Depois de muitas guerras travadas e ganhas e diversas traições que só serviram para aguçar ainda mais seu detector de fraudes, o Imperador já sabia que aquele "acidente" era muitas coisas, menos um acidente de gás.
— Majestade.— o mensageiro lhe cumprimentou com uma reverencia.— seus informantes pessoais já estão no local.
— Ótimo. Por favor, me atualize das novas hipóteses.
A grande figura do Imperador estava parada atrás da sua escrivaninha organizada por criadas cuidadosas enquanto saíra para sua cavalgada diária. Seu peito ostentava diversas medalhas que lhe foram dadas por seu pai e que logo deveria passar para sua filha, essas quase cegavam o pobre valete parado ao lado da porta, já que refletiam toda a luz do meio-dia.
— Bem. Pensam que pode ser um ataque terrorista.
— O que?
— O incêndio.
— E está certo que é mesmo um incêndio?
O mensageiro sabia que não podia olhá-lo como se não o entendesse, então manteve essa expressão para si enquanto processava a pergunta do soberano. Não havia duvidas. Até mesmo os soldados que estavam naquele lugar naquele dia confirmaram que foi a explosão de um duto de gás.
— Sinto muito, majestade, não posso lhe responder essa pergunta.
— Então chame alguém que possa, por gentileza.
E em um segundo encontrou-se sozinho em seu gabinete.
Olhou pela janela para seus jardins agora brancos. Sua filha, a princesa, permitiu somente a limpeza das calçadas, mandando que os jardineiros deixassem as plantas o mais in natura possível. Pelo menos essa ordem não foi desperdiçada. Pôde vê-la pintando enquanto o portão era protegido por guardas. Daria de tudo para que ela pudesse ver o que havia além de lá longe de uma escolta, mas sabia que as aberrações iriam até a morte e além por sua cabeça. Não poderia pô-la em cheque.
— Com licença, Diretor do centro de inteligência do setor sul, Boris Friederich. Ao seu dispor.
Se alguém bateu na porta, não ouviu. Um homem não muito velho, nem muito novo, estava parado na entrada, não tinha pressa, então só pode supor que já estivesse em algum lugar próximo ao palácio.
— Estou muito agradecido pela sua disponibilidade, principalmente para uma pergunta tão fútil, mas sinto que é de vital importância. O senhor tem mesmo certeza que a infelicidade que aconteceu no seu complexo foi mesmo a explosão de um duto de gás?
— Com toda certeza.— Boris manteve a postura, mesmo com a indiferença do Imperador à sua pronta presença.—por que pensaria outra coisa?
— Me parece muito suspeito. Fogo em gás se espalha rápido e soube que demorou para que todo o complexo fosse atingido.
— É uma construção muito grande.
— Então está me dizendo que não está completamente suprida de gás? Se me permite dizer, tenho outra ideia. Já cogitaram o ataque de aberrações?
— Não faz sentido.
— Como não? Não digo o ataque de aberrações como nós os chamamos, o nome estrangeiro. Bestas eu quero dizer.
Boris o encarou sem saber se aquilo era um teste ou se o imperador falava mesmo sério. Depois de diversas casualidades como aquela, ficou claro que não deviam fazer da vida das aberrações o pior inferno que podiam, se não essas fariam questão de dá-los um troco em notas de ouro. Mesmo que sempre morressem depois, não deixariam o prejuízo barato. Destruiriam tudo e todos que mereciam vingança.
— Nenhum corpo não identificado foi encontrado no local.
— Talvez tenham-no levado para um funeral decente, mas por favor, pense nisso. Mesmo que para investigação não ajude muita coisa, será um meio de educar seus trabalhadores a não fazerem nada inumano.
— Sim, sem sombra de dúvida.
— Se não tiver nada mais para falar. Está dispensado.
— Na verdade, majestade, — começou enquanto suas pernas já se cansavam da posição tensa. — apreendemos um guarda saindo da fronteira minutos após a explosão inicial. Ele não tinha ordem alguma para estar ali, então foi deposto do seu cargo.
— Agiu bem.
Boris saiu com uma reverencia, deixando que uma criada fechasse a porta atrás de si.
O imperador voltou a olhar para o jardim em busca da filha antes de voltar a administrar a papelada. Não a encontrou. Só podia rezar para que o que aconteceu no complexo não acontecesse com ela, que nada a atingisse de modo algum. A imperatriz morreu no parto e seu homem se recusava a ter outra mulher, mas não por mérito nenhum, por puro egoísmo. Quanto menos pessoas lhe fossem íntimos, menos teria que sofrer quando essas inevitavelmente se fossem. Então Petra estaria confinada a ficar lá até sua coroação. Ele achava que já estaria acostumado a fazer o que faria, mas tinha vertigens todas as vezes que o pensamento de fazer aquilo com ela vinha na sua cabeça.
Talvez devesse só deixá-la lá. Permitir que tivesse seu reinado ou que seu marido tivesse um, mas tinha medo do que aconteceria depois.
Não queria morrer, mesmo que isso significasse acabar com a vida da filha que amava, tinha medo de morrer. Por tanto tempo conseguiu escapar desse destino que aquela ideia lhe apavorava. O fim. A morte. Fazia tanto tempo que matar já não lhe dava tanta repulsa, fosse por segurança ou para que ele mesmo vivesse, que todas as existências, menos a dele, eram tão temporárias que não mereciam atenção. Mesmo assim, em toda sua quase infindável vida, nunca conheceu uma mulher como sua filha. Talvez tê-la sempre ao seu lado deixasse sua mente forte, ou devesse confessá-la seu segredos no leito de morte por puro egoísmo, uma vez que a repugnância do que fazia serviria somente para manchar seu legado, qualquer que esse fosse.
Não precisava voltar aos papéis, já que receberia o arquiduque regente do sul em poucas horas e precisava ter certeza de estar bem preparado, mas havia alguma coisa boa em governar, era o soberano absoluto de uma nação e, querendo ou não, fazer com ela o que bem entendesse agravava seu complexo de deus, afinal, como besta, a linha era muito mais tênue do que qualquer mortal gostaria, contudo, aquela era a razão da sua existência. Agora era deus.
Ainda que não pudesse pegar o culpado com suas próprias mãos, memorizou os cinco zeros de prejuízo que a besta lhe causou e só lhe jurou que, se com ferro ferisse, em seu próprio ferro seria petrificado.
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O que fazer quando o céu cair
AdventureQue abram-se as portas desse novíssimo mundo, essa será minha criação. Tenho que admitir que não sou Colombo ou Cabral, muito menos os ingleses conquistadores, eu sou muito mais do que eles. Sinto em lhe dizer pai, meu reinado não será aqui, não ser...