O Bastardo

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Vigário Edgard reprovava com unhas e dentes aquele relacionamento. Sabia que a união entre um Edgard jovem e a herdeira dos Novaterra não traria nada de bom ao mundo. E o velho Vigário não poderia estar mais certo. Pois o nascimento daquele belo bebê de cabelos negros, que logo foi jogado para o pai, só traria desgraça. Você já sabe que este não é o conto do Vigário. Este é o conto do quarto herói, se é que podemos chamá-lo assim. Ao mundo, heróis são aqueles altruístas, aqueles seres humanos que sempre aparecem na hora certa e no lugar certo, com um sorriso largo no rosto, protegendo a todos. Na visão estranha de Lirium, herói é aquele que muda o mundo. Por isso, os quatro heróis destes contos, aqueles que realmente mudaram o mundo, têm partes de suas vidas narradas aqui. Maleth Novaterra, o Órfão de Magia herdeiro da maior casa do reino de Lirium, que se tornou o maior herói de quem o reino já ouviu falar, quebrou paradigmas e foi reconhecido por todos, mas ninguém soube de seu último feito. Josephine Palantres, a cientista que mudou o mundo trazendo as quimeras a ele, dando esperança a aqueles que, há muito, a perderam. Theo Ophara, o Herói Mais Forte, o jamais vencido, o herói que decidiu não se vingar, coisa que, na verdade, trouxe desgraça pras vidas de muitas outras pessoas. Mas isso não foi exatamente culpa dele. O perdão foi dado, mas o vilão que recebe aqui o título de herói não soube utilizá-lo. Theo Ophara, aquele que, em vida, foi o primeiro a encontrar com a deusa Mistanne. E Benedict Edgard, a quem insistem chamar de Benedict Novaterra, o herói que, sob a perspectiva de qualquer ser humano, jamais poderia se sagrar herói. O homem que moveu todas as histórias. Mas chega de ladainhas. É hora de abandonar Vigário Edgard. Pois é hora de me despedir de você.

O garoto, assim que foi abandonado pela mãe, já começou a dar problemas. Sieg Edgard teve de ponderar por semanas para não jogarem a criança de cabelos negros ao mar. E logo que a criança aprendeu a escrever e se descobriu como Forjador, já começou a impressionar a tripulação do Terceiro Navio. Escrevia runas como "Resistência" em cada tábua do navio e se esforçava quando fervia o sangue para ativá-las. Em poucos anos, Benedict Edgard começou a ser amado por todos. As coisas mudaram quando um navio inimigo resolveu cruzar o caminho do Terceiro Navio da Frota Mistanne L'arc. Benedict tinha 10 verões na época.

A criança viu sangue, ferro, aço, tudo colidindo com tudo. E não se desesperou. Viu uma espada caída próxima a um cadáver, que a criança não soube descrever se era companheiro ou aliado. Tudo o que fez foi inscrever uma runa na espada. E depois disso, a loucura permeou a mente daquela criança.

No meio da carnificina, um homem de cabelos negros e roupas negras recostava-se numa parede, buscando ar para voltar à batalha. Estava sendo mais difícil do que os invasores pensavam. Mas os pensamentos do homem foram interrompidos quando ele viu uma espada surgir de sua barriga, toda pintada de vermelho. Foi engraçado porque ele demorou a perceber que aquela tinta vermelha era seu próprio sangue. A mente humana funciona de maneiras engraçadas na hora da morte. A espada saiu do cadáver e a criança saiu de trás da parede. Carne não é fácil de perfurar, ainda mais por trás daquela parede de madeira grossa. Mas a tarefa se torna fácil quando a runa "Atravessar" está escrita numa espada afiada. A criança portava uma expressão fechada e os adultos pareciam ignorá-la, mas os adultos invasores paravam de ignorá-la quando espadas afiadas os atravessavam. É a vida.

Não demorou muito para que um dos invasores percebesse a presença da criança ali e apontasse uma daquelas armas de última geração na cabeça dela. Aquela arma deixava um rastro de destruição e nem ao menos deixava as balas para trás. Coletava energia do sangue dos usuários, normalmente Forjadores. O feixe de luz que saía daquela arma destroçaria a frágil cabeça da criança, mas ela foi salva e o tiro apenas pegou de raspão em seu braço. Você pode estar pensando sobre como isso é irreal e forçado. Será que você nunca foi quase atropelado? Nunca sofreu algum acidente que, de outra maneira, poderia ter quebrado seu pescoço? Pois é. Ele não seria o protagonista deste conto se tivesse morrido ali, com dez verões de idade. Pare de chorar e aceite que, se alguém pode ter azar na vida, também pode ter sorte.

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