Prólogo

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Gelada devido a sua localização, as salas da PCA não precisavam de refrigeração mecânica como ar condicionado, ventilador ou qualquer desses trambolhos comedores de espaço e energia elétrica. No extremo norte do Alasca, sim o antigo estado do Império Russo vendido aos Estados Unidos por um preço equivalente, hoje, a mais de um bilhão de dólares em 1867, foi o local escolhido para a implementação de uma base da nova organização americana denominada de Proteção e Controle das Américas, deixemos as questões políticas dessa decisão para melhor hora.

Mancebos e cabideiros eram postos, padronizadamente, em todas as salas à direita da porta de entrada mesmo que sempre fossem encontrados vazios como árvores no outono sem suas folhagens, já vez que tirar os agasalhos ou capotes era um pedido claro para ser atacado por uma hipotermia, ou perder os dedos sem perceber enquanto os batiam, mais forte do que é preciso, em seus teclados, ou os dois.

As telas dos computadores emitiam uma luz verde como a de radares de submarinos e não eram deixadas sem monitoramento nem mesmo por um segundo do dia ou da noite. A equipe se revezava, mas não era incomum o uso de drogas ou outros entorpecentes para manter um funcionário, chamemos assim, acordado. Clan Wildsterm contou em seu relatório póstumo que na terceira porta a direta do penúltimo andar subterrâneo da PCA existia uma sala de tortura com profissionais tão especializados que a simples ideia de lembrar-se deles o fazia gritar e querer atirar na própria cabeça outra vez.

Na ala oeste, diferente das outras, a entrada se dava de maneira restrita com diversos tipos de identificação diferentes que iam desde a retina até uma amostra de sangue para se comparar o DNA. Tecnologias avançadas não eram uma preocupação naquele lugar. Seus estudos e, mais que isso, os seus serviços para o governo americano exigiam um preparo e um avanço tecnológico que nem mesmo a CIA poderia suspeitar ou imaginar a existência.

É ali na ala oeste que Demitrye olha agora por uma janela no terceiro andar enquando a fumação sobe da sua xícara de café dançando com o ar até se fundir a ele. Suas lembranças vagam, mas seus olhos só enxergam o imenso galpão abaixo construído sobre a neve, neve esta que transformava tudo em uma paleta monocromática e entediante de cores. Cor, na verdade. Singular. Branco.

- Eu também não assopro, esperar esse clima deixar o café na temperatura certa de beber é bem mais simples, concordo.

Dem virou sem dar importância ao comentário ou muito menos a presença de Carlos, que adentrava a sala da mesma maneira despretenciosa de sempre. Sua vestimenta era mais pesada que a dos demais por conta de, entre todos, ser o que menos estava acostumado ao clima local. Ele viera do Brasil durante um procedimento que ocorrera no século XX. Era ainda muito jovem, mas com o sangue pulsante por, por que nao dizer carnificina?, que era e é tão apreciado pelos recrutadores da PCA. Não que esse órgão extra governamental seja exclusivo ao propósito de matar, na verdade o foco do Programa de Proteção e Controle da América busca matar com propósito. A inversão faz certo sentido, mesmo que o preferível tenda a ser "propósito & matar" com esse símbolo que precede a interdependêcia dos termos.

- Esperava pelo menos um bom dia um pouco mais animado - prosseguiu Carlos ao ter como resposta apenas a respiração profunda de Demitryie ao se largar na cadeira. - O trabalho está feito, não que você pareça se importar.

- Feito?! - a ironia na voz podia ser sentida como uma adaga atravessando seu baço, o órgão que você achou que não prestasse para nada. Saiba que ele presta para doer. Carlos piscou duas vezes na tentativa de ganhar tempo para achar o rumo da conversa outra vez, mas não conseguiu sair da estaca zero. - Peões. Eu quero agentes e só me entregam peões.

- Se quiser jogar xadrez deveria tem chamado a Yiun. - respondeu fingindo não entender a crítica. Tamborilou os dedos na mesa e mudou o assunto. - Se quiser eu pego a ruiva...

- Você? Walker está no caso há anos e tudo que ele conseguiu foi foder aquele buceta de pimenta e você...

- O Walker comeu a ruiva? - interrompeu - Caralho! Queria eu ter...

- Seu desrespeito com as autoridades um dia ainda me faz cortar sua cabeça. - bebeu dois goles do café que agora já estava mais frio, porém não tão frio. - Yiun está chefiando uma equipe no sudoeste francês e não quero incomodá-la.

A voz de Demitrye foi sumindo conforme a frase foi chegando ao fim até que profundo silêncio se instaurou. Carlos, embora expansivo, tanto sabia e respeitava a hierarquia quanto tinha por seu chefe uma admiração que afundava nas definições de homossociabilidade como se estivesse presa aos pés por uma âncora. Por isso, não ousava atrapalhar o silêncio. Já havia notado que quando a voz minguava era certo que a mente de Dem havia se fechado nos próprios pensamentos e inquietações. Ou por preocupação com Yiun ou por qualquer outra coisa, não importava, era preciso silêncio.

Na tela do computador, que não emitia a luz verde como os demais, uma imagem prendia de maneira hipnótica a atenção de Demitryie. Um quebra cabeças muito complicado se instaurava e ele sentia que lhe faltavam as peças necessárias para resolvê-lo. Nunca soube lidar com a falta de informação. Desde pequeno tinha as respostas para tudo e, se por acaso, não as tivesse no momento aparecia depois de algumas horas ou dias com mais conhecimento sobre o tema do que qualquer especialista que se debruçado sobreo tema por décadas de estudo. Gênio, QI alto, memória fotográfica. Esses eram alguns dos adjetivos que podiam definir quem era Demitrye, chefe do departamento de Patente 6 (P6), a segunda mais alta, ex agente do departamento da Patente 7 (P7) e participante do, não tão bem nomeado, Comando Tetra. Respeito e admiração faziam um caldo somado a inveja no interior de todos os funcionários que pisaram, pisam ou irão passar o solo da PCA.

A imagem desfocava por conta da falta de lubrificação das retinas e Dem precisava piscar duas ou três vezes antes de voltar a olhar fixamente na busca de digerir cada pixel, cada detalhe. Nada. Nenhuma conclusão. Tudo o que era possível tirar da fotografia printada de um vídeo do sistema de segurança e enviado anonimamente para o e-mail pessoal de Demitrye só mostrava que o quebra cabeça aumentara como se de 500 fosse para 1000 peças e você continuasse apenas com as mesmas 30 peças na mão sem a figura de referência para te guiar. Assim era como o chefe se sentia e, mais que nunca, a sensação de impotência perante aos fatos fazia pesar mais que a cruz de Cristo na via sacra o título que conquistara.

- Eu preciso de um tempo para pensar.

A ordem suavizada pelo sentimento de carinho que possuía por Carlos saiu junto com um suspiro cansado. Entendendo que nada havia que pudesse fazer o brasileiro foi caminhando à porta, mas não sem antes deixar de perguntar o que vinha martelando em sua cabeça desde o fechamento de sua missão em Bogotá:

- Walker conseguiu algum avanço no caso da ruiva?

- Ele está em Cuba, me pediu um caso oposto ao da ruiva para que pudesse esfriar a cabeça e voltar a olhar a situação de forma mais distante.

Os olhos não desgrudavam da tela e da imagem. A tristeza emitida na voz era resultante de toda a atmosfera que o cercava e ficava evidente através de suas expressões e de suas profundas olheiras. Mesmo depois de ouvir a porta bater não desviou o olhar que mantinha fixo naquele nó no qual a PCA se encontrava. Só depois de longos minutos se desvencilhou derrotado do monitor e bebeu mais um gole de café. Gelado e escuro como gostava. Sorriu e deixou-se largar na cadeira enquanto os pensamentos flutuavam até Carlos.  


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PS.: Se Cher, Gaga, Madonna, Beyonce e Rihanna juntarem forças e permitirem todo sábado tem capítulo novo e as informações (Título, capa, descrição...) vão aparecendo com o tempo. O suspense é alama do negócio né??

The Capitalist.Where stories live. Discover now