Capítulo 1

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O público estava em êxtase com as dez bandas e cantores que já haviam passado pelo palco da Terceira Edição do Rio Non-Stop, um Festival de Música que reunia as quinze melhores bandas e cantores da atualidade numa maratona de vinte e quatro horas de músicas, onde o intervalo era apenas o tempo entre uma banda sair e outra subir ao palco.

O Festival acontecia em um grande terreno na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no final das férias de Julho. Na verdade, todos já consideravam este o evento oficial de encerramento das férias de meio de ano. Não poderia ser em uma época melhor. A divulgação nas redes sociais era intensa e todos estavam marcando para se encontrarem no Festival. Muitos universitários desejavam extravasar em um dia inteiro de música e diversão, para começar bem o período seguinte na Faculdade.

Naquele ano, a organização do evento havia precisado adiá-lo por dois dias, devido à visita do Papa ao Rio de Janeiro. O Festival foi marcado para um dia após o término do evento Católico. A organização resolveu arriscar, pois ainda haveria muitos Peregrinos e turistas pela cidade e as férias ainda não teriam terminado, e deu certo. O público esperado era de quarenta mil pessoas, mas a procura foi tão grande que precisaram conseguir um local maior com capacidade para cem mil pessoas, a fim de comportar o público que se revezava nas vinte e quatro horas de shows. Embora fosse quase certo que a maior parte do público não permaneceria o tempo todo no local, seria melhor não arriscar. Todos, no entanto, estavam aguardando o momento da Revelação do Ano subir ao palco: Polly, a Menina da Voz de Ouro, como era conhecida por seu timbre macio e suave. Quando ela começava a cantar, o público se preparava para fortes emoções, pois era isso que ela transmitia.

Nos bastidores, Polly estava agitada naquela noite. Uma sensação estranha afligia o seu coração, mas ela não sabia o que era. Sentada de frente para o espelho do seu camarim, balançava as pernas devido ao nervosismo que tomava conta de si, por isso, após sua prima e maquiadora, Vânia, terminar o serviço, pediu a todos que saíssem do recinto para que pudesse ficar sozinha e refletir um pouco. Polly estava ainda mais linda naquele evento, pois sempre sonhou com aquele momento e não queria decepcionar os seus fãs. Ela olhava no espelho para seus olhos delineados com lápis preto bem acentuado e a sombra dourada, que era a sua marca. Aliás, a sombra harmonizava com sua roupa, que sempre trazia tons dourados, uma referência à sua marca de Menina da Voz de Ouro. Ela adotou o dourado como cor principal em suas apresentações quando começaram a chamá-la desse jeito. Ainda de frente para o espelho, ficou se encarando, seus olhos cor-de-mel combinavam com sua pele dourada pelo sol. Tinha um nariz bem delicado que formava uma belo conjunto com seus lábios bem desenhados. Ela era bonita e muito vaidosa, como qualquer garota da sua idade. Estava sempre praticando esportes e exercícios para manter o seu corpo em forma, queria preservar os seus 55 Kg bem distribuídos em seus 1,65 m.

Alisou seus cachos dourados com a ponta dos dedos - não para conferir a maciez de suas madeixas, mas pensando em como conseguiu chegar ali e ser uma estrela de renome. O clipe de sua música de lançamento, A Promessa, alcançara mais de 1 milhão de visualizações no YouTube em duas semanas. Fora isso, a música ainda figurou durante um mês em primeiro lugar entre as mais compradas no iTunes Brasil. Ela ainda estava tentando absorver todo aquele sucesso repentino. Polly ficou conhecida ao participar de um Reality Show onde concorreu com vários cantores. Antes mesmo de sua primeira apresentação, já havia sido contactada nos bastidores pelo produtor Marcos Franco, que foi avisado por um amigo da produção do Reality.

Franco já era um velho conhecido de algumas celebridades e não pensou duas vezes quando ouviu Polly ensaiando. O produtor conversou com ela imediatamente, virou seu empresário e começou a montar toda uma estrutura para consolidar a carreira da moça. Polly atribuiu a sua segunda colocação no Reality ao fato do vencedor, além de cantar muito bem, também ser muito bonito. Ela acreditou que muitas mulheres consideraram este quesito. Tudo que Polly tinha conquistado até ali aconteceu num período de apenas dois anos. Agora , com 22 anos, Polly estava mais madura, no entanto, não conseguia se livrar da ansiedade que a consumia quando subia aos palcos, ansiedade que a fez se levantar e ficar de frente a um grande espelho que havia no seu camarim.

Começou a ajeitar a roupa que ela mesma tinha escolhido para aquela noite. Uma calça de couro preta com bolinhas douradas nas laterais, que definiam bem a sua bela silhueta e formava um lindo conjunto com uma blusa branca sem mangas com três botões, dos quais dois estavam abertos, deixando seu top preto a mostra. Polly fazia questão de que sua mãe confeccionasse todas as roupas que ela usava nos shows. Jaime, seu Personal Stylist, não era a favor, preferia roupas de grifes, mas pouco podia fazer. A mãe de Polly já havia costurado para alguns estilistas e também entendia de alta costura; isso trazia para Jaime uma certa resignação. O relacionamento entre ele e Polly estava muito difícil ultimamente; eles discordavam sobre os figurinos e as roupas extra-palco.

Polly conferiu se sua sandália de salto alto estava bem presa em seus pés. Era preta, fechada, porém deixava as pontas dos dedos visíveis. Ela precisava estar bem confortável e segura em sua performance no palco. Os acessórios, como brincos, colar e braceletes dourados, completavam o look. Além de uma bela voz, Polly também possuía a habilidade da dança, fruto de anos de curso que sua mãe, Angela, a obrigara participar, mas hoje ela reconhecia que a mãe estava certa e a agradecia por isso.

Apesar de todo sucesso que tinha alcançado, Polly não tirava de sua cabeça o assunto que a atormentava, em especial quando estava a minutos de subir ao palco: a promessa que havia feito muitos anos atrás. Uma promessa que ela deixou de cumprir e que já a perseguia por muito tempo. Por isso, preferia estar sozinha no camarim naquele momento, mas logo percebeu que não tinha mais tempo para pensar sobre isso, pois seu atual namorado, Renan, acabara de bater à porta para chamá-la.

- Oi, minha luz. - era assim chamada por ele. Renan dizia que a partir do momento em que Polly entrou em sua vida, ela o havia tirado da escuridão. Ela não gostava muito, tinha os seus motivos. Polly respondeu sem tirar os olhos do espelho:

- Entra. Estou me ajeitando. Sabe como é, hoje é uma noite especial. - Renan se colocou atrás dela, beijando-a no pescoço e abraçando-a com as mãos em sua cintura, enquanto sentia o seu perfume.

- Está cheirosa. - comentou.

- Nina Tradicional, Nina Ricci. - ela respondeu.

- Você está linda, meu amor. - disse Renan, enquanto Polly o observava pelo reflexo do espelho, admirando a sua beleza. O rapaz era branco e seus cabelos, castanhos claros. Seus olhos verdes eram chamados por ela de Maçã-Verde. Tinha porte atlético, distribuídos em seus 1,85 de altura e estava no auge de sua juventude, com 24 anos. Tudo nele a atraía muito, mas o que a conquistou foi seu jeito doce e romântico. Polly ainda estava no início da fama quando, junto com Franco, visitaram uma empresa de venda e locação de equipamentos de tecnologia para espetáculos, a Tec Show, empresa do pai de Renan, Afonso. Ele trabalhava com o pai e sabia que, um dia, seria herdeiro do negócio, afinal era filho único. De certa forma, a empresa era dele também. Quando Polly o conheceu, sentiu-se atraída por ele. Renan, por sua vez, não escondeu a admiração pela moça. Trocaram telefones e hoje ele estava ali, ao lado dela para o grande dia, onde Polly cantaria para seu maior público, até então.

Ela se esquivou dele sentando novamente em frente ao espelho de maquiagem.

- Ai, Renan, estou muito nervosa. Nunca cantei pra tanta gente. - disse ela.

- Calma, meu amor, vai dar tudo certo. É só fazer o que você já sabe. A única diferença é que o público será maior, só isso. - ele a confortou.

- Só isso?! E você ainda acha pouco? Deve ter umas cinquenta mil pessoas lá fora, parece um mar de gente! Mas, não é só isso. Estou com uma sensação estranha de que algo ruim vai acontecer. Estou preocupada!

- Bobagem. É só o nervosismo pelo show. - disse ele voltando da mesa onde ficavam as comidas no camarim com um copo de suco de maracujá nas mãos. - Toma. Bebe esse suquinho pra se acalmar. Você precisa se concentrar no que vai fazer lá em cima no palco.

- Não, não quero suco. Pegue um pouco de água, preciso me hidratar. - Renan atendeu ao pedido dela, trazendo a água que foi bebida em um único gole. Num salto, Polly colocou-se de pé.

- Vamos dar as mãos, está na hora de orar. - Mesmo não frequentando uma igreja no momento, Polly sempre teve fé em Deus e não subia ao palco sem falar com Ele.

- Meu Deus, preciso do Senhor mais uma vez. Abençoe-me nesta apresentação, que é a maior da minha carreira até hoje. Confio em ti. Em nome de Jesus, Amém!

- Amém! - concordou Renan. - Agora vamos. Já está na hora. - Ela deu um selinho nele para não comprometer o batom e depois o abraçou fortemente. Então, segurou a sua mão e saíram juntos, fechando a porta atrás deles. Estava na hora do show.


A PROMESSAOnde histórias criam vida. Descubra agora