Quase levei um castigo ontem à noite. Disse à minha mãe que acordei com sede e me ia levantar para beber água. Pela cara dela, julgo que não acreditou mas retirou-se do meu quarto sem dar sermões. O que é compreensível pois ela está mais magra e exausta que nunca, não deve ter já paciência para este género de coisas.
Bem, hoje é um dia estranho, não só para as crianças mas também para os adultos. Não é só estranho pela tensão palpável no ar, pelas silêncio que era preenchido pelas brincadeiras nem por estar toda a gente vestida de forma miseravelmente formal.
É por ser a Ceifa dos Jogos da Fome.
O Jogos da Fome são uma competição em que um rapaz e uma rapariga entre os 12 e os 18 anos de cada distrito, são oferecidos como Tributos ao Capitol (Governador dos 12 Distritos de Panem). Nesses Jogos, os tributos lutam até à morte até que apenas um sobrevive, o vencedor adquire Glória Eterna e uma grande riqueza. Mórbido, não achas? Este ano inscrevi-me 30 vezes, pois por cada vez que alguém se inscreve, é dada uma certa quantidade de comida a essa família. A minha mãe pensa que me inscrevi cerca 10 vezes mas bem, a fome tem sido cada vez mais e temos de resolver isso.
É a primeira vez que entro nos jogos e há 30 papéis com o meu nome. As probabilidades não estão muito do meu lado, mas há que ter esperança certo?
Oh bolas, a minha mãe chamou-me para me preparar, a Ceifa está prestes a começar.
Já não sei o que fazer e tive que fazer alguma coisa para acalmar o pânico que crescia no meu peito. Vou relatar o que aconteceu.
Quando fomos para a praça principal do nosso distrito notei com tristeza que não era suficiente para todas as crianças e respetivos pais portanto a praça abarrotava de crianças e os soldados da paz enviaram a minha mãe para casa. Ela com lágrimas nos olhos e um rosto cansado abraçou-me delicadamente e disse para eu ser forte.
Juntei-me ao grupo das meninas que picavam o dedo para pressionar o sangue numa folha de papel. Algumas meninas choravam mas eu revirei os olhos pois, se iam para o Jogos da Fome, não deviam temer uma picada no dedo.
Depois as raparigas juntaram-se do lado direito da praça e os rapazes na parte esquerda. Chegou uma senhora com roupas tão extravagantes e cujas cores vivas contrastavam com o clima sombrio o Distrito 11. Ela estava muito engraçada e me fazia lembrar um papagaio.
Depois da apresentadora colorida falar começou a passar o vídeo que toda gente já tinha visto nas edições dos Jogos anteriores. E, como sempre, só falava de coisas sem sentido.
Depois começaram por tirar o nome das raparigas. O meu coração começou a bater a mil pois eu era, provavelmente, a rapariga com o nome e inscrito mais vezes.
- Rue. Rue Stenberg.
Subitamente só ouvia o pulsar do sangue nos meus ouvidos senti a cor sair da minha face. Uma menina me empurrou para fora e me entregou para os soldados da paz. Eu subi aos tropeções para o palco e a senhora falava e falava mas eu não conseguia ouvir.
Depois escolheram o tributo masculino. Eu conhecia-o das colheitas: O nome dele é Thresh e tinha 18 anos. Era um homem forte e a expressão dele não era de medo mas sim de revolta o que me assustou e me incentivou ao mesmo tempo.
Depois Thresh estendeu-me a sua mão e eu apercebi-me que já era a altura dos tributos se cumprimentarem antes de se prepararem para partir. Apertei a mão dele e, estranhamente, nos seus olhos não vi revolta nem medo mas sim compaixão.
Soldados da paz levaram-nos para dentro do Edifício da Justiça e fecharam-nos em quartos diferentes. Estou agora sentada nesse quarto escrevendo para tentar acalmar os nervos e a confusão da minha cabeça.
Quem iria ajudar a minha família? A minha mãe cansada e as minhas irmãs tão novas ainda para cuidarem de si mesmas quanto mais para cuidarem umas das outras. As despedidas estão prestes a começar e acho que vou desabar.
Espero poder levar o diário para a arena.
Rue
