentar nosso destino, por mais assustador que pudesse ser.

Sangue Puro:Unidos pelo Sangue ( Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora