O que crescer fez comigo?

Capítulo 1

Não sei dizer ao certo quando foi que o meu sonho começou. Ele simplesmente apareceu, surgiu, brotou. Quando dei por mim, já queria ser atriz. Olhava na tevê todas aquelas mulheres interpretando os mais diversos papéis e queria porque queria estar ali também. Queria ser várias versões de mim mesma. Nunca quis ser uma só.

Desde então, é isso o que eu espero pra minha vida.

Mas essa realidade me parece a cada dia mais distante. Tenho vinte anos, faço curso de teatro na Companhia dos Sonhos desde os doze, mas, infelizmente, não é isso que estudo na faculdade. Sou estudante de Direito na federal do Rio. Motivo? Não sei se saberia explicar, acho que foi uma combinação de fatores. Primeiro, a pressão da família. Meus pais sempre sonharam em ver seus filhos encaminhados na vida, estudando, se formando e, para os planos deles, ser atriz está bem longe disso. Não que eles sejam carrascos ou péssimos pais, eu entendo o lado deles. Mas também entendo o meu. E queria que eles entendessem também.

Segundo, sempre gostei de humanas. Assuntos como política, sociologia, história, tudo isso sempre me deixou bem entusiasmada. Assim, como cheguei aos dezoito anos naquele desespero de escolher uma faculdade pra seguir e queria que essa mesma faculdade não me causasse desconfortos familiares, optei pelo curso menos pior, o que menos se distanciaria dos meus gostos. E aqui estou eu. Dividida entre me desesperar por ver o tempo passar e meu sonho ficar distante e continuar na minha vida pacata por medo de me rebelar.

— Ei, Betina! — escutei Melina me gritando e, ao mesmo tempo, vindo rapidamente em minha direção — Qual é, amiga, tá faltando demais as aulas aqui no teatro. Aconteceu alguma coisa? — o rosto dela expressava preocupação.

— Nada não, Mel... nada menos que o de sempre — suspirei — Muitas provas lá na faculdade, to precisando me virar um mil Betinas pra dar conta. E pra completar o clima lá em casa tá uma merda, fico meio assim de sair e deixar meus irmãos e meus pais sem mim. Não que minha presença vá mudar muita coisa, mas fico mais tranquila desse jeito, entende?

— Claro que entendo, amiga. Algumas mil vezes a vida e seus inúmeros problemas já me fizeram desanimar demais em relação a tudo, até mesmo ao teatro. Mas cê não pode deixar a peteca cair não, gata. É teu sonho ou não é? — ela deu um sorriso e me cutucou com o ombro.

Melina é uma das minhas três melhores amigas do curso de teatro. Ela é a "cabeça" do grupo, super concentrada, focada. Estuda jornalismo, sempre amou escrever — que o digam os mil textões enviados no grupo das meninas — mas também tem no teatro um grande sonho. A Mel é um ano mais velha que eu e a gente se conhece desde que eu comecei no curso, ou seja, há vidas. Amo essa menina e tudo o que ela acrescentou na minha vida, principalmente a Isabela, namorada dela, que virou minha amiga por tabela.

— Olá, meninas, turu bom? — a Gabi chegou fazendo graça — O André tava falando da gente sair amanha a noite, uns amigos dele vão tocar num barzinho lá em São Francisco, bora? Por favor, por favor, vamos! — ela passou o braço pelo meu pescoço, me envolvendo num abraço de lado, me esmagando totalmente.

— Me solta, doida! Esse teu crush no André não passa, hein. Quem vai? Não sei, tô meio desanimada... problemas em casa, provas na faculdade... tá difícil. — respondi.

— Ih, fala sério, Betina, vou dar na sua cara! Você vai sim senhora, sair com os amigos é a melhor forma de extravasar esses problemas. — a Mel disse super animada.

— Tô com a Mel. E outra, vocês como amigas tem o dever de me ajudar a sempre ficar perto do meu amor platônico da vida toda. O Carlos vai também, então a Dani deve ir. E mais um pessoal aqui do teatro também.